Competência da Justiça Federal em crime ambiental no mar territorial exige impacto regional ou nacional
De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o interesse da União que enseja o deslocamento da competência para a Justiça Federal para o julgamento de crime ambiental se caracteriza quando a área de preservação for criada por decreto federal. No caso, o Parque Estadual Marinho da Laje de Santos é uma unidade de conservação criada pelo Estado de São Paulo, por meio do Decreto Estadual n. 37.537/1993, o que atrai a competência da Justiça Estadual para o julgamento do feito. Além disso, quanto à espécie de peixe apreendida, o Tribunal de origem consignou que o peixe "Cioba" não consta na lista de espécies ameaçadas de extinção da Portaria MMA n. 445/2014, o que afasta o interesse da União sob tal fundamento. Ademais, conforme também destacou o Tribunal a quo , os danos ambientais afetaram apenas a localidade em que a infração foi verificada, não havendo notícia de dano regional ou nacional aptos a vulnerar os interesses da União. Com efeito, a simples localização do crime em mar territorial, bem pertencente à União, não atrai, por si só, a competência da Justiça Federal, sendo necessária a demonstração de que o dano ambiental gerou reflexos em âmbito regional ou nacional, o que não ocorreu no caso concreto.
Cabimento da recuperação judicial para cooperativas médicas após a Lei 14.112/2020
Cinge-se a controvérsia em saber se as cooperativas médicas podem se submeter ao regime de recuperação judicial, conforme a alteração promovida pela Lei n. 14.112/2020 na Lei n. 11.101/2005. Registra-se que não há, na hipótese, antinomia (conflito aparente) entre regras jurídicas. A Lei n. 5.764/1971 é norma geral que define, de forma ampla, a política nacional de cooperativismo. Por sua vez, a Lei n. 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Falências ) estabelece um regime jurídico especial para as sociedades que desenvolvem atividades empresariais e enfrentam dificuldades financeiras, com o objetivo de manter a viabilidade econômica delas, para, assim, superar a crise econômica. Sendo certo que o regramento e a aplicação da Lei de Recuperação Judicial e Falências - LRJF, por expressa dicção legal (art. 2º), são excepcionados em apenas duas hipóteses literais. E no caso, observa-se claramente do texto legal que as cooperativas médicas não estão nominalmente excluídas do regime recuperacional, visto que a exceção contida no art. 4º da Lei n. 5.764/1971 afasta tão-somente a possibilidade de decretação de falência. Mesmo nesse particular, relativo à vedação de sua submissão ao regime falimentar, é importante que ao intérprete não é dado realizar uma análise recortada da lei, visto que, conforme o método do diálogo das fontes, há de ser compreendido o sentido sistêmico da legislação em exame, porquanto o ordenamento jurídico é harmônico entre si. Assim, verifica-se que o artigo 6º, § 13, da Lei n. 11.101/2005, é particularmente relevante ao afirmar que as sociedades cooperativas médicas estão sujeitas ao disposto na lei em foco. Esse dispositivo, incluído pela Lei n. 14.112 de 2020, dispõe apenas sobre os efeitos da recuperação judicial em relação aos contratos e às obrigações decorrentes dos atos cooperativos praticados pelas sociedades cooperativas em relação aos seus cooperados. E, na parte final do § 13, excepciona da vedação ao regime da recuperação judicial, a cooperativa médica operadora de plano de assistência à saúde. A inclusão expressa das sociedades cooperativas no âmbito da Lei n. 11.101/2005, demonstra que o legislador reconheceu a importância de garantir a essas entidades a possibilidade de reestruturação financeira por meio da recuperação judicial. Esse entendimento é reforçado pelo fato de que as cooperativas médicas desempenham um papel social relevante, contribuindo para o acesso à saúde e para a sustentabilidade do sistema de saúde como um todo. É importante dizer que a redação final do art. 6º, § 13, da Lei n. 11.101/2005, foi objeto de análise, em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, ADI 7442/DF, em que foi declarada a constitucionalidade da inclusão das cooperativas médicas no regime de recuperação judicial, reforçando a legitimidade dessas entidades para requerer tal benefício.
Dever de motivação específica na recusa por sigilo de acesso a informações públicas
Cinge-se a controvérsia em saber se a negativa de acesso a informações do livro de portaria de unidade prisional, documento classificado como sigiloso (acesso restrito), viola o direito líquido e certo do impetrante de obter informações públicas. A administração pública encontra-se vinculada ao princípio da publicidade, o qual determina que seus atos serão amplamente divulgados, permitindo seu conhecimento pela coletividade e viabilizando o controle por parte dos interessados, conforme disposto no art. 37, caput , da Constituição Federal. Nesse sentido, a regra geral imposta ao Poder Público é a publicidade de seus atos, devendo o sigilo ser tratado como exceção (art. 3º, I, da Lei de Acesso à Informação - Lei n. 12.527/2011), e somente admissível nos casos expressamente autorizados por lei. Assim, diante da presunção de publicidade dos atos administrativos, não se admite, como regra, a negativa de acesso a informações, salvo nas hipóteses excepcionais legalmente previstas, especialmente quando relacionadas à proteção da segurança ou à privacidade/intimidade das pessoas. Nos termos do que dispõe o art. 6º da Lei de Acesso à Informação (LAI), incumbe aos órgãos e às entidades da administração pública, com observância das normas e dos procedimentos legais pertinentes, garantir a proteção das informações classificadas como sigilosas e daquelas de natureza pessoal, proteção essa que deve assegurar não apenas a restrição de acesso mas também a preservação da disponibilidade, da autenticidade e da integridade desses dados, de modo a resguardar o interesse público envolvido. Seguindo esse raciocínio, a própria Lei de Acesso à Informação prevê expressamente três categorias distintas de restrição ao acesso informacional, quais sejam, (1) dados cujo sigilo decorre de imposição legal, conforme disposto no art. 22; (2) informações de natureza pessoal, nos termos do art. 31; e (3) informações classificadas como sigilosas segundo o procedimento formal previsto no art. 23 da referida norma. Diante desse cenário, a administração pública, ao classificar informações como sigilosas, deve observar estritamente os critérios legais, assegurando o equilíbrio entre a necessária transparência dos atos administrativos e a proteção legítima do segredo informacional. O livro de portaria de unidade prisional é um documento em que são registradas informações sobre pessoas, rotinas e ocorrências no respectivo setor, que, por sua vez, é notoriamente um local sensível e estratégico para a segurança de cada unidade prisional e da população em geral. No caso, a negativa de acesso foi fundamentada na presença de dados sigilosos e sensíveis, cuja divulgação pode comprometer a segurança da unidade prisional, das pessoas e da sociedade em geral. Dessa forma, depreende-se que, diante do pedido de acesso formulado pela parte, o agente público verificou a viabilidade da prestação de informações e, nos termos da Lei de Acesso à Informação, identificou o caráter sigiloso da informação, respondendo mediante decisão fundamentada, negou o pedido de acesso e classificou o sigilo, não incorrendo, pois, em ilegalidade.
Nulidade por negar acesso aos autos do inquérito antes da resposta independentemente de prejuízo
A questão consiste em saber se a falta de acesso da defesa aos elementos de prova colhidos na fase inquisitiva, antes do início da instrução criminal, configura nulidade processual, em razão de prejuízo à capacidade defensiva do réu. Sobre o tema, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se firmou no sentido de que a declaração de nulidade exige a comprovação de prejuízo, em consonância com o princípio pas de nullité sans grie f, consagrado no art. 563 do Código de Processo Penal. No caso, a defesa postulou o acesso a todo o material desde o início da ação penal, mas ele só foi disponibilizado antes da apresentação das alegações finais, tendo os elementos de prova permanecido inacessíveis até então, daí porque o réu apontou a existência de prejuízo na elaboração da resposta à acusação. Nota-se que o prejuízo à defesa é evidente, na medida em que, ao não lhe ter sido franqueado o exame, antes do início da instrução criminal dos dados colhidos na fase inquisitiva, mesmo tendo sido requerido o referido acesso, reduziu-se a capacidade defensiva de refutar a acusação e produzir contraprova, em evidente ofensa à paridade entre os sujeitos do processo. Com efeito, a resposta à acusação apresentada não pode ser considerada adequada aos interesses do réu, se não foi dado acesso à íntegra dos documentos que subsidiaram a acusação e que poderiam influenciar, inclusive, no rol de testemunhas ou nas provas a serem requeridas ou, ainda, na apresentação de documentação que pudesse contribuir à defesa. Nesse contexto, o feito é nulo desde a decisão que recebeu a denúncia, a fim de oportunizar à defesa a apresentação da resposta à acusação à luz dos elementos de prova agora disponíveis.
Nulidade do júri por uso de celular por jurado durante os debates
Cinge-se a controvérsia sobre a validade do julgamento pelo Tribunal do Júri em que um dos jurados utilizou aparelho celular durante a tréplica da defesa, circunstância que levou o Tribunal de origem a reconhecer a nulidade do feito por quebra da incomunicabilidade. No caso, a defesa registrou imediatamente seu inconformismo, fazendo constar na ata de julgamento que: "Pela defesa, foi requerida a dissolução do Conselho de Sentença, ao fundamento que houve ofensa à incomunicabilidade dos jurados, na medida em que um dos jurados, segundo imagem captada pelo advogado, estaria a manusear o celular durante a sustentação em plenário da defesa (tréplica)". No que tange à necessidade de demonstração de prejuízo, embora seja regra geral no processo penal (art. 563 do CPP), a jurisprudência tem reconhecido que, em determinadas hipóteses, o prejuízo é presumido. Ora, a filmagem realizada pela defesa constitui prova robusta da quebra da incomunicabilidade, não se tratando de mera alegação defensiva ou nulidade de algibeira. A incomunicabilidade dos jurados constitui garantia fundamental do Tribunal do Júri, diretamente relacionada à imparcialidade e à independência dos julgadores leigos, sendo o prejuízo presumido em casos de violação. Como pontuou o Tribunal a quo , o jurado utilizou o aparelho celular "em momento significativo, em que as partes buscavam convencer os jurados acerca da procedência de suas razões". O uso do telefone durante a tréplica da defesa evidencia não apenas possível comunicação externa, mas também desatenção a momento crucial dos debates, comprometendo a própria plenitude de defesa, garantia constitucional do Tribunal do Júri. Ademais, é impossível aferir com precisão o conteúdo das eventuais comunicações realizadas pelo jurado através do celular, sendo razoável presumir que o acesso à internet ou a aplicativos de mensagens durante o julgamento pode ter influenciado sua convicção. A incomunicabilidade visa justamente preservar a formação do convencimento dos jurados com base exclusivamente nos elementos apresentados em plenário. Por fim, embora a ata da sessão não registre manifestações sobre quebra de incomunicabilidade durante o julgamento, tal circunstância não invalida a prova videográfica produzida pela defesa, que demonstra de forma inequívoca o uso prolongado do celular pelo jurado durante o momento dos debates.