Dupla persecução penal em âmbito internacional

STF
959
Direito Penal
Geral
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Atualizado em 14 de novembro de 2025

Este julgado integra o

Informativo STF 959

Comentário Damásio

Conteúdo Completo

A Segunda Turma concedeu a ordem em habeas corpus para determinar o trancamento de ação penal movida contra o paciente, denunciado pela suposta prática do crime de lavagem de capitais, em razão de haver transferido dinheiro oriundo de tráfico de drogas da Suíça para o Brasil, utilizando-se de contrato de fachada para dar aparência de licitude aos ativos em solo brasileiro.

No caso, o paciente já teria sido processado e julgado na Suíça pelos mesmos fatos, o que culminou em condenação transitada em julgado e cômputo de período de encarceramento de caráter preventivo como execução antecipada da pena naquele Estado.

De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, o fato de o crime também ter sido cometido no Brasil, uma vez que a execução e os efeitos da lavagem de dinheiro ocorreram em território nacional, permite a persecução penal pela justiça brasileira, independentemente de outra condenação no exterior. Dessa forma, adota-se o princípio da territorialidade, nos termos do art. 5º do Código Penal (CP) (1), segundo o qual aplica-se a lei brasileira a qualquer crime cometido no Brasil.

Inicialmente, a Turma reconheceu que os fatos apreciados pela justiça brasileira são coincidentes com os já analisados pelo Estado suíço.

Ademais, apontou que a redação do art. 5º do CP contém a ressalva de que devem ser observados convenções, tratados e regras de direito internacional. Desse modo, deve-se cotejar a redação dos arts. 5º, 6º e 8º do CP (2) com o que dispõe a Lei 13.445/2017 (Lei de Migração), a qual elenca o rol de casos em que o Estado brasileiro não concede extradição, notadamente o disposto no art. 82, V (3). O art, 100, caput, (4) do mesmo diploma legal exige a observância do princípio do ne bis in idem.

A proteção ao indivíduo selada por esses dispositivos é muito cara ao direito brasileiro. Revela-se evidente garantia contra nova persecução penal pelos mesmos fatos, de modo a se consagrar a proibição de dupla persecução penal também entre países, no âmbito internacional.

Por outro lado, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), assentou-se o status normativo supralegal aos tratados internacionais de direitos humanos, ou seja, abaixo da Constituição, mas acima das leis infraconstitucionais.

Portanto, consagrou-se que o controle de convencionalidade pode ser realizado sobre as leis infraconstitucionais. Assim, o CP deve ser aplicado em conformidade com os direitos assegurados na Convenção Americana de Direitos Humanos e com o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.

Em relação à proibição de dupla persecução penal, tais diplomas o fazem de forma expressa (CADH, art. 8.4; PIDCP, art. 14.7) (5).

O STF já teve a oportunidade de se manifestar a respeito dessas regras, e, ao fazê-lo obstou o prosseguimento de processo penal quanto a fatos já julgados por jurisdição diversa (Ext 1.223).

Assim, o exercício do controle de convencionalidade, tendo por paradigmas os dispositivos do art. 14.7, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e do art. 8.4, da Convenção Americana de Direitos Humanos, determina a vedação à dupla persecução penal, ainda que em jurisdições de países distintos.

Por sua vez, o art. 8º do CP deve ser lido em conformidade com os preceitos convencionais e a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), vedando-se a dupla persecução penal por idênticos fatos.

Por fim, a vedação à dupla persecução penal em âmbito internacional deve ser ponderada com a soberania dos Estados e com as obrigações processuais positivas impostas pela CIDH.

Em casos de violação de tais deveres de investigação e persecução efetiva, o julgamento em país estrangeiro pode ser considerado ilegítimo, como em precedentes em que a própria CIDH determinou a reabertura de investigações em processos de Estados que não verificaram devidamente situações de violações de direitos humanos.

Portanto, se houver a devida comprovação de que o julgamento em outro país sobre os mesmos fatos não se realizou de modo justo e legítimo, desrespeitando obrigações processuais positivas, a vedação de dupla persecução pode ser eventualmente ponderada para complementação em persecução interna.

Contudo, neste caso concreto, não há qualquer elemento que indique dúvida sobre a legitimidade da persecução penal e da punição imposta em processo penal na Suíça por idênticos fatos ao agora denunciado no Brasil. Dessa forma, a proibição de dupla persecução deve ser respeitada de modo integral, nos termos constitucionais e convencionais.

(1) CP: “Art. 5º. Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.” 
(2) CP: “Art. 6º. Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. Art. 8º. A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas.”
(3) Lei 13.445/2017: “Art. 82. Não se concederá a extradição quando: (...) V – o extraditando estiver respondendo a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido;”
(4) Lei 13.445/2017: “Art. 100. Nas hipóteses em que couber solicitação de extradição executória, a autoridade competente poderá solicitar ou autorizar a transferência de execução da pena, desde que observado o princípio do non bis in idem.”
(5) CADH, art. 8.4: “O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos”; PIDCP, art. 14.7: “Ninguém poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi absolvido ou condenado por sentença passada em julgado, em conformidade com a lei e os procedimentos penais de cada país”.

Legislação Aplicável

CP, arts. 5º, 6º e 8º;
Lei 13.445/2017, art. 82, V;
Lei 13.445/2017, art. 100;
Convenção Americana de Direitos Humanos, art. 8.4;
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, art. 14.7

Informações Gerais

Número do Processo

171118

Tribunal

STF

Data de Julgamento

12/11/2019

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