Inexistência de dados de carga horária de militares e limites da LAI
A controvérsia cinge-se sobre à possibilidade de, com fundamento na Lei n. 12.527/2011, ser fornecido acesso à informação sobre a carga horária na carreira militar, cujos dados são tidos como inexistentes pela autoridade impetrada. Quanto à natureza da atividade militar, verifica-se, da leitura do art. 142, § 3º, VIII, da Constituição da República, que não foram atribuídos ao militares os direitos sociais dos trabalhadores previstos no art. 7º, incisos IX, XIII, XV, XVI, XX, XXII, XXX, da Constituição da República, direitos estes, por outro lado, garantidos aos servidores públicos civis, consoante art. 39, § 3º, do mesmo diploma normativo. Tal dedicação à carreira é assim descrita no Estatuto dos Militares: "Art. 5º. A carreira militar é caracterizada por atividade continuada e inteiramente devotada às finalidades precípuas das Forças Armadas, denominada atividade militar". Nesse sentido, ao analisar a natureza da atividade militar, inclusive a sua característica de disponibilidade permanente, a doutrina pontua que "a carreira militar, privativa do pessoal da ativa, caracteriza-se por ser uma atividade continuada e inteiramente devotada às finalidades precípuas das Forças Armadas, denominada atividade militar. Por ser continuada, impõe ao militar da ativa disponibilidade integral." Diversa é a regra do art. 19 da Lei n. 8.112/1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos federais, categoria da qual os militares foram apartados, por força da EC n. 19/1998. Assim, o Estatuto dos Servidores Públicos Civis limita a jornada de trabalho semanal e diária dos trabalhadores, nos seguintes termos: "Art. 19. Os servidores cumprirão jornada de trabalho fixada em razão das atribuições pertinentes aos respectivos cargos, respeitada a duração máxima do trabalho semanal de quarenta horas e observados os limites mínimo e máximo de seis horas e oito horas diárias, respectivamente." Assim, a lei ou a Constituição não impõem uma limitação à carga horária dos militares, estando estes em disponibilidade contínua para as suas atividades, ao contrário dos servidores públicos civis, em relação aos quais as normas constitucionais e legais delimitam a jornada de trabalho. Por outro lado, a de Lei de Acesso à Informação, prevê que: "Art. 11. O órgão ou entidade pública deverá autorizar ou conceder o acesso imediato à informação disponível. § 1º Não sendo possível conceder o acesso imediato, na forma disposta no caput, o órgão ou entidade que receber o pedido deverá, em prazo não superior a 20 (vinte) dias: [...] III - comunicar que não possui a informação [...]". In casu, não haveria, portanto, registro de dados ou informações sobre a carga horária de serviços a serem prestados pelos militares, pois sua atividade é contínua, devendo sempre atender ao chamado hierárquico, a despeito de se tratar de serviço noturno ou mesmo nos fins de semana, não se remunerando serviço extraordinárias. Dessa forma, seria impossível, o acesso aos dados referentes à carga horária de todos os militares da Organização Militar, identificados pelo número da escala hierárquica, o posto ou graduação, pois, pela natureza da atividade, não haveria tal previsão, inexistindo, portanto, a informação requerida, sendo desproporcional e desarrazoada a eventual determinação de sua produção pela via judicial.
Retirada indevida de numerário contrária à deliberação autoriza exclusão de sócio por falta grave
Trata-se de ação de dissolução parcial de sociedade na qual foi postulado, na origem, a exclusão de um dos sócios com fundamento na ocorrência de retiradas irregulares de valores do caixa da sociedade e na prática de outras condutas que configurariam falta grave apta a justificar a exclusão do sócio, nos termos do art. 1.030 do Código Civil. Nas instâncias de origem ficou comprovado que houve o levantamento de valores de forma contrária à previsão expressa do contrato social, que exigia, para a distribuição de lucros, deliberação de sócios que representassem, no mínimo, 90% do capital social. Na hipótese, havia regra específica no contrato social acerca da necessidade de deliberação prévia dos sócios para a distribuição de lucros. O art. 1.072, § 5º, do Código Civil, por sua vez, dispõe que "as deliberações tomadas de conformidade com a lei e o contrato vinculam todos os sócios, ainda que ausentes ou dissidentes." Assim, sob qualquer ângulo, não havia margem que autorizasse a conduta, que, à revelia da deliberação dos sócios, realizaram retiradas do caixa da sociedade. A conduta, para além de violar a lei e o contrato social, é contrária aos interesses da sociedade e, portanto, configura prática de falta grave que justifica a exclusão judicial do sócio, nos termos do art. 1.030 do Código Civil. A despeito da noção de falta grave consistir em conceito jurídico indeterminado, no caso, a conduta do sócio violou a integridade patrimonial da sociedade e concretizou descumprimento dos deveres de sócio, em evidente violação do contrato social e da lei, o que configura prática de falta grave, apta a justificar a exclusão de sócio.
Legitimidade do espólio para impugnar interceptações telefônicas no processo penal após extinção da punibilidade
Cinge-se a controvérsia acerca da legitimidade do espólio para contestar a validade das interceptações telefônicas em processo penal em que houve a extinção da punibilidade, sob o argumento de que impactariam negativamente o patrimônio dos herdeiros, visto que continuam a ser utilizadas em processos cíveis e administrativos relacionados à improbidade administrativa, mesmo após a extinção da punibilidade do acusado devido ao seu falecimento. Ante a morte do agente condenado e a subsequente transferência patrimonial para seus sucessores, emerge a possibilidade de que estes respondam, até o limite das forças da herança, pelas obrigações deixadas pelo de cujus. Esta prerrogativa encontra fundamento no art. 5º, XLV, da Constituição Federal e é corroborada pelo art. 1.997 do Código Civil, segundo o qual a herança se compromete ao pagamento das dívidas do falecido. Uma vez realizada a partilha, a responsabilidade recai individualmente sobre os herdeiros, proporcionalmente à parte que lhes coube, se tratando do princípio da intranscendência. Quando ocorre o falecimento do agente público infrator, a questão do ressarcimento dos danos se estende ao patrimônio por ele deixado. Conforme o art. 8º da Lei de Improbidade, as sanções pecuniárias são transmissíveis aos sucessores até o limite do valor do patrimônio transferido. Isso estabelece um marco claro: os herdeiros são responsabilizados apenas até a extensão da herança recebida, sem sofrer penalizações que superem o legado do agente falecido. Assim, os herdeiros do réu, em ações de improbidade administrativa fundamentadas nos arts. 9º ou 10 da Lei 8.429/1992, possuem legitimidade para continuar no polo passivo da demanda, limitados aos contornos da herança, com vistas ao ressarcimento e ao pagamento da multa civil correspondente, como já decidiu esta Corte Superior de Justiça. No caso, é patente que ao falecido foram atribuídas violações do art. 9º da Lei 8.429/1992, decorrentes do recebimento de vantagens patrimoniais indevidas em razão de seu cargo público, articuladas conjuntamente ao art. 3° da mesma legislação. Ressalte-se que a extinção da punibilidade do agente, embora resolva a persecução penal em seu aspecto mais imediato, não possui o poder de extinguir os efeitos civis e as obrigações indenizatórias derivadas dos atos ilícitos presumivelmente praticados. Deste modo, a responsabilidade civil, emergente de tais atos, transita indubitavelmente para os sucessores do de cujus. Nesse contexto, esta continuidade da responsabilidade civil é sustentada pelo ordenamento jurídico, que confere ao espólio a prerrogativa de prosseguir ou iniciar ações que impactem o patrimônio hereditário, nos termos do art. 110 do CPC. As decisões proferidas no contexto de ações de improbidade administrativa, que se fundamentam em provas potencialmente ilícitas, tais como interceptações telefônicas viciadas, podem ser legitimamente contestadas pelo espólio. Isso porque, a utilização de provas emprestadas que eram questionadas no âmbito do processo penal, após morte do acusado e extinção da punibilidade pelo tribunal de origem, bem como a inadmissão dos embargos de declaração opostos pelo espólio em razão do não reconhecimento da sua legitimidade, inviabiliza o devido contraditório e ampla defesa. A nulidade das provas em casos penais implica também sua invalidade em processos de improbidade administrativa. Portanto, se as provas são anuladas em um processo penal por irregularidades, como violações a direitos fundamentais, elas se tornam inutilizáveis em processos de improbidade administrativa. A Lei n. 9.296/1996, que normatiza as interceptações telefônicas, estabelece critérios rigorosos para sua realização, exigindo, sobretudo, uma ordem judicial devidamente fundamentada. Qualquer violação desses critérios pode ser contestada pelo espólio, quando essas ações influenciam diretamente o patrimônio transmitido. Conforme o art. 107, I, do Código Penal, a morte do agente extingue sua punibilidade. No entanto, isso não elimina os efeitos civis de decisões anteriores que repercutem sobre o patrimônio do espólio. Apesar de a responsabilidade penal ser extinta, os impactos patrimoniais de decisões em ações penais ou de improbidade - que se basearam em interceptações - podem continuar afetando o espólio. Isso exige uma revisão cuidadosa da aplicação da lei ao caso concreto para assegurar que não ocorram violações aos direitos sucessórios.
Cabimento de agravo de instrumento em decisão interlocutória na ação de exigir contas
Embora tenha existido, sobretudo nos primeiros anos de vigência do CPC/2015, controvérsia doutrinária e jurisprudencial sobre a natureza da decisão e o recurso cabível contra a decisão que julga a primeira fase da ação de exigir contas, se decisão parcial de mérito impugnável por agravo de instrumento ou se sentença de mérito impugnável por apelação, fato é que essa controvérsia foi definitivamente resolvida por esta Corte em sucessivos precedentes. Por ocasião do julgamento do REsp n. 1.746.337/RS, Terceira Turma, DJe 12/4/2019, concluiu-se que "o ato judicial que encerra a primeira fase da ação de exigir contas possuirá, a depender de seu conteúdo, diferentes naturezas jurídicas: se julgada procedente a primeira fase da ação de exigir contas, o ato judicial será decisão interlocutória com conteúdo de decisão parcial de mérito, impugnável por agravo de instrumento; se julgada improcedente a primeira fase da ação de exigir contas ou se extinto o processo sem a resolução de seu mérito, o ato judicial será sentença, impugnável por apelação". Contudo, o caso em julgamento é inédita nesta Corte, na medida em que aborda decisão interlocutória que encerra a primeira fase da ação de exigir contas, especialmente na hipótese de procedência parcial que permita o ingresso na segunda fase dessa ação. De todo modo, não há razão para que, nessa hipótese, adote-se uma solução distinta daquelas anteriormente fixadas por esta Corte. Assim, se a decisão interlocutória que julga procedente, total ou parcialmente, o pedido na primeira fase da ação de exigir contas possui natureza jurídica meritória, caberá agravo de instrumento.
Inexistência de crédito de PIS/Cofins-Importação ao importador por conta e ordem de terceiros
O ponto central da controvérsia cinge-se à possibilidade ou não de restituição de valores referentes ao PIS-importação e à COFINS-importação à empresa que atuou como importadora por conta e ordem de terceiros. A importação indireta, diferentemente da importação direta - em que o importador assume total responsabilidade pela operação -, envolve a participação de intermediários e pode ser dividida em duas modalidades: importação por encomenda e importação por conta e ordem de terceiro. A definição mais recente da Receita Federal sobre importação por conta e ordem de terceiros está no artigo 2º da Instrução Normativa RFB 1.861/2018, que assim dispõe: "Art. 2º Considera-se operação de importação por conta e ordem de terceiro aquela em que a pessoa jurídica importadora é contratada para promover, em seu nome, o despacho aduaneiro de importação de mercadoria de procedência estrangeira adquirida no exterior por outra pessoa, física ou jurídica". Nesse sentido, observa-se que uma empresa (importadora por conta e ordem) é contratada para viabilizar (promover ao despacho aduaneiro), em seu nome, a importação de mercadoria adquirida no exterior por outra pessoa (que assume os encargos financeiros da operação), atuando como mandatário. A legislação prevê expressamente que é o adquirente quem tem direito ao crédito de Pis-importação e de Cofins-importação, nesses casos, conforme disposto na Lei 10.865/2004, em especial no seu art. 18, nos seguintes termos: "Art. 18. No caso da importação por conta e ordem de terceiros, os créditos de que tratam os arts. 15 e 17 desta Lei serão aproveitados pelo encomendante". Ademais, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, no AgRg no REsp n. 1.573.681/SC, julgado em 3/3/2016, também já decidiu nesse mesmo sentido, afirmando que "não é possível ao importador que realizou a operação por conta e ordem do terceiro repetir o indébito do tributo pago a maior, até porque os créditos já podem ter sido utilizados pelo terceiro encomendante e, assim, não poderiam ser restituídos ao importador sob pena de dupla repetição". Dessa forma, o importador por conta e ordem de terceiros não tem legitimidade para utilizar créditos de PIS-importação e Cofins-importação, uma vez que não arca com o custo financeiro da operação.