Tentativa de fuga após acidente não caracteriza dolo eventual em crimes de trânsito
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que o simples fato de o acusado encontrar-se embriagado não justifica por si só a imputação de dolo eventual. No caso, o réu foi condenado pelo Tribunal do Júri pela prática de homicídio doloso em virtude de colisão automobilística ocorrida quando se encontrava embriagado. Tem-se que a imputação sobre o dolo eventual repousa em quatro elementos centrais: (I) a embriaguez do acusado; (II) o excesso de velocidade do veículo no momento da colisão; (III) o fato de a colisão ter acontecido no acostamento; e (IV) a tentativa de fuga do réu após os fatos. Pela atuação deficiente do aparato investigativo e acusador, não se produziu a prova técnica exigida pelos artigos 158 e 159 do Código de Processo Penal para, conclusivamente e com precisão, estabelecer o local do acidente e a velocidade em que o réu trafegava na via. O Tribunal de origem, após relatar essas lacunas probatórias fundamentais, afirma que os fatos que demonstram o dolo não podem ser considerados individualmente, porque as provas indicariam globalmente o dolo eventual. Contudo, essa forma holística de raciocínio probatório ignora que, no processo penal, cada fato, cada elemento do crime precisa ter suporte específico nas provas, sendo inviável presumir a comprovação de quaisquer deles - mesmo na falta de provas específicas a seu respeito - apenas porque fazem sentido ou não divergem de outras provas já existentes. Ademais, a pretendida valoração holística da prova contraria inclusive a redação dada aos quesitos pelo juízo de origem, quando os jurados foram perguntados especificamente se o réu conduzia o carro no acostamento. Logo, seria incoerente permitir que os jurados respondessem a quesitos sobre fatos específicos, mas negar a obrigatoriedade de produção de prova para cada um deles porque o conjunto probatório, considerado como um todo, indicaria o dolo eventual. Quanto a tentativa de fuga após a colisão, é conduta posterior à consumação do crime, e por isso, obviamente, não influencia o que aconteceu antes dela. Tentar fugir do local dos fatos é uma postura reprovável (e que pode configurar um crime autônomo, tipificado no art. 305 do CTB), mas nada diz sobre o elemento subjetivo na conduta anterior do acusado, quando da colisão. Dessa forma, o único fato efetivamente comprovado, que é a embriaguez do acusado, é por si só insuficiente para comprovar o dolo em sua conduta.
Arbitramento proporcional dos honorários sucumbenciais na exclusão de litisconsorte em litisconsórcio
Quanto aos honorários, salienta-se, de início, que os limites (de 10 a 20%) estabelecidos pelo artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil (CPC/2015) devem ser atendidos pela sucumbência global da demanda e não em relação à cada parte vencedora/vencida. Assim, havendo exclusão de apenas um dos litisconsortes da lide, a fixação da verba pode ocorrer em patamar inferior ao limite mínimo (10%), pois deve ocorrer de forma proporcional à "parcela" da demanda julgada. Em semelhante sentido, o Enunciado n. 5 da I Jornada de Direito Processual Civil, realizada pelo CJF: "ao proferir decisão parcial de mérito ou decisão parcial fundada no art. 485 do CPC, condenar-se-á proporcionalmente o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor, nos termos do art. 85 do CPC". Ressalta-se que a fixação de honorários de forma proporcional ocorre tanto quando há multiplicidade de réus (ou de autores), como quando há julgamento parcial da demanda. A mesma premissa jurídica pode ser verificada no julgamento de recurso repetitivo pela Primeira Seção do STJ, em que se firmou entendimento no sentido de que: "observado o princípio da causalidade, é cabível a fixação de honorários advocatícios, em exceção de pré-executividade, quando o sócio é excluído do polo passivo da execução fiscal, que não é extinta" (Tema 961). Dessa forma, na hipótese de exclusão de apenas um dos litisconsortes da lide, o juiz não está obrigado a fixar, em seu benefício, honorários advocatícios sucumbenciais mínimos de 10% sobre o valor da causa - devendo a verba ser arbitrada de forma proporcional.
Ônus da prova das excludentes de cobertura pela seguradora em ações indenizatórias securitárias
Estabelece art. 757 do Código Civil que, "pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados". A partir da regra de distribuição estática do ônus da prova, estabelece o art. 373 do Código de Processo Civil que o ônus probatório incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; e II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Diante de demanda de indenização securitária em que não há partes vulneráveis ou hipossuficientes e que não incidem peculiaridades relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário (§§ 1º ou 3º do art. 373 do CPC) deve-se aplicar a regra geral de distribuição estática do ônus da prova. Como consequência, compete ao autor demonstrar os fatos constitutivos do seu direito à indenização securitária, comprovando a contratação do seguro, o pagamento regular do prêmio e a ocorrência do evento que implicou na perda total do equipamento. Por outro lado, o réu tem o ônus de comprovar as circunstâncias modificativas ou extintivas do direito autoral, demonstrando porque aquele evento ou bem que o autor entende como legitimamente segurado não está abrangido pela cobertura. Isso porque, na seara das cláusulas excludentes de cobertura, também deve-se observar a atuação dos contratantes de acordo com a boa-fé na elaboração e interpretação das cláusulas, afastando-se cláusulas contraditórias e evitando-se interpretações que gerem violação à legítima expectativa do segurado (arts. 757 e 765 do CC).
Sanções de improbidade administrativa aplicáveis a particulares e agentes públicos
A controvérsia versa sobre a possibilidade de aplicação das sanções de "suspensão dos direitos políticos" ou "proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios" aos particulares que tenham praticado o ato ímprobo em conjunto com o agente público. Antes das alterações promovidas na Lei de Improbidade Administrativa, o art. 12, II, dispunha que, independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, o responsável pelo ato ímprobo estaria sujeito às sanções de: "suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos [...]." Observa-se que a norma não divisa a fixação das sanções de "suspensão dos direitos políticos" ou "proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios" entre os agentes públicos e os particulares que tenham praticado o ato ímprobo, podendo tais penalidades, portanto, ser aplicadas a ambos (ao agente público e ao particular). Aliás, a suspensão dos direitos políticos dos particulares não seria inócua, pois ela "atinge a capacidade eleitoral ativa (ius suffragii) e a passiva (ius honorum) e está indelevelmente atrelada aos efeitos da decisão judicial de condenação por ato de improbidade administrativa" (STF, ARE 744034 AgR, Relator: Gilmar Mendes, Segunda Turma). Isto é, ainda que a suspensão dos direitos políticos não produzisse efeito na capacidade dos particulares de serem votados ou de perderem mandatos, impactaria, no mínimo, na possibilidade daqueles (particulares) de exercerem o direito de voto. Além do mais, não se pode excluir a possibilidade de os réus, que atualmente não exercem cargo eletivo, possam novamente se interessar pelo ingresso na vida política, situação em relação à qual a suspensão dos direitos políticos também produziria efeitos concretos. Este último raciocínio se aplica de modo semelhante à sanção de proibição de "contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios", pois, embora os agentes públicos na época da decisão não desempenhassem a atividade empresarial, nada impediria que, se não fossem os efeitos da sanção, passassem a desempenhá-la no futuro. Desse modo, as sanções de "suspensão dos direitos políticos" ou "proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios" são passíveis de aplicação aos particulares que praticarem ato ímprobo.
Interpretação literal restringe suspensão de PIS/COFINS a vendas para pessoas jurídicas não alcançando pessoas físicas
No caso, foi ajuizada ação ordinária com vistas à declaração de inexistência de relação jurídica obrigando o recolhimento de contribuição ao Programa de Integração Social - PIS e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS sobre a receita bruta da venda de frango no atacado a comerciantes revendedores, independentemente de estes estarem formalizados como pessoas jurídicas ou de autuarem como comerciantes individuais ou produtores pessoas físicas, à luz da suspensão prevista no art. 54 da Lei n. 12.350/2010. Com efeito, da interpretação literal da norma em análise, imposta aos casos de concessão de benefícios fiscais (art. 111, I, do Código Tributário Nacional - CTN), constata-se que a determinação de suspensão do pagamento da contribuição ao PIS e da COFINS restringe-se às operações de vendas efetuadas a pessoas jurídicas que produzam as mercadorias supramencionadas. A pretexto de violação ao art. 126, III, do CTN; e art. 150, § 1º, II, do Decreto n. 3.000/1999, na presente demanda também foi requerido que o benefício fiscal alcançasse também as vendas efetuadas a pessoas físicas. Os artigos citados, contudo, não autorizam a equiparação indiscriminada entre pessoas físicas e jurídicas para fins tributários. Quanto ao primeiro dispositivo legal indicado, ao prever a desvinculação da capacidade tributária passiva da constituição regular das pessoas jurídicas, o CTN quis impedir que sociedades de fato ou irregularmente constituídas se esquivem das obrigações tributárias, evitando fraudes e evasão fiscal. Quanto a segunda norma apontada, a legislação do imposto de renda também não ampara a tese da parte, uma vez que próprio dispositivo de lei invocado restringe os efeitos da equiparação ao tributo ali regulamentado. Sendo assim, considerando a impossibilidade de interpretação extensiva do art. 54 da Lei n. 12.350/2010, não há como acolher a pretensão para assegurar ao contribuinte o direito à suspensão do pagamento das contribuições ao PIS e da COFINS nas vendas efetuadas a pessoas físicas. Ademais, a norma que previu o benefício fiscal em questão, quando quis suspender também o recolhimento do tributo para as vendas realizadas às pessoas físicas, o fez expressamente, como na hipótese do inciso I, em que tratou dos benefícios para venda de insumos de origem vegetal.