Consentimento para ingresso domiciliar válido apenas com voluntariedade documentada por escrito ou vídeo
Nos crimes permanentes, tal como o tráfico de entorpecentes e posse ilegal de arma e munições, o estado de flagrância protrai-se no tempo, o que não é suficiente, por si só, para justificar a busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da residência, há uma situação de flagrante delito em desenvolvimento. Consoante julgamento do RE n. 603.616/RO, pelo Supremo Tribunal Federal, não é necessária certeza quanto à ocorrência da prática delitiva para se admitir a entrada em domicílio, bastando que, em compasso com as provas produzidas, seja demonstrada a justa causa na adoção medida, ante a existência de elementos concretos que apontem para o flagrante delito. O Tribunal de origem reconheceu que havia fundadas razões para o ingresso dos policiais na residência, em virtude da fuga do réu para o interior da residência, e posterior arremesso de porções de cocaína sobre um muro divisório. Dessa forma, é possível extrair do contexto fático a inexistência de elementos concretos a evidenciar a ocorrência de flagrante delito, pois que o ingresso no domicílio ocorreu em virtude da fuga do réu para o interior da residência, após a chegada dos policiais, momento em que tentou se desfazer das drogas, jogando-as por cima de um muro divisório. Constata-se, ainda, que não foram realizadas investigações prévias nem indicados elementos concretos robustos a indicar a existência de comércio de drogas no interior da residência, tampouco comprovou-se ter havido o comércio de drogas em via pública e o consentimento do morador para o ingresso no local, o que torna ilícita toda a prova obtida com a invasão de domicílio. A permissão para ingresso no domicílio, proferida em clima de estresse policial, não deve ser considerada espontânea, a menos que tenha sido por escrito e testemunhada, ou documentada em vídeo.
Competência municipal do ISS pelo local do estabelecimento prestador, sede ou filial
O cerne da controvérsia diz respeito à definição de qual o ente municipal competente para arrecadar Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza - ISSQN que venha a incidir sobre os serviços descritos no subitem 14.01 da Lista Anexa à LC n. 116/2003. Afirmou-se, na origem, que a empresa que ajuizou a ação originária teria sede no território do município recorrente e que por essa razão o ISSQN seria devido em tal município, nos termos dos arts. 3º e 4º da LC n. 116/2003. Constata-se ainda que o Tribunal de origem adotou como premissa o fato de que a competência tributária para arrecadação do ISSQN irá depender, essencialmente, da localização geográfica da prestação do serviço e não do local do estabelecimento prestador. Segundo a jurisprudência pacífica deste tribunal superior, contudo, para identificação do sujeito ativo da obrigação tributária em sede de ISSQN deve-se verificar se há unidade empresarial autônoma no local da prestação do serviço. Segundo o art. 4º da LC n. 116/2003, seria irrelevante a sua denominação (se sede, filial ou semelhantes). Dessa forma, inexistindo estabelecimento do prestador no local da prestação do serviço, deve-se ISSQN ao município do local da empresa que efetivou a prestação. Assim, o mero deslocamento da mão de obra não seria apto a alterar a competência do ente tributante. Nesse sentido, esta Corte afirma que: "existindo unidade econômica ou profissional do estabelecimento prestador no município onde o serviço é perfectibilizado, ou seja, onde ocorrido o fato gerador tributário, ali deverá ser recolhido o tributo." (REsp 1.060.210/SC, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, DJe de 5/3/2013 - representativo de controvérsia). No caso em apreço, deve-se afastar o entendimento que a Corte estadual firmou, de que seria o local da prestação de serviço que deve indicar o ente tributante. Portanto, os autos devem retornar à origem para que seja analisado se a pessoa jurídica que presta os serviços possui efetivamente unidade autônoma no âmbito territorial do Município em que houve a prestação do serviço.
Direito municipal a royalties da lavra marítima exige comprovação da origem dos hidrocarbonetos movimentados
O que se discute é a pretensão de cumulação dos royalties já distribuídos e reconhecidos como devidos pela Agência Nacional do Petróleo - ANP - pela exploração terrestre -, com aqueles derivados da exploração marítima, que o Município pretende perceber tão só por possuir em seu território IED's (instalações de embarque e desembarque de hidrocarbonetos), que teriam especificações técnicas suficientes para receberem hidrocarbonetos de origem oceânica, mas que, de forma incontroversa, não o recebem. Conforme entendimento da Primeira Turma, a distribuição dos royalties pela exploração de petróleo e de gás natural depende da origem do hidrocarboneto que percorre as instalações de extração e transporte, de modo que os municípios que movimentam gás natural ou petróleo de origem terrestre não fazem jus aos royalties da lavra marítima quando não realizam diretamente essa exploração. Nesse sentido: AgInt no REsp n. 1.516.546/BA, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 19/9/2017, DJe 27/11/2017 e AgInt no REsp n. 1.468.965/RN, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 9/3/2021, DJe de 22/3/2021. Ademais, sob a égide da Lei n. 7.990/1989, o critério era a divisão proporcional entre Estados, Municípios produtores e Municípios onde havia instalações de embarque ou desembarque, nos seguintes termos: "Art. 27: A sociedade e suas subsidiárias ficam obrigadas a pagar a compensação financeira aos Estados, Distrito Federal e Municípios, correspondente a 5% (cinco por cento) sobre o valor do óleo bruto, do xisto betuminoso e do gás extraído de seus respectivos territórios, onde se fixar a lavra do petróleo ou se localizarem instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de óleo bruto ou de gás natural, operados pela Petróleo Brasileiro S.A. - Petrobrás, obedecidos os seguintes critério: I - 70% (setenta por cento) aos Estados produtores; II - 20% (vinte por cento) aos Municípios produtores; III - 10% (dez por cento) aos Municípios onde se localizarem instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de óleo bruto e/ou gás natural. Dessa forma, constata-se que a divisão não permitia somar, para um mesmo município, sua participação como produtor e como detentor de instalações de embarque ou desembarque de hidrocarbonetos. Ao contrário, o inciso III do art. 27 veio a prestigiar aqueles municípios que, não sendo produtores, participavam da cadeia produtiva do petróleo como detentores de instalações de embarque ou desembarque. A Lei n. 9.478/1997, por sua vez, com a redação da Lei n. 12.734/2012, modificou a distribuição dos royalties, mas claramente estabeleceu o critério da origem do hidrocarboneto como o definidor da sua distribuição, tanto em seu artigo 48, quanto em seu artigo 49, ela trouxe as duas hipóteses de pagamento, conforme a seguinte redação: "Art. 48: I - quando a lavra ocorrer em terra ou em lagos, rios, ilhas fluviais e lacustres: (...) II - quando a lavra ocorrer na plataforma continental, no mar territorial ou na zona econômica exclusiva: (...) art. 49: I - quando a lavra ocorrer em terra ou em lagos, rios, ilhas fluviais e lacustres: (...) II - quando a lavra ocorrer na plataforma continental:(...)". Sendo assim, considerando as informações dos autos que indicam o trânsito somente de hidrocarbonetos de origem terrestre nas instalações do Município, o pedido de percepção de royalties derivados da exploração marítima somente teria cabimento se comprovado o efetivo trânsito nas referidas instalações dos hidrocarbonetos provenientes da lavra oceânica, circunstância não afirmada ou demonstrada no acórdão da origem.
Reconhecimento da natureza jurídica não tributária das anuidades devidas à OAB
No Tribunal de origem, decidiu-se que a contribuição profissional feita à Ordem dos Advogados do Brasil tem natureza tributária e, por isso, a cobrança de valores não pagos pelos profissionais sujeita-se ao regime da Lei 6.830/1980, o que implica "ipso facto" a competência de varas especializadas em execuções fiscais, e não varas cíveis comuns. Com efeito, havia realmente na Primeira Turma deste Tribunal um entendimento que sujeitava a cobrança das anuidades da OAB à Lei de Execuções Fiscais (LEF), mas a Segunda Turma adotava compreensão distinta, isto é, afastava a LEF nessas hipóteses. A divergência entre ambas as Turmas foi composta na Primeira Seção por ocasião do julgamento dos EREsp 463.258/SC, cuja relatoria coube à Em. Ministra Eliana Calmon, que na ocasião convenceu a maioria a adotar o entendimento que a Segunda Turma já adotava. A jurisprudência pacificou-se, mas essa "paz" vem a ser perturbada por força de um precedente qualificado do Supremo Tribunal Federal, o RE 647.885/RS, rel. Ministro Edson Fachin, no qual se debatia a possibilidade de a OAB suspender do exercício profissional aqueles advogados que não pagassem a anuidade, no que a Corte Suprema decidiu negativamente e fixou a seguinte tese: "É inconstitucional a suspensão realizada por conselho de fiscalização profissional do exercício laboral de seus inscritos por inadimplência de anuidades, pois a medida consiste em sanção política em matéria tributária". A questão surge porque nada obstante a controvérsia versasse sobre outra temática bastante mais restrita, uma das premissas utilizadas por Sua Excelência foi justamente a natureza tributária das anuidades cobradas pelos conselhos profissionais "lato sensu", o que se utilizou sem a corriqueira adjetivação que se dá especificamente à OAB como entidade "sui generis". No entanto, o voto proferido nesse precedente não distingue os conselhos profissionais genericamente considerados e a OAB para efeito de pontuar a inviabilidade da suspensão do exercício profissional, em que pese a demanda em si se tratasse especialmente de advogado e da OAB, e dessa forma a expressão do caráter tributário tem sido inadvertidamente estendido às anuidades cobradas pela OAB. Essa compreensão é corroborada por um outro julgado qualificado do Supremo Tribunal Federal, no qual o Ministro Edson Fachin foi designado redator do acórdão (RE 1.182.189, Relator(a): Marco Aurélio, Relator(a) p/ Acórdão: Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 25-04-2023), em que se diz, aqui expressamente, que a anuidade cobrada pela OAB não tem natureza tributária. Dessa forma, o decidido no RE 647.885/RS não abala a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça nem mesmo a do Supremo Tribunal Federal no concerne à natureza jurídica das anuidades cobradas pela OAB e dessa forma o acórdão impugnado realmente destoa da correta interpretação dada à matéria.
Contagem em dias úteis do prazo de 30 dias da tutela cautelar antecedente
Cinge-se a controvérsia a saber se o prazo de 30 dias para a formulação do pedido principal previsto no art. 308 do Código de Processo Civil possui natureza jurídica material ou processual e se sua contagem é realizada em dias corridos ou dias úteis. O acórdão embargado da Terceira Turma entendeu que o prazo de 30 estabelecido no art. 308 do CPC/2015 tem natureza processual, devendo ser contado em dias úteis (art. 219 do CPC/2015). O acórdão paradigma da Primeira Turma, por sua vez, decidiu que o prazo de 30 dias para a formulação do pedido principal (art. 308 do CPC/2015) tem natureza decadencial e deve ser contado em dias corridos, e não em dias úteis, regra aplicável somente para prazos processuais (art. 219, parágrafo único). Quanto ao ponto, ressalta-se que após a alteração do CPC/2015 com relação ao procedimento para requerimento de tutelas cautelares antecedentes, o pedido principal deve ser formulado nos mesmos autos, não sendo necessário ajuizamento de nova demanda (extinção da autonomia do processo cautelar). Atual sistemática que prevê apenas um processo, com etapa inicial que cuida de tutela cautelar antecedente, com possibilidade de posterior ampliação da cognição. A dedução do pedido principal, nesse caso, é um ato processual que produz efeitos no processo já em curso, e o transcurso do prazo em branco apenas faz cessar a eficácia da medida concedida (art. 309, II, do CPC/2015), fato que não afeta o direito material em discussão. Portanto, o prazo de 30 (trinta) dias para a formulação do pedido principal previsto no art. 308 do Código de Processo Civil possui natureza jurídica processual e, consequentemente, sua contagem deve ser realizada em dias úteis, nos termos do art. 219 do CPC.