Estupro independe de resistência física e submissão é irrelevante diante de discordância expressa

STJ
822
Direito Penal
Geral
2 min de leitura
Atualizado em 25 de novembro de 2025

Este julgado integra o

Informativo STJ 822

Tese Jurídica

A ausência de reação física enérgica ou o fato de a vítima eventualmente se submeter ao ato não excluem o crime de estupro, desde que demonstrada a expressa discordância.

Comentário Damásio

Resumo

A controvérsia reside na análise da presença dos requisitos necessários para a caracterização do crime previsto no art. 213 do Código Penal. O delito de estupro tutela a liberdade sexual de qualquer pessoa, consistente na possibilidade de escolher livremente com quem e quando manter relações sexuais. O constrangimento configurador do núcleo do tipo do crime pode se dar mediante violência ou grave ameaça. E, no caso em exame, a violência ficou configurada pelo uso de força física para vencer a resistência da vítima apresentada por meio do seu dissenso explícito e reiterado para com o coito anal. É certo que o dissenso da vítima é fundamental para a caracterização do delito. Portanto, a discordância da ofendida precisa ser capaz de demonstrar sua oposição ao ato sexual. Além disso, a concordância e o desejo inicial têm que perdurar durante toda a atividade sexual, pois a liberdade sexual pressupõe a possibilidade de interrupção do ato sexual. O consentimento anteriormente dado não significa que a outra pessoa possa obrigá-la à continuidade do ato sexual. Se um dos parceiros decide interromper a relação sexual e o outro, com violência ou grave ameaça, obriga a desistente a continuar, haverá a configuração do estupro. No caso, embora inicialmente tenha a vítima consentido com o ato sexual, no curso da relação houve a negativa concreta dela em praticar o coito anal e, mesmo assim, com expresso dissenso, e reiterados pedidos para que parasse o ato, o réu ignorou o pleito e, exercendo força física, aqui caracterizada por continuar introduzindo o pênis com força, segurar a vítima e colocar o peso do seu corpo sobre o dela, persistiu até obter o seu intento. Ou seja, o acusado, mesmo ciente da discordância expressa da vítima, continuou a relação sexual mediante uso da força física. Quanto à ausência de resistência mais severa, o dispositivo do Código Penal que tipifica o delito de estupro não exige determinado comportamento ou forma de resistência da vítima. Exige sim, implicitamente, o dissenso, o que deveria ter sido respeitado prontamente. Identifica-se aqui, semelhante ao que ocorreu no caso julgado por esta Corte (REsp n. 2.005.618/RJ), a tentativa de camuflar a discriminação contra as mulheres com a suposta necessidade de um rigoroso standart probatório, inexistente para outras modalidades de crimes, a exemplo da exigência de resistência física enérgica ou heroica, da desqualificação moral da vítima, do desvalor do depoimento da ofendida, dentre outros. Assim, o fato de a vítima não ter reagido física ou ferozmente não exclui o crime, já que houve o dissenso claro, inclusive, reiterado. Aliás, tampouco o fato de a vítima, por fim, ter se submetido ao ato, esperando terminar, afasta o crime violento perpetrado, se demonstrada a expressa discordância. A (relativa) passividade, após a internalização de que a resistência ativa não será capaz de impedir o ato, não é, por diversos fatores, incomum em delitos dessa natureza. Se as relações humanas fossem como a ciência exata da matemática ou vivêssemos em tempos passados, talvez, e ainda somente talvez, pudéssemos pensar em excluir a prática de crime tão violento por simples trocas posteriores de mensagens ou, quem sabe, pelo fato de a vítima não ter forças ou não aguentar mais resistir à brutalidade a que está sendo submetida e parar de reagir e somente torcer para que a violência chegasse logo ao fim. Mas a realidade é muito mais complexa. A conclusão pela não caracterização do delito não pode decorrer de atitudes posteriores de quem foi ofendida e que, possivelmente, ainda que de forma inconsciente, pode estar buscando mecanismos para diminuir o peso errôneo da culpa ou mesmo sobreviver mental e fisicamente à violência a que fora exposta. Por fim, o Tribunal de origem, ao desacreditar a palavra da vítima em função de seu comportamento posterior e indicar a inexistência de testemunhas presenciais, afastou-se da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, há muito consolidada, de que o depoimento da vítima, em crimes sexuais, possui especial valor probante, notadamente no caso concreto em que há inúmeros outros relatos de outras ofendidas que suportaram semelhante modus operandi .

Conteúdo Completo

A ausência de reação física enérgica ou o fato de a vítima eventualmente se submeter ao ato não excluem o crime de estupro, desde que demonstrada a expressa discordância.

Informações Gerais

Número do Processo

Segredo de Justiça V - Info 822

Tribunal

STJ

Data de Julgamento

13/08/2024

Carregando conteúdo relacionado...