Este julgado integra o
Informativo STF nº 915
Comentário Damásio
Conteúdo Completo
A Primeira Turma, por maioria, rejeitou denúncia apresentada contra deputado federal, por suposta prática do delito tipificado no art. 20, caput (1), da Lei 7.716/1989, por duas vezes, na forma do art. 70 (2) do Código Penal (CP). De acordo com a peça acusatória, o parlamentar, durante palestra, teria se manifestado, de modo negativo e discriminatório, sobre quilombolas, indígenas, refugiados, mulheres e LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros) (Informativo 913). O colegiado entendeu não configurado o conteúdo discriminatório das declarações do acusado, as quais, além de se inserirem na liberdade de expressão prevista no art. 5º, IV (3), da Constituição Federal (CF), estão cobertas pela imunidade parlamentar, a que se refere o art. 53, da CF (4). Observou que a narrativa contém a exposição de fato supostamente delitivo e das circunstâncias alusivas à prática. Foram individualizados os comportamentos imputados a título de ofensas dirigidas contra quilombolas e estrangeiros, estabelecendo-se vínculo de causalidade no tocante ao acusado, e especificadas as falas tidas como caracterizadoras do tipo penal. Asseverou que, consoante se depreende do discurso proferido pelo acusado em relação a comunidades quilombolas, as afirmações, embora consubstanciem entendimento de diferenciação e até de superioridade, são desprovidas da finalidade de repressão, dominação, supressão ou eliminação. Assim, por não se investirem de caráter discriminatório, são incapazes de caracterizar o crime previsto no art. 20, caput, da Lei 7.716/1989. Considerou que os pronunciamentos do parlamentar contidos na peça acusatória estão vinculados ao contexto de demarcação e proveito econômico das terras e configuram manifestação política que não extrapola os limites da liberdade de expressão. Não se pode confundir o interesse na extinção ou diminuição de reservas indígenas ou quilombolas com a supressão e eliminação dessas minorias. Ademais, o emprego, no discurso, do termo arroba não consiste em ato de desumanização dos quilombolas, no sentido de comparação a animais, mas forma de expressão – de toda infeliz –, evocada a fim de enfatizar estar um cidadão específico do grupo acima do peso considerado normal. Quanto à incitação a comportamento xenofóbico, reputou insubsistentes as premissas apresentadas pela acusação. O delito é de perigo abstrato, cuja tipicidade há de ser materializada teleologicamente. Embora não se exija que do discurso dito incitador sobrevenha a efetiva prática de atos discriminatórios, é imprescindível a aptidão material do teor das falas a desencadeá-los. No caso, as afirmações do denunciado se situam no âmbito da crítica à política de imigração adotada pelo Governo e não revelam conteúdo discriminatório ou passível de incitar pensamentos e condutas xenofóbicas pelo público ouvinte. O próprio acusado diz não fazer distinção quanto à origem estrangeira do imigrante. A crítica também se insere na liberdade de manifestação de pensamento, insuscetível, portanto, de configurar crime. Observou, por fim, que o convite referente à palestra se deu em razão do exercício do cargo de deputado federal ocupado pelo acusado, a fim de proceder à exposição de visão geopolítica e econômica do País. A Turma reconheceu a vinculação das manifestações apresentadas na palestra com pronunciamentos do parlamentar na Câmara dos Deputados. Concluiu que, comprovado o nexo de causalidade entre o que veiculado e o mandato, tem-se a imunidade parlamentar. As declarações, ainda que dadas fora das dependências do Congresso Nacional e, eventualmente, sujeitas a censura moral, quando retratam o exercício do cargo eletivo, a atuação do congressista, estão cobertas pela imunidade parlamentar e implicam na exclusão da tipicidade. Vencido o ministro Roberto Barroso, que recebeu a denúncia, em parte, quanto aos pronunciamentos sobre quilombolas, afrodescendentes, e sobre homossexuais, enquadrando-os nos delitos previstos, respectivamente, no art. 20 da Lei 7.716/1989 e de incitação ao crime e apologia de crime, constantes dos artigos 286 e 287 (5) do CP. Vencida a ministra Rosa Weber que, ao retificar o voto precedente, acompanhou a divergência apenas quanto às declarações referentes aos quilombolas.
Legislação Aplicável
Lei 7.716/1989 (Lei do Crime Racial), art. 20, "caput"; CP/1940, art. 70, art. 286, art. 287; CF/1988, art. 5º, IV, art. 53
Informações Gerais
Número do Processo
4694
Tribunal
STF
Data de Julgamento
11/09/2018