Serviços de telecomunicações: criação da ANATEL e competências do órgão regulador

STF
1007
Direito Administrativo
Geral
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Atualizado em 14 de novembro de 2025

Este julgado integra o

Informativo STF 1007

Comentário Damásio

Resumo

A competência atribuída ao chefe do Poder Executivo para expedir decreto em ordem a instituir ou eliminar a prestação do serviço em regime público, em concomitância ou não com a prestação no regime privado, aprovar o plano geral de outorgas do serviço em regime público e o plano de metas de universalização do serviço prestado em regime público está em perfeita consonância com o poder regulamentar previsto no art. 84, IV, parte final, e VI, da Constituição Federal (CF). O art. 18, I, II e III da Lei 9.472/1997 é compatível com os arts. 21, XI, e 48, XII, da Constituição Federal (CF). A competência da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) para expedir normas subordina-se aos preceitos legais e regulamentares que regem a outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público e no regime privado. O art. 19, IV e X, da Lei 9.472/1997, desse modo, é constitucional. A busca e posterior apreensão efetuada sem ordem judicial, com base apenas no poder de polícia de que é investida a ANATEL, mostra-se inconstitucional diante da violação ao disposto no princípio da inviolabilidade de domicílio, à luz do art. 5º, XI, da Constituição Federal. Logo, o art. 19, XV, da Lei 9.472/1997 é inconstitucional. A competência atribuída ao Conselho Diretor da ANATEL para editar normas próprias de licitação e contratação (Lei 9.472/1997, art. 22, II) deve observar o arcabouço normativo atinente às licitações e aos contratos, em respeito ao princípio da legalidade. Diante da especificidade dos serviços de telecomunicações, é válida a criação de novas modalidades licitatórias por lei de mesma hierarquia da Lei Geral de Licitações (Lei 8.666/1993). Portanto, sua disciplina deve ser feita por meio de lei, e não de atos infralegais, em obediência aos artigos 21, XI, e 22, XXVII, do texto constitucional. Em razão disso, é inconstitucional a expressão “serão disciplinados pela Agência” contida no art. 55 da Lei 9.472/1997. A contratação, a que se refere o art. 59 da Lei 9.472/1997, de técnicos ou empresas especializadas, inclusive consultores independentes e auditores externos, para executar atividades de competência da ANATEL, deve observar o regular procedimento licitatório previsto pelas leis de regência. A possibilidade de concomitância de regimes público e privado de prestação do serviço, assim como a definição das modalidades do serviço são questões estritamente técnicas, da alçada da agência, a quem cabe o estabelecimento das bases normativas de cada matéria relacionada à execução, à definição e ao estabelecimento das regras peculiares a cada serviço. A ANATEL não pode disciplinar procedimento licitatório simplificado por meio de norma de hierarquia inferior à Lei Geral de Licitações, sob pena de ofensa ao princípio da reserva legal. Por isso, são inconstitucionais as expressões “simplificado” e “nos termos por ela regulados” do art. 119, da Lei 9.472/1997.

Conteúdo Completo

A competência atribuída ao chefe do Poder Executivo para expedir decreto em ordem a instituir ou eliminar a prestação do serviço em regime público, em concomitância ou não com a prestação no regime privado, aprovar o plano geral de outorgas do serviço em regime público e o plano de metas de universalização do serviço prestado em regime público está em perfeita consonância com o poder regulamentar previsto no art. 84, IV, parte final, e VI, da Constituição Federal (CF). O art. 18, I, II e III da Lei 9.472/1997 é compatível com os arts. 21, XI, e 48, XII, da Constituição Federal (CF).
A competência da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) para expedir normas subordina-se aos preceitos legais e regulamentares que regem a outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público e no regime privado. O art. 19, IV e X, da Lei 9.472/1997, desse modo, é constitucional.
A busca e posterior apreensão efetuada sem ordem judicial, com base apenas no poder de polícia de que é investida a ANATEL, mostra-se inconstitucional diante da violação ao disposto no princípio da inviolabilidade de domicílio, à luz do art. 5º, XI, da Constituição Federal. Logo, o art. 19, XV, da Lei 9.472/1997 é inconstitucional.
A competência atribuída ao Conselho Diretor da ANATEL para editar normas próprias de licitação e contratação (Lei 9.472/1997, art. 22, II) deve observar o arcabouço normativo atinente às licitações e aos contratos, em respeito ao princípio da legalidade. 
Diante da especificidade dos serviços de telecomunicações, é válida a criação de novas modalidades licitatórias por lei de mesma hierarquia da Lei Geral de Licitações (Lei 8.666/1993). Portanto, sua disciplina deve ser feita por meio de lei, e não de atos infralegais, em obediência aos artigos 21, XI, e 22, XXVII, do texto constitucional. Em razão disso, é inconstitucional a expressão “serão disciplinados pela Agência” contida no art. 55 da Lei 9.472/1997.
A contratação, a que se refere o art. 59 da Lei 9.472/1997, de técnicos ou empresas especializadas, inclusive consultores independentes e auditores externos, para executar atividades de competência da ANATEL, deve observar o regular procedimento licitatório previsto pelas leis de regência.
A possibilidade de concomitância de regimes público e privado de prestação do serviço, assim como a definição das modalidades do serviço são questões estritamente técnicas, da alçada da agência, a quem cabe o estabelecimento das bases normativas de cada matéria relacionada à execução, à definição e ao estabelecimento das regras peculiares a cada serviço.
A ANATEL não pode disciplinar procedimento licitatório simplificado por meio de norma de hierarquia inferior à Lei Geral de Licitações, sob pena de ofensa ao princípio da reserva legal. Por isso, são inconstitucionais as expressões “simplificado” e “nos termos por ela regulados” do art. 119, da Lei 9.472/1997.

A competência atribuída ao chefe do Poder Executivo para expedir decreto em ordem a instituir ou eliminar a prestação do serviço em regime público, em concomitância ou não com a prestação no regime privado, aprovar o plano geral de outorgas do serviço em regime público e o plano de metas de universalização do serviço prestado em regime público está em perfeita consonância com o poder regulamentar previsto no art. 84, IV, parte final, e VI, da Constituição Federal (CF). O art. 18, I, II e III da Lei 9.472/1997 (1) é compatível com os arts. 21, XI, e 48, XII, da Constituição Federal (CF) (2).

De fato, as medidas previstas no art. 18 são atinentes à execução da política de telecomunicações definidas no corpo da Lei 9.472/1997 e estão condicionadas por várias normas desse diploma.

O caput do art. 18 da Lei 9.472/1997 observa, portanto, esses dispositivos constitucionais, que atribuem ao Presidente da República a competência para expedir decretos e regulamentos destinados à fiel execução de lei, e a ele outorgam o poder de dispor, mediante decreto, sobre a organização e funcionamento da administração federal.

É ínsito ao poder regulamentar atuar secundum legem e intra legem. Assim, atendidos os limites da legislação que rege a matéria, a Lei 9.472/1997, ao tempo em que confere tal poder ao Presidente da República, também fixa parâmetros para o seu exercício.

A competência da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) para expedir normas subordina-se aos preceitos legais e regulamentares que regem a outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público e no regime privado. O art. 19, IV e X, da Lei 9.472/1997 (3), desse modo, é constitucional.

Na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) (4), cabe às agências reguladoras, como a ANATEL, desempenhar a tarefa ordenadora e fiscalizatórias dos setores a elas submetidos. E, para a adequada execução dessa função, exsurge o poder de expedir normas como imanente à atividade regulatória das agências, a quem compete, no âmbito de sua atuação e nos limites do arcabouço normativo sobre o tema, disciplinar a prestação dos serviços.

Não se trata, portanto, de delegação de poderes legislativos, pois a expedição de normas regulatórias é sempre exercida com fundamento na lei, que também lhe serve de limite, mas que não esgota as possibilidades de mediação dos interesses diversos colocados para composição pelos órgãos reguladores.

A busca e posterior apreensão efetuada sem ordem judicial, com base apenas no poder de polícia de que é investida a ANATEL, mostra-se inconstitucional diante da violação ao disposto no princípio da inviolabilidade de domicílio, à luz do art. 5º, XI, da Constituição Federal (5). Logo, o art. 19, XV, da Lei 9.472/1997 (6) é inconstitucional.

A possibilidade de promoção de interdição de estabelecimentos, instalações ou equipamentos, e apreensão de bens ou produtos, nos termos do art. 3º, parágrafo único, da Lei 10.871/2004 (que dispõe sobre a criação de carreiras e organização de cargos efetivos das autarquias especiais, denominadas agências reguladoras), constitui exercício do poder de polícia da Administração Pública, dotado de autoexecutoriedade, inerente ao exercício dessa função (7).

Ocorre que o art. 19, XV, da Lei 9.472/1997, que estabelece a busca e apreensão de bens, tem uma dimensão distinta. Frise-se que, segundo orientação do STF, o conceito de domicílio não está limitado à residência domiciliar, mas abarca também qualquer compartimento privado onde alguém exerce profissão ou atividade (8).

A competência atribuída ao Conselho Diretor da ANATEL para editar normas próprias de licitação e contratação (Lei 9.472/1997, art. 22, II) (9) deve observar o arcabouço normativo atinente às licitações e aos contratos, em respeito ao princípio da legalidade.

Com efeito, as agências reguladoras não possuem a prerrogativa de legislar em matéria de licitação. Primeiro, porque isso viola a competência legislativa privativa da União (CF, art. 22, XXVII). Segundo, porque inovar no ordenamento jurídico não se encontra dentre os atributos que a função regulatória desses órgãos detêm, uma vez que eles colmatam lacunas propositais de natureza técnica na legislação, mas não podem estabelecer, de forma originária e primária, deveres e obrigações aos particulares, menos ainda exercer atividade criativa no que concerne a modalidades licitatórias e contratuais.

Diante da especificidade dos serviços de telecomunicações, é válida a criação de novas modalidades licitatórias por lei de mesma hierarquia da Lei Geral de Licitações (Lei 8.666/1993). Portanto, sua disciplina deve ser feita por meio de lei, e não de atos infralegais, em obediência aos artigos 21, XI, e 22, XXVII, do texto constitucional. Em razão disso, é inconstitucional a expressão “serão disciplinados pela Agência” contida no art. 55 da Lei 9.472/1997 (10).

A inserção, no ordenamento jurídico, de novas modalidades licitatórias, por lei que tem o mesmo status que a Lei Geral de Licitações não viola a Carta Magna. Todavia, para que seja respeitado o princípio da reserva legal e, ainda, tendo em vista que a consulta é instituto que não está restrito à ANATEL, mas cuja aplicação foi estendida, por meio do art. 37 da Lei 9.986/2000, a todas as agências reguladoras, a disciplina deve dar-se mediante lei.

A contratação, a que se refere o art. 59 da Lei 9.472/1997 (11), de técnicos ou empresas especializadas, inclusive consultores independentes e auditores externos, para executar atividades de competência da ANATEL, deve observar o regular procedimento licitatório previsto pelas leis de regência.

Efetivamente, a contratação sem o procedimento licitatório previsto pelas leis de regência fere o art. 22, XXVII, da CF.

A possibilidade de concomitância de regimes público e privado de prestação do serviço, assim como a definição das modalidades do serviço são questões estritamente técnicas, da alçada da agência, a quem cabe o estabelecimento das bases normativas de cada matéria relacionada à execução, à definição e ao estabelecimento das regras peculiares a cada serviço.

Diante da existência de parâmetros definidores na legislação, e da permissão constitucional para a prestação do serviço de telecomunicações pelo regime privado, por meio de autorização, não se vislumbra inconstitucionalidade nos artigos 65, III, §§ 1º e 2º, 66 e 69 da Lei 9.472/1997 (12).

A atribuição à agência da competência para definir os serviços não desborda dos limites de seu poder regulatório.

A previsão constitucional do art. 21, XI, permite a exploração “diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei ”.

Portanto, a despeito da previsão mais genérica do art. 175 da CF (13), no caso dos serviços de telecomunicações, é o texto constitucional que permite a exploração por meio de autorização, o que significa conferir à Administração a faculdade de instituir um regime privado, submetido à livre concorrência, ainda que derrogado parcialmente pela regulação estabelecida pela ANATEL (14).

A ANATEL não pode disciplinar procedimento licitatório simplificado por meio de norma de hierarquia inferior à Lei Geral de Licitações, sob pena de ofensa ao princípio da reserva legal. Por isso, são inconstitucionais as expressões “simplificado” e “nos termos por ela regulados” do art. 119, da Lei 9.472/1997 (15).

As normas licitatórias são cogentes, não viabilizando atuação livre deste ou daquele administrador, por maior que lhe seja a envergadura.

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta ajuizada contra dispositivos da Lei 9.472/1997, que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e o funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional 8/1995. Vencido o ministro Roberto Barroso.

(1) Lei 9.472/1997: “Art. 18. Cabe ao Poder Executivo, observadas as disposições desta Lei, por meio de decreto: I - instituir ou eliminar a prestação de modalidade de serviço no regime público, concomitantemente ou não com sua prestação no regime privado; II - aprovar o plano geral de outorgas de serviço prestado no regime público; III - aprovar o plano geral de metas para a progressiva universalização de serviço prestado no regime público;”

(2) CF: “Art. 21. Compete à União: (…) XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; (...) Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre: (...) XII - telecomunicações e radiodifusão;”

(3) Lei 9.472/1997: “Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente: (...) IV - expedir normas quanto à outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público; (...) X - expedir normas sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado;”

(4) Precedente citado: ADI 4874/DF, relator Min. Rosa Weber, DJe de 1.2.2019.

(5) CF: “Art. 5º. (...) XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;”

(6) Lei 9.472/1997: “Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente: (...) XV - realizar busca e apreensão de bens no âmbito de sua competência;”

(7) Precedente citado: Rcl 5310/MT, relatora Min. Cármen Lúcia, DJe de 16.5.2008.

(8) Precedente citado: RE 251445/GO, relator Min. Celso de Mello, DJ de 3.8.2000.

(9) Lei 9.472/1997: “Art. 22. Compete ao Conselho Diretor: (...) II - aprovar normas próprias de licitação e contratação;”

(10) Lei 9.472/1997: “Art. 55. A consulta e o pregão serão disciplinados pela Agência, observadas as disposições desta Lei e, especialmente:”

(11) Lei 9.472/1997: “Art. 59. A Agência poderá utilizar, mediante contrato, técnicos ou empresas especializadas, inclusive consultores independentes e auditores externos, para executar atividades de sua competência, vedada a contratação para as atividades de fiscalização, salvo para as correspondentes atividades de apoio.”

(12) Lei 9.472/1997: “Art. 65. Cada modalidade de serviço será destinada à prestação: I - exclusivamente no regime público; II - exclusivamente no regime privado; ou III - concomitantemente nos regimes público e privado. § 1° Não serão deixadas à exploração apenas em regime privado as modalidades de serviço de interesse coletivo que, sendo essenciais, estejam sujeitas a deveres de universalização. § 2° A exclusividade ou concomitância a que se refere o caput poderá ocorrer em âmbito nacional, regional, local ou em áreas determinadas. (...) Art. 66. Quando um serviço for, ao mesmo tempo, explorado nos regimes público e privado, serão adotadas medidas que impeçam a inviabilidade econômica de sua prestação no regime público. (...) Art. 69. As modalidades de serviço serão definidas pela Agência em função de sua finalidade, âmbito de prestação, forma, meio de transmissão, tecnologia empregada ou de outros atributos. Parágrafo único. Forma de telecomunicação é o modo específico de transmitir informação, decorrente de características particulares de transdução, de transmissão, de apresentação da informação ou de combinação destas, considerando-se formas de telecomunicação, entre outras, a telefonia, a telegrafia, a comunicação de dados e a transmissão de imagens.”

(13) CF: “Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;”

(14) Precedente citado: ADI 4923/DF, relator Min. LUIZ FUX (DJe de 5.4.2018).

(15) Lei 9.472/1997: “Art. 119. A permissão será precedida de procedimento licitatório simplificado, instaurado pela Agência, nos termos por ela regulados, ressalvados os casos de inexigibilidade previstos no art. 91, observado o disposto no art. 92, desta Lei.”

Informações Gerais

Número do Processo

1668

Tribunal

STF

Data de Julgamento

27/02/2021

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