Incompetência originária do STJ para autoria intelectual de homicídio por membros dos tribunais de contas
A Constituição da República (art. 105, I, a) dispõe competir ao Superior Tribunal de Justiça "processar e julgar, originariamente: a) nos crimes comuns (...) e nos de responsabilidade, (...) os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal (...)". Dita disposição constitucional, registra a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sequer pode ser alterada por força da atuação do poder constituinte derivado decorrente (ADI 4190, Rel. Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 10/3/2010). Em paralelo à discussão doutrinária sobre a natureza jurídica dos crimes de responsabilidade, indisputável é a constatação de que o Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de competir privativamente à União instituir o regramento legal relativo à tipificação e ao procedimento dos crimes de responsabilidade. Nos termos da Súmula Vinculante n. 46: "A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são de competência legislativa privativa da União". A legislação federal vigente não contempla, como conduta abstrata apta à qualificação como crime de responsabilidade de membro de Tribunal de Contas Estadual a suposta autoria intelectual de crimes de homicídio, tentado e consumados. Pelo contrário, a norma vigente destina-se, quanto a membros do Tribunal de Contas, exclusivamente aos Presidentes e substitutos, nada dispondo sobre os Conselheiros, e mesmo assim apenas em relação a comportamentos contrários às normas orçamentárias (Lei n. 1.079/50, art. 39-A, parágrafo único, c/c art. 10).
Competência das Turmas da Segunda Seção do STJ para recurso sobre título médico em cardiologia
No caso, foi impetrado mandado de segurança em face apenas da Sociedade Brasileira de Cardiologia, visando a obter o título de especialista em cardiologia (TEC) para manutenção do vínculo empregatício nos hospitais em que trabalha e que passaram a exigir referida titulação promovida pela SBC, associação civil sem fins lucrativos. A causa de pedir, conforme consta da exordial, refere-se a existência de questões da prova de especialização que, em tese, são passíveis de anulação, pois, segundo sustenta a parte, não possuem resposta correta, mais de uma resposta correta ou não estão previstas nos conteúdos da bibliografia indicada pelo edital. Nesse contexto, a controvérsia diz respeito à eventual anulação de questões de prova de título de especialista em cardiologia, de responsabilidade de pessoa jurídica de direito privado - Sociedade Brasileira de Cardiologia -, não estando em discussão eventual falha na prestação de serviço público. Com efeito, trata-se de litígio acerca de prova para obtenção de título de especialista em cardiologia, promovida pela Sociedade Brasileira de Cardiologia - que não integra a Administração Pública Direta ou Indireta -, sem a presença de qualquer ente público ou autarquia no polo passivo da demanda. Portanto, a controvérsia deve ser dirimida pelas regras de Direito Privado. É de se concluir, por conseguinte, que, em consideração à natureza prevalente da relação jurídica litigiosa, como dispõe o caput do art. 9º do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça - RISTJ, a competência para processar e julgar o recurso, que ensejou o conflito de competência, é da Segunda Seção, nos termos dos incisos III e XIV do aludido § 2º do art. 9º do RISTJ.
Obrigatoriedade de perfil genético na execução penal: nemo tenetur e falta grave
Nos termos do art. 9º-A da Lei de Execução Penal, com redação dada pela Lei n. 13.964/2019, o condenado por crime doloso praticado com violência grave contra a pessoa, bem como por crime contra a vida, contra a liberdade sexual ou por crime sexual contra vulnerável, será submetido, obrigatoriamente à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA (ácido desoxirribonucleico), por técnica adequada e indolor, por ocasião do ingresso no estabelecimento penal. Ninguém será obrigado a produzir elementos de prova contra si mesmo. Decorrente do direito ao silêncio, previsto no art. 5º, LXIII, da Constituição Federal, o referido princípio também tem sede convencional, especialmente no art. 8º, 2, g , da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), incorporado ao direito brasileiro pelo Decreto n. 678/1969. No entanto, esse direito, de enorme importância no ordenamento jurídico encontra limitações. Nesse sentido, este Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar a configuração do delito de desobediência diante de ordem de parada de policiamento ostensivo, concluiu que eventual evasão não encontra no princípio da vedação da autoincriminação compulsória uma excludente ( Tema 1060 ). Nessa linha, a vedação à autoincriminação compulsória faculta aos acusados não realizar o teste de alcoolemia, permanecer em silêncio quando convocado a depor, mesmo que na condição de testemunha, se e quando seu testemunho puder lhe incriminar, não fornecer padrões vocais ou gráficos para perícia e comparação com gravações telefônicas ou documentos obtidos em investigações. Tais precedentes demonstram que o momento em que exigida a conduta indica a incidência ou não do referido princípio. Se a conduta determinada pela Lei impele alguém a, em razão de investigação, produzir elemento contrário ao seu interesse pela liberdade, há violação da vedação à autoincriminação; mas, ausente investigação sobre suposto crime, não há falar em violação do princípio da autoincriminação. Portanto, não há falar em obrigatoriedade da produção de provas de crime ainda não ocorrido, futuro e incerto. Assim, Não havendo fato definido como crime em apuração, o fornecimento do perfil genético não configura exigência de produção de prova contra o apenado. Tal exigência prevista na lei de execução busca recrudescer o caráter de prevenção especial negativo da pena A determinação do art. 9º-A da Lei de Execução Penal não constitui violação do princípio da vedação à autoincriminação compulsória ( nemo tenetur se detegere ). A referida obrigatoriedade constitui procedimento de classificação, individualização e identificação. A identificação do perfil genético é uma ampliação da qualificação do apenado possível graças ao avanço da técnica, podendo ser utilizado como elemento de prova para elucidação de crimes futuros. Desse modo, não se vislumbra ilegalidade na determinação de fornecimento do perfil genético do reeducando, condenado pelo delito do art. 217-A do Código Penal, não sendo possível recusar o fornecimento em razão de eventual futuro e incerto cometimento de crime, constituindo falta grave a recusa, nos termos dos arts. 9-A, § 8º, e 50, VIII, da Lei de Execução Penal.
Competência ativa do ISSQN em serviços de análises clínicas no local da coleta
Cinge-se a controvérsia acerca da competência para cobrança de ISSQN sobre o serviço prestado por laboratórios de análise clínica quando o local da coleta do material a ser examinado é diverso daquele onde realizados os procedimentos laboratoriais. Relativamente ao ISSQN, a matéria era regulada pelo Decreto-Lei n. 406/1968, recepcionado com status de lei complementar, cujo art. 12 estabelecia, como regra, considerar-se local da prestação do serviço - aspecto espacial da hipótese de incidência do imposto municipal -, o do estabelecimento prestador, ou, em sua falta, o do seu domicílio, ressalvados os casos de construção civil ou de exploração rodoviária, constante do item 101 da então lista de serviços. Com o advento da Lei Complementar n. 116/2003, manteve-se a lógica segundo a qual considera-se local da prestação do serviço o da sede do estabelecimento do prestador (art. 3º, caput), sendo previstas, contudo, hipóteses distintas para as hipóteses descritas nos incisos I a XXV. No tocante aos serviços de análises clínicas, arrolados no item 4.02 da lista de serviços, incide a regra geral constante do caput do art. 3º da Lei Complementar n. 116/2003, porquanto não enquadrado entre as exceções arroladas, considerando-se, portanto, prestada a atividade no local do estabelecimento do prestador. Por sua vez, de acordo com o art. 4º da Lei Complementar n. 116/2003, para efeito de definir o local da prestação do serviço - e, por consequência, o município territorialmente competente para a instituição e cobrança do ISSQN -, o que importa é definir o local do estabelecimento do prestador, assim entendido o "lugar onde o contribuinte desenvolve a respectiva atividade, de modo permanente ou temporário, a título de unidade econômica ou profissional, independentemente da nomenclatura de agência, sucursal, filial etc". Ademais, mister consignar que, no julgamento do Tema 354/STJ e Tema 355/STJ, a Primeira Seção desta Corte fixou a seguinte tese: "O sujeito ativo da relação tributária, na vigência do DL 406/68, é o Município da sede do estabelecimento prestador (art. 12); a partir da LC 116/03, é aquele onde o serviço é efetivamente prestado, onde a relação é perfectibilizada, assim entendido o local onde se comprove haver unidade econômica ou profissional da instituição financeira com poderes decisórios suficientes à concessão e aprovação do financiamento - núcleo da operação de leasing financeiro e fato gerador do tributo". Na ocasião, a par de estabelecer-se que o âmago do contrato de arrendamento mercantil (leasing) se tem por formalizado no local da sede da instituição financeira com poderes decisórios para a conclusão do negócio jurídico, restou firmada compreensão no sentido de que, na vigência da Lei Complementar n. 116/2003, viável a instituição e cobrança de ISSQN por Município no qual constatada a existência de unidade econômica ou profissional do prestador e na qual perfectibilizada a prestação dos serviços. No entanto, inviável, para efeito de divisar o sujeito ativo do ISSQN, aplicar idêntica conclusão dos casos envolvendo contratos de leasing entabulados por instituições financeiras às hipóteses de serviços prestados por laboratórios de análises clínicas, pois presente relevante dintinguishing entre ambas as atividades. Com efeito, no tocante ao leasing, é importante destacar que as análises e formalizações documentais são realizadas de forma centralizada na sede do arrendador, dispensando a presença do arrendatário, mesmo quando os correspondentes bancários operam diretamente em regiões mais remotas do país. Por esse motivo, esta Corte fixou intelecção segundo a qual, relativamente aos serviços de arrendamento mercantil, o sujeito ativo do ISSQN é o Município onde ocorre a análise e emissão do contrato, porquanto a transação não é formalizada onde o tomador do serviço apresenta proposta de contratação do serviço financeiro, mas, em verdade, no lugar da aprovação da operação de crédito. A seu turno, o modus operandi nos laboratórios de análises clínicas é totalmente distinto, já que o tomador precisa estar no estabelecimento contratado para solicitar o serviço, realizar o pagamento ou conferir a autorização de plano de saúde, e, por fim, realizar a coleta do material orgânico, evidenciando o ato jurídico perfeito, naquele momento concretizado, sendo o laudo da análise - resultado do serviço prestado - exaurimento da relação jurídica previamente perfectibilizada. Remarque-se, outrossim, que o paciente, como regra, retira o laudo (essência do serviço) no mesmo local onde realizada a coleta, ou de modo virtual, se assim preferir, mas nunca no estabelecimento técnico unicamente dotado de equipamentos e pessoal especializados para processamento do material biológico, evidenciando, portanto, que o início e o fim da relação jurídica ocorrem no local de coleta. Desse modo, impende asseverar, para fins de identificação do sujeito ativo do ISSQN, a irrelevância de o material biológico coletado ser enviado para outro estabelecimento do mesmo grupo econômico com o intuito de realizar sua análise, porquanto o núcleo do serviço prestado ocorre efetivamente no local de coleta, pagamento e entrega de resultado. Dessarte, diferentemente das conclusões alcançadas por esta Corte no Tema n. 355 quanto ao contrato de leasing - contexto no qual o âmago da transação é concluído na sede da instituição financeira - o sujeito ativo do ISSQN é o Município onde há uma unidade econômica ou profissional capaz de coletar e entregar o resultado ao paciente, uma vez que a prestação principal é a realização da análise clínica, comprovada pelo laudo emitido.
Vedação ao reexame recursal pelo mesmo julgador no art. 252, III, CPP
O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento pacificado no sentido de que o rol de impedimentos previsto nos artigos 252 e 253, do Código de Processo Penal, é taxativo. Nessa linha de intelecção, para que se configure a hipótese de impedimento prevista no art. 252, III, do CPP, é necessário que o julgador tenha funcionado, no mesmo processo, como "juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão". Precedente: AgRg no HC 761.201/CE, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 18/10/2022. Portanto, a lei processual veda que o mesmo magistrado se debruce sobre idêntica questão, em instâncias diferentes, situação, de fato, não configurada na hipótese em que há o deslocamento da ação penal, na qual os julgadores permaneceram em sua respectiva instância. No caso, a ação tramitou inicialmente perante o Tribunal de Justiça, que então exercia competência originária, em razão de foro por prerrogativa de função, e, posteriormente, em decorrência do declínio da competência em razão de renúncia do cargo, foi remetida ao juízo de 1º Grau, responsável por prolatar a sentença que condenou o acusado. Em seguida a ação penal retornou ao Tribunal de origem, agora em virtude da competência recursal. Assim, embora, no caso, o declínio da competência para julgar a ação penal tenha ocorrido antes da prolação de sentença, não é possível afirmar que não houve pronunciamento de fato ou de direito sobre a questão pelos Desembargadores, porquanto, em razão do foro por prerrogativa de função, o Tribunal de origem foi o órgão responsável por receber a denúncia oferecida pelo Parquet e por analisar todas as medidas cautelares submetidas à cláusula de reserva de jurisdição pleiteadas em desfavor do sentenciado. Nesse contexto, caso a apelação interposta fosse efetivamente apreciada pelo mesmo órgão fracionário do Tribunal a quo , os julgadores se debruçariam sobre as mesmas questões de fato e de direito na instrução processual originária e em seu respectivo recurso, o que representaria o esvaziamento indireto do princípio do duplo grau de jurisdição. Portanto, embora a situação em exame não se subsuma direta e imediatamente ao disposto no art. 252, inciso III, do CPP, tem-se como inevitável reconhecer o impedimento dos Desembargadores que atuaram na ação inicialmente. Isso porque o julgador não deve se limitar à interpretação literal do dispositivo legal, cabendo-lhe também agregar interpretação teleológica e sistemática às normas para aquilatar o exato alcance do texto legal.