Imposição judicial à Administração de construir Casa do Albergado com tutela estrutural dialógica

STJ
860
Direito Administrativo
Direito Constitucional
Geral
2 min de leitura
Atualizado em 27 de novembro de 2025

Este julgado integra o

Informativo STJ 860

Tese Jurídica

É possível impor à Administração Pública a obrigação de construir a Casa do Albergado, desde que consideradas alternativas menos onerosas e mais eficazes. A decisão judicial deve se basear em normas concretas, avaliar as consequências práticas e propor um plano dialógico para solucionar o dano estrutural.

Comentário Damásio

Resumo

A questão em discussão consiste em saber se é possível impor a Estado-membro da federação a obrigação de construir uma casa de albergado, considerando a possibilidade de alternativas menos onerosas e mais eficazes para a Administração Pública. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 592.581/RS, Tema de Repercussão Geral n. 220, fixou a seguinte tese: "É lícito ao Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do que preceitua o art. 5º, XLIX, da Constituição Federal, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos poderes". Sob esse prisma, é possível que o Poder Judiciário imponha a realização de medidas concretas a fim de dar eficácia aos direitos fundamentais, que não são meras recomendações de caráter moral ou ético, mas consubstanciam regras jurídicas de caráter prescritivo. Dessa forma, não se trata da implementação direta, pelo Judiciário, de políticas públicas, amparadas em normas programáticas, em alegada ofensa ao princípio da reserva do possível, mas sim do cumprimento de obrigação elementar do Poder Judiciário, qual seja, o de dar concreção aos direitos fundamentais, abrigados em normas constitucionais, ordinárias, regulamentares e internacionais. Diante dessas considerações, vê-se que o entendimento adotado pelo pelo Tribunal de origem foi correto ao reconhecer a necessidade de o Estado construir a Casa do Albergado. Entretanto, importante destacar que aquele entendimento vinculante firmado pelo Supremo Tribunal Federal deve ser concretizado mediante prudente análise do caso concreto, até mesmo porque o julgado expressamente consignou não ser lícito ao Poder Judiciário implementar políticas públicas de forma ampla ou impor sua própria convicção política, quando há várias possíveis e a maioria escolheu uma determinada. Imprescindível deixar claro que se busca elucidar a interpretação da legislação infraconstitucional (arts. 20, 22 e 23 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB) em conformidade com a aplicação da Constituição da República já estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal no Tema de Repercussão Geral n. 220. Desse modo, tratando-se de uma lei de interpretação, a LINDB estabelece balizas para a atuação do agente público, tanto na esfera administrativa como na controladora e na judicial, relatando as posições dos interessados e fundamentando tecnicamente a conclusão, assim como levando em consideração as alternativas passíveis de serem implementadas e a motivação pela escolha da que entende como a melhor solução. Verifica-se que os dispositivos da legislação federal podem, ou devem, auxiliar as autoridades públicas administrativas, controladoras e judiciais na solução de problemas jurídicos estruturais, interpretando as normas sobre gestão pública, ponderando os obstáculos, as dificuldades reais do agente público e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados, conforme prevê o art. 8º do Decreto n. 9.830/2019, que regulamentou os arts. 20 a 30 da LINDB. Nesse ponto, oportuno enfatizar que o problema estrutural pode ser definido como uma situação contínua e estruturada de desconformidade e de não adequação a um estado de coisa ideal (não necessariamente ilícito), geralmente podendo ser decomposto em uma multiplicidade de problemas jurídicos específicos, mas que precisam, para sua solução, de uma reestruturação. Assim sendo, deve-se ter em mente que esse estado de desconformidade é definido não somente pela ausência de lei, mas também pela inexistência de estrutura apta a tornar realidade os comandos legais, acarretando a insuficiência da atuação da norma de direitos fundamentais e cuja concretização se impõe. Essa situação de inexistência de norma e de estrutura adequadas para a concretização de direitos constitucionais é verificada de forma reiterada no ordenamento pátrio, na qual os poderes representativos não demonstram capacidade institucional nem vontade política para revertê-la, configurando um quadro de falhas estruturais, exatamente como nos casos que debatem melhorias no sistema carcerário. Após o reconhecimento da violação ao direito, a segunda etapa do procedimento estrutural poderá ser iniciada com o diálogo entre os atores que devam estar envolvidos a fim de definir, por exemplo, o prazo para implementação das medidas, até mesmo porque, em regra, a reestruturação desse estado de desconformidade demanda um tempo considerável, nada impedindo que tutelas de urgência possam ser concedidas para o atendimento de necessidades mais prementes. Por fim, reafirme-se a necessidade de ser estabelecido um regime de transição, conforme prevê o art. 23 da LINDB, a fim de evitar uma ruptura repentina de uma situação até então consolidada ou estabilizada (ainda que inconstitucional ou ilegal) e suavizar a adaptação a uma nova realidade, abrindo o processo à participação de terceiros, até mesmo como forma de assegurar sua legitimidade democrática. Estabelecidas tais premissas, passa-se à sua aplicação ao caso. De acordo com os arts. 93 a 95 da Lei n. 7.210/1984 (Lei de Execução Penal - LEP), a casa de albergado é a base física destinada ao cumprimento de pena privativa de liberdade no regime aberto e da pena de limitação de final de semana, situada em centro urbano e separada dos demais estabelecimentos. Ela exerce papel fundamental para o alcance das finalidades da pena, que não é somente a de punir (prevenção geral), mas também a de prevenir o crime (prevenção especial negativa) e de promover a reintegração social do condenado (prevenção especial positiva). Por conseguinte, não há dúvidas de que a norma jurídica de conteúdo aberto a ser fixada no caso é no sentido de condenar o Estado à promoção de políticas públicas capazes de cumprir as funções da pena, sobretudo quanto à ressocialização dos presos. Contudo, deve-se primeiro perquirir se a construção da Casa do Albergado é a única solução para o caso ou se há outras alternativas capazes de resolver o dano estrutural que sejam mais vantajosas para a Administração Pública e se alcance resultado semelhante para os condenados, da mesma forma que seria o cumprimento da pena privativa de liberdade em regime aberto. De outro lado, é assente na jurisprudência pátria que, em caso de inexistir casa de albergado, pode ser permitido o cumprimento da pena mediante o monitoramento eletrônico e o estabelecimento de medidas como o recolhimento noturno, proibição de frequentar determinados locais e comparecimento periódico em juízo. Desse modo, caberá ao Juízo a quo , no cumprimento de sentença, estabelecer provimentos em cascata, mediante a elaboração de um plano pelo Estado, em diálogo com as autoridades públicas e atores da sociedade que tenham interesse na resolução do dano estrutural, com a indicação dos problemas a serem enfrentados; os recursos necessários e disponíveis para sua execução (físicos, financeiros, humanos); e as atividades diretas e indiretas necessárias para a execução da política. Todavia, caso a implementação de outras alternativas à construção da casa do albergado não seja possível ou insuficiente, deverá ser determinada a elaboração de um plano para sua construção, dado que não haverá outra alternativa capaz de suprir a falha estrutural já reconhecida. Diante dessas considerações, mostra-se oportuna a fixação de prazo para que as partes e os demais atores sociais promovam a elaboração e implementação do aludido plano para que haja uma solução mais concreta do dano, eliminando-se qualquer alegação de que o comando seria demasiadamente abstrato, de maneira que parece razoável estabelecer o prazo de até 12 (doze) meses, partir da publicação deste acórdão.

Conteúdo Completo

É possível impor à Administração Pública a obrigação de construir a Casa do Albergado, desde que consideradas alternativas menos onerosas e mais eficazes. A decisão judicial deve se basear em normas concretas, avaliar as consequências práticas e propor um plano dialógico para solucionar o dano estrutural.

Informações Gerais

Número do Processo

REsp 2.148.895-PR

Tribunal

STJ

Data de Julgamento

12/08/2025

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