Inexistência de dano moral coletivo por publicidade puffing sem gravidade intolerável aos consumidores
No caso, a propaganda foi tida por enganosa, pelas instâncias ordinárias, em virtude de perícia, na qual constatado que os aparelhos condicionadores de ar não eram realmente silenciosos, como afirmado na publicidade veiculada em 1989. Em razão disso, concluíram ter ocorrido danos morais coletivos. Contudo, é bastante questionável que, na época e nas condições do caso concreto, tenha ocorrido, efetivamente, propaganda que possa ser qualificada como enganosa, já que os fatos se passaram antes do advento do Código de Defesa do Consumidor e, mesmo na vigência do CDC, quando passou a existir mais expressa regulação sobre o assunto (art. 37), a doutrina consumerista classifica publicidade do tipo considerado no caso de puffing. Segundo a doutrina, "a utilização de adjetivações exageradas pode causar enganosidade ou não. O chamado puffing é a técnica publicitária da utilização do exagero. A doutrina entende que o puffing não está proibido enquanto apresentado 'como publicidade espalhafatosa, cujo caráter subjetivo ou jocoso não permite que seja objetivamente encarada como vinculante. É o anúncio em que se diz ser 'o melhor produto do mercado', por exemplo'." Nesse sentindo, não se deve considerar tratar-se o termo "silencioso", enfatizado na propaganda, como uma afirmação literal. Dizer ser o aparelho silencioso, nas condições tecnológicas da época, em que os condicionadores de ar de gerações anteriores produziam mais ruído, era mero exagero publicitário comparativo, destinado a enaltecer essa característica específica do produto, decorrente de inovação tecnológica e, portanto, o mote da publicidade, em tal contexto, não seria apto, por si, a enganar ou induzir o consumidor a um efetivo engano. Até porque este, movido por natural curiosidade, certamente testava o nível de ruído do produto antes da compra. Em relação à ocorrência de dano, consigna-se que o dano moral coletivo se configura in re ipsa, embora não esteja ligado a atributos da pessoa humana, considerada de per si, não exigindo a demonstração de prejuízos concretos ou de abalo moral efetivo. Por isso, a doutrina e a jurisprudência consolidada por esta Corte orientam-se pelo norte de que a condenação por danos morais coletivos ao consumidor tem de decorrer de fatos impregnados de gravidade tal que sejam intoleráveis, porque lesam valores fundamentais da sociedade. Não se constata, porém, a gravidade dos fatos, tampouco a sua intolerabilidade social e muito menos que atingiram valores fundamentais da sociedade. Uma publicidade cuja mensagem enaltece o fato de ser o aparelho de ar condicionado "silencioso", não tem aptidão para ser fonte de dano difuso, pois não ostenta qualquer gravidade intolerável em prejuízo dos consumidores em geral.
Recusa pacífica de alimento impróprio por detento não constitui falta grave
O art. 50, I, da Lei n. 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) estabelece que comete falta grave o detento condenado à pena privativa de liberdade que incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina. No contexto desse dispositivo legal, o termo "participar" significa envolver-se ativamente, cooperar ou contribuir para a realização de um movimento que tenha o propósito de desestabilizar a ordem ou a disciplina, seja por meio de ações concretas, como o uso de violência ou ameaças, ou por meio de ações intelectuais, como o planejamento ou a organização das atividades. Aquele que incita, ou seja, que estimula, motiva ou encoraja outros indivíduos a praticar atos de subversão ou indisciplina de forma coletiva, também será responsabilizado por essa infração. A "greve de fome" realizada pelos detentos pode, em determinadas circunstâncias, caracterizar a falta grave prevista no art. 50, I, da LEP, especialmente se o movimento resultar na configuração do crime de motim de presos, previsto no art. 354 do Código Penal, ou no crime de dano ao patrimônio público, conforme estabelecido no art. 163 do Código Penal. Em tais situações, a recusa deliberada em se alimentar pode ser considerada parte de um movimento que busca subverter a ordem ou a disciplina no estabelecimento prisional, sujeitando os envolvidos às sanções correspondentes. No entanto, a recusa do detento em aceitar alimento que julga impróprio para consumo não se configura como falta grave, uma vez que no ordenamento jurídico vigente não existe qualquer imposição que obrigue o indivíduo privado de liberdade a ingerir alimentos em circunstâncias que considere inadequadas. Essa atitude, quando realizada de forma pacífica e sem ameaçar a segurança do ambiente carcerário, representa um exercício do direito à liberdade de expressão por parte do detento, direito esse amparado pelo próprio ordenamento jurídico no art. 5º, IV, da Constituição da República. Além disso, é fundamental observar o art. 41 da Lei de Execução Penal, que elenca os direitos do preso, notadamente o direito à "alimentação suficiente" e à "assistência material e à saúde". A recusa em ingerir alimentos inadequados está intrinsecamente ligada à obrigação legal de proporcionar alimentação suficiente e está relacionada diretamente à assistência material e à saúde do detento. A ingestão de alimentos inadequados poderia prejudicar seriamente seu bem-estar físico e, consequentemente, sua saúde. Portanto, a recusa do detento em se negar a aceitar alimento que julga impróprio para consumo não se caracteriza como falta grave. Ao contrário, essa atitude representa o exercício de seu direito à liberdade de expressão e à preservação de sua dignidade, respeitando os direitos fundamentais do ser humano no sistema penitenciário, conforme preconizam as leis nacionais e os tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Isso, desde que seja feita de forma ordeira e sem colocar em risco a ordem e a disciplina do estabelecimento prisional.
Agentes infiltrados e ações encobertas em investigação digital mediante autorização judicial
Cinge-se a controvérsia a aferição da possibilidade de utilização, no ordenamento jurídico pátrio, de ações encobertas, controladas virtuais ou de agentes infiltrados no plano cibernético, inclusive via espelhamento do Whatsapp Web. No ordenamento pátrio, as ações encobertas recebem a denominação de infiltração de agentes. A Lei que trata acerca de Organizações Criminosas, Lei n. 12.850/2013, prevê que, em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros procedimentos já previstos em lei, infiltração, por policiais, em atividade de investigação, mediante motivada e sigilosa autorização judicial. Objetiva-se a outorga, ao agente estatal, da possibilidade de penetrar na organização criminosa, participando de atividades diárias, para, assim, compreendê-la e melhor combatê-la pelo repasse de informações às autoridades. De se mencionar, ainda, que a lei que regulamenta o Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/2014), estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para uso da Internet no Brasil, garante o acesso e a interferência no "fluxo das comunicações pela Internet, por ordem judicial". De idêntica forma, a referida Lei n. 12.850/2013 (Lei da ORCRIM), com redação trazida pela Lei 13.694/2019, passou a prever, de forma expressa, a figura do agente infiltrado virtual, em seu art. 10-A. Por sua vez, a Lei n. 9.296/1996 (Interceptação Telefônica), permite em seu art. 1º, parágrafo único, a quebra do sigilo no que concerne à comunicação de dados, mediante ordem judicial fundamentada. Nesse ponto reside a permissão normativa para quebra de sigilo de dados informáticos e de forma subsequente, para permitir a interação, a interceptação e a infiltração do agente, inclusive pelo meio cibernético, consistente no espelhamento do Whatsapp Web. A lei de interceptação, em combinação com a Lei das Organizações Criminosas outorga legitimidade (legalidade) e dita o rito (regra procedimental), a mencionado espelhamento, em interpretação progressiva, em conformidade com a realidade atual, para adequar a norma à evolução tecnológica. A potencialidade danosa dos delitos praticados por organizações criminosas, pelo meio virtual, aliada a complexidade e dificuldade da persecução penal no âmbito cibernético devem levar a jurisprudência a admitir as ações controladas e infiltradas no mesmo plano virtual. De fato, nos últimos anos, as redes sociais e respectivos aplicativos se tornaram uma ferramenta indispensável para a comunicação, interação e compartilhamento de informações em todo o mundo. Entretanto, essa rápida expansão e influência também trouxeram consigo uma série de desafios e problemas no âmbito da investigação, no meio virtual, tornando-se a evolução da jurisprudência acerca do tema questão cada vez mais relevante e urgente. Impositivo se mostra o estabelecimento de regras processuais compatíveis com a modernidade do crime organizado, porém, sempre respeitando, dentro de tal quadro, os direitos e garantias fundamentais do investigado. Tal desiderato restou alcançado na medida em que, no ordenamento pátrio, a infiltração, igualmente a outros institutos que restringem garantias e direitos fundamentais, está submetida ao controle e amparada por ordem de um juiz competente. Não há empecilho, portanto, na utilização de ações encobertas ou agentes infiltrados na persecução de delitos, pela via dos meios virtuais, desde que, conjugados critérios de proporcionalidade (utilidade, necessidade), reste observada a subsidiariedade, não podendo a prova ser produzida por outros meios disponíveis. É o que se dá na hipótese em análise, com o autorizado espelhamento via Whatsapp Web, como meio de infiltração investigativa, na medida em que a interceptação de dados direta, feita no próprio aplicativo original do Whatsapp, se denota, por vezes, despicienda, em face da conhecida criptografia ponta a ponta que vigora no aplicativo original, impossibilitando o acesso ao teor das conversas ali entabuladas. Concebe-se plausível, portanto, que o espelhamento autorizado via Whatsapp Web, pelos órgãos de persecução, se denote equivalente à modalidade de infiltração do agente, que consiste em meio extraordinário, mas válido, de obtenção de prova. Pode, desta forma, o agente policial valer-se da utilização do espelhamento pela via do Whatsapp Web, desde que respeitados os parâmetros de proporcionalidade, subsidiariedade, controle judicial e legalidade, calcado pelo competente mandado judicial. De fato, a Lei n. 9.296/1996, que regulamenta as interceptações, conjugada com a Lei n. 12.850/2013 (Lei das Organizações Criminosas), outorgam substrato de validade processual às ações infiltradas no plano cibernético, desde que observada a cláusula de reserva de jurisdição.
Reconhecimento da reincidência pelo juízo da execução penal independentemente da sentença condenatória
O reconhecimento da reincidência nas fases de conhecimento e de execução penal produz efeitos diversos. Incumbe ao Juízo de conhecimento a aplicação da agravante do art. 61, inciso I, do Código Penal, para fins de agravamento da reprimenda e fixação do regime inicial de cumprimento de pena. Em um segundo momento, o reconhecimento dessa condição pessoal para fins de concessão de benefícios da execução penal compete ao Juízo das Execuções, nos termos do art. 66, inciso III, da Lei de Execução Penal. Desse modo, ainda que não reconhecida na condenação, a reincidência deve ser observada pelo Juízo das Execuções para concessão de benefícios, sendo descabida a alegação de reformatio in pejus ou de violação da coisa julgada, pois se trata de atribuições distintas. Há, na verdade, a individualização da pena relativa à apreciação de institutos próprios da execução penal. A matéria foi definida pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do EREsp 1.738.968/MG, oportunidade em que ficou estabelecido que a intangibilidade da sentença penal condenatória transitada em julgado não retira do Juízo das Execuções Penais o dever de adequar o cumprimento da sanção penal às condições pessoais do réu. Efetivamente, "a reincidência é um fato, relativo à condição pessoal do condenado, que não pode ser desconsiderado pelo juízo da execução, independente da sua menção na sentença condenatória, pois afetaria exponencialmente o bom desenvolvimento da execução da pena traçado nas normas correspondentes" (AgRg no REsp 1.642.746/ES, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe de 14/8/2017). Nesse sentido, frisa-se que "não cabe ao Juiz da Execução rever a pena e o regime aplicados no título judicial a cumprir. Contudo, é de sua competência realizar o somatório das condenações (unificação das penas), analisar a natureza dos crimes (hediondo ou a ele equiparados) e a circunstância pessoal do reeducando (primariedade ou reincidência) para fins de fruição de benefícios da LEP." (AgRg no AREsp 1.237.581/MS, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 1/8/2018).
Prova do abalo à honra objetiva condiciona indenização mínima penal à pessoa jurídica
A possibilidade de condenação do réu por danos morais, sem a indicação prévia do quantum debeatur e sem instrução específica, é matéria que suscita posições divergentes no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Sobre o tema, recentemente a Quinta Turma sinalizou mudança de orientação para passar a admitir a fixação de dano moral mediante simples requerimento na exordial acusatória, alinhando-se ao entendimento da Sexta Turma. Nada obstante, posteriormente, a questão foi afetada à Terceira Seção. De todo modo, qualquer que seja a orientação jurisprudencial adotada, é inviável fixar, na esfera penal, indenização mínima a título de danos morais, sem que tenha havido a efetiva comprovação do abalo à honra objetiva da pessoa jurídica. Diferentemente do que ocorre com as pessoas naturais, as pessoas jurídicas não são tuteladas a partir da concepção estrita do dano moral, isto é, ofensa à dignidade humana, o que impede, via de regra, a presunção de dano ipso facto. No caso, o Tribunal de origem justificou a fixação de valor mínimo indenizatório por danos morais, pois não haveria "...qualquer elemento que afaste a ofensa à esfera intima do ofendido, que é própria da prática da infração penal...". Contudo, o conceito de "esfera íntima" é inapropriado nas hipóteses em que o ofendido é pessoa jurídica. É temerário presumir que o roubo a um caminhão de entregas possa ter causado danos morais à pessoa jurídica. Por outro lado, é possível que determinados crimes afetem a imagem e a honra de empresas. Seria, por exemplo, o caso de consumidores que param de frequentar determinado estabelecimento por razões de segurança. Daí porque se conclui pela imprescindibilidade da instrução específica para comprovar, caso a caso, a ocorrência de efetivo abalo à honra objetiva da pessoa jurídica para os fins do art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal.