Competência do juízo da causa e do local na busca e apreensão de bem móvel
Cinge-se a controvérsia em verificar quem é competente para analisar a impugnação ao conteúdo de liminar concedida em ação de busca e apreensão de bem móvel. Da análise do art. 3º, § 12, do Decreto-Lei n. 911/1969, depreende-se que o seu propósito é facilitar ao credor a apreensão dos bens alienados fiduciariamente e que se encontrem situados em comarca de Juízo de competência territorial diversa do Juiz da causa onde se processa a ação de busca e apreensão, a evidenciar a sua similitude com a carta precatória, que é um meio de cooperação judiciária para a prática de atos judiciais, nos termos do que se depreende do art. 237, III, do CPC/2015, que não tem o condão de modificar a competência. Nesse contexto, a efetivação de medida liminar concedida em ação de busca e apreensão de bem móvel, por Juízo onde se localize o bem, a pedido da parte interessada, com fundamento no art. 3º, § 12, do Decreto-Lei n. 911/1969, não atrai a competência desse Juízo para eventual impugnação ao conteúdo de tal liminar, que deverá ser postulada perante o Juízo da causa que concedeu a liminar, afigurando-se igualmente competente para o julgamento de eventual recurso interposto contra essa decisão o Tribunal ao qual se encontra vinculado esse Juízo natural. Na hipótese, foi deferida liminar em ação de busca e apreensão pelo Juízo de Direito da Vara Cível do Foro Regional de Pinhais/PR, e cumprida, a requerimento do banco suscitante/credor fiduciário, amparado no art. 3º, § 12, do Decreto-Lei n. 911/1969, pelo Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de São Luís/MA. Após a efetivação da medida, a ré/devedora fiduciante interpôs agravo de instrumento contra a decisão liminar perante o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, que concedeu efeito suspensivo àquele agravo em manifesta violação ao juiz natural da causa, sendo competente para o julgamento desse recurso o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, ao qual está vinculado o Juiz da causa.
Extensão da prerrogativa de intimação pessoal da Defensoria Pública aos núcleos de prática jurídica universitários
A lei assegura ao Ministério Público, à Advocacia Pública e à Defensoria Pública a prerrogativa da intimação pessoal (arts. 180, 183 e 186, § 1º, do Código de Processo Civil). Assim, a intimação dessas entidades deve ocorrer por carga, remessa ou meio eletrônico (art. 183, § 1º, do CPC). A Defensoria Pública, essa importante instituição, enfrenta algumas dificuldades que decorrem, notadamente, do elevado número de demandas para as quais é chamada a atuar, de impasses para contatar os assistidos, que, no mais das vezes, não dispõem de telefone, e-mail ou outros meios de fácil comunicação, da precariedade da estrutura material e do número insuficiente de defensores públicos e de profissionais para prestar-lhes assistência. Nesse cenário, o benefício da intimação pessoal se assenta no princípio da isonomia material (art. 5º, caput , da CF) e constitui mecanismo voltado à concretização do acesso à justiça e do contraditório pelos hipossuficientes. De acordo com Pesquisa Nacional da Defensoria Pública, das 2.307 Comarcas instaladas no território brasileiro, apenas 1.286 Comarcas contam com atendimento regular por parte da Defensoria Pública Estadual, dado que representa 49,8% do total e contraria o disposto na EC n. 80/2014 que, ao inserir o art. 98, §1°, no ADCT, previu que até o término do ano de 2022, a União, os Estados e o Distrito Federal deveriam contar com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais. Feitas essas considerações, verifica-se que a materialização do acesso à justiça ainda depende da atuação de outros personagens, dentre os quais se incluem os escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito. A lei processual estende, expressamente, o benefício do prazo em dobro a tais instituições, bem como às entidades que prestam assistência jurídica gratuita em razão de convênios firmados com a Defensoria Pública (art. 186, § 3º, do CPC). A interpretação literal das referidas normas realmente autoriza a conclusão de que apenas a prerrogativa de cômputo em dobro dos prazos seria extensível aos escritórios de prática jurídica das instituições de ensino superior, mas não a prerrogativa da intimação pessoal. Todavia, deve-se interpretar as regras de modo sistemático e à luz de sua finalidade, do que se conclui, respeitosamente, que não há razão jurídica plausível para tratamento anti-isonômico nesse particular. A prerrogativa de intimação pessoal da Defensoria Pública também está prevista no art. 5º, § 5º, da Lei n. 1.060/1950. Esse dispositivo prescreve que "nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles mantida, o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as Instâncias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos". O Superior Tribunal de Justiça interpretava a expressão "cargo equivalente" como serviço de assistência judiciária organizado e mantido pelo Estado, afastando, assim, os núcleos de prática jurídica de entidades privadas de ensino superior (REsp 1106213/SP, Terceira Turma, DJe 7/11/2011; AgInt no AREsp n. 1.836.142/DF, Quarta Turma, DJe de 27/9/2021). Ocorre que, ao editar o CPC, o legislador não fez qualquer diferenciação entre escritórios de prática jurídica de entidades de caráter público ou privado (art. 186, § 3º, do CPC). Por conseguinte, a interpretação sistemática das normas - art. 5º, § 5º, da Lei n. 1.060/1950 e art. 186, § 3º, do CPC - conduz à conclusão de que, tal qual a Defensoria Pública, os escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito, públicas ou privadas, devem ser intimados pessoalmente dos atos processuais. Dado que tais departamentos jurídicos prestam assistência judiciária aos hipossuficientes, é absolutamente razoável crer que eles experimentam as mesmas dificuldades de comunicação e de obtenção de informações dos assistidos, as quais são conhecidamente vivenciadas no âmbito da Defensoria Pública. Nesse contexto, a intimação pessoal constitui uma ferramenta imprescindível para o desempenho das atividades desenvolvidas pelos núcleos de prática jurídica das faculdades de Direito. Ressalte-se que, recentemente, a Corte Especial do STJ decidiu pela aplicação da prerrogativa do prazo em dobro não só aos núcleos de prática jurídica das universidades públicas, mas também das universidades privadas de ensino superior. Tal conclusão fundou-se não apenas na literalidade do art. 183, § 3º, do CPC/2015, mas também na semelhança das dificuldades enfrentadas por tais entidades e pela Defensoria Pública (REsp 1.986.064/RS, Corte Especial, DJe 8/6/2022). Por sua vez, a Terceira Turma, no julgamento do RMS 64894/SP (DJe de 9/8/2021), por unanimidade, decidiu que a prerrogativa conferida à Defensoria Pública de requerer a intimação pessoal da parte na hipótese do art. 186, § 2º, do CPC se estende ao defensor dativo. Ainda que não sejam idênticas, é notória a semelhança entre essa questão e a hipótese examinada.
Momento consumativo e tentativa no art 349-A CP apreensão de celular na revista
O Tribunal estadual entendeu ser incabível o reconhecimento da tentativa em relação ao crime do art. 349-A do Código Penal, pois o delito foi cometido no interior da unidade prisional, no setor de revista da unidade, razão pela qual o crime estaria consumado. Contudo, a realização de revistas pessoais efetuadas antes do ingresso no estabelecimento prisional não tem o condão de tornar absolutamente ineficaz o meio de escolha para a execução do crime, pois, como é sabido, as revistas não são infalíveis, o que permite a entrada de substâncias entorpecentes, bem como de outros objetos, como celulares, dentro dos presídios. Dessa forma, tendo sido o agente flagrado antes do efetivo ingresso no interior do estabelecimento prisional, ainda durante a revista, não há falar em consumação do delito, mas apenas em tentativa.
Remoção do servidor público por saúde de familiar exige comprovação de dependência econômica
A questão controvertida cinge-se à seguinte indagação: para fins de concessão de remoção ao servidor público, ainda que provisoriamente, à luz do art. 36, parágrafo único, III, b, da Lei 8.112/1990, há, ou não, necessidade de preenchimento do requisito da dependência econômica? O vocábulo "expensas", como gizado no artigo acima, remete à ideia de "despesas, custos", evidenciando que, a partir da alteração implementada pela Lei n. 9.527/1997, a dependência em tela assumiu nítida feição econômica. Tal compreensão vem sendo reiteradamente adotada por esta Corte, ao consignar que "o pedido de remoção de servidor para outra localidade, independentemente de vaga e de interesse da Administração, será deferido quando fundado em motivo de saúde do servidor, de cônjuge, companheiro ou dependente que viva às suas expensas e conste do seu assentamento funcional, condicionada à comprovação por junta médica oficial" (REsp n. 1.937.055/PB, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 3/11/2021). Desse modo, não há como admitir que o vocábulo "expensas" possa ser interpretado de forma extensiva, a fim de abranger também eventual "dependência física" ou "afetiva" dos genitores em relação ao filho servidor público. Logo, conquanto no caso inexista controvérsia a respeito do estado de saúde dos genitores do autor, ora recorrido, tal fato, isoladamente considerado, não é capaz de legitimar a manutenção do entendimento adotado pela ilustrada Corte regional, no que esta desconsiderou a também necessidade de comprovação do requisito legal concernente à dependência econômica, sob pena de se incorrer em visível afronta à Súmula Vinculante n. 10/STF: "Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte".
Não incidência de contribuição previdenciária sobre contribuições patronais à previdência complementar de administradores não empregados
No tocante aos valores recolhidos pelas empresas em benefício de seus administradores não empregados, para o custeio de plano de previdência complementar privada, o art. 28, § 9º, p, da Lei n. 8.212/1991, dispunha: § 9º- Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente: [...] p) o valor das contribuições efetivamente pago pela pessoa jurídica, relativo a programa de previdência complementar, aberto ou fechado, desde que disponível à totalidade de seus empregados e dirigentes, observados, no que couber, os arts. 9º e 468 da CLT. Quanto ao referido artigo, ressalta-se que com a superveniência do § 1º, do art. 69, da LC n. 109/2001, as contribuições direcionadas ao custeio de planos de previdência complementar privada, de entidades aberta e fechada, deixaram, em qualquer circunstância, de se submeter à incidência da contribuição previdenciária exigida pelo fisco e, portanto, não mais integram o salário-de-contribuição, independentemente de beneficiarem, ou não, à totalidade dos empregados e dirigentes da empresa. Logo, deve prevalecer, no caso, o parâmetro hermenêutico disposto no art. 2º, § 1º, da LINDB (Decreto-Lei n. 4.657/1942), segundo o qual "A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível [caso sob exame] ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior".