Reclamação: legitimidade de conselho seccional da OAB, “habeas corpus” de ofício, incompetência da Justiça Federal e busca e apreensão

STF
1025
Direito Constitucional
Direito Processual Penal
Geral
2 min de leitura
Atualizado em 14 de novembro de 2025

Este julgado integra o

Informativo STF 1025

Comentário Damásio

Resumo

Os conselhos seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) possuem legitimidade para ingressar com reclamação perante o Supremo Tribunal Federal (STF) em defesa dos interesses concretos e das prerrogativas de seus associados, nos termos da expressa previsão legal.

Conteúdo Completo

Os conselhos seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) possuem legitimidade para ingressar com reclamação perante o Supremo Tribunal Federal (STF) em defesa dos interesses concretos e das prerrogativas de seus associados, nos termos da expressa previsão legal.


A Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia) confere ampla legitimidade à OAB para atuar em defesa da ordem jurídica, do Estado Democrático de Direito e de todos os advogados integrantes dos seus quadros, conforme se observa do art. 44, I e II, do art. 49, parágrafo único, e do art. 54, II e III, c/c o art. 57 (1). Essas normas estão em consonância com a qualificação de função essencial à justiça atribuída à advocacia pelo art. 133 da Constituição Federal (CF) (2), bem assim com o papel da OAB, com ampla capacidade postulatória, conforme reconhecido pela jurisprudência do STF (3). 
Diante de flagrante ilegalidade, é possível a concessão de “habeas corpus” de ofício em sede de reclamação constitucional, nos termos do art. 193, II, do Regimento Interno do STF (RISTF) (4) e do art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal (CPP) (5).
Impende registrar a relevância do tema em discussão — notadamente por se relacionar às funções e prerrogativas da advocacia no âmbito do sistema de justiça criminal e do Estado Democrático de Direito — e a necessidade de se promover o devido controle de todas as ilegalidades praticadas, no caso concreto, pelo magistrado da Vara Federal, ora reclamado. Apesar de não ter sido demonstrada, pelos conselhos reclamantes, a usurpação de competência do STF, foram constatadas ilegalidades flagrantes concernentes à competência do juízo reclamado e à decretação de medidas de busca e apreensão em desfavor de advogados.
Compete à Justiça estadual processar e julgar fatos envolvendo entidades integrantes do denominado “Sistema S”. 
As entidades do “Sistema S” (Sesc, Senac, Sebrae) são pessoas jurídicas de direito privado dotadas de recursos próprios, definitivamente incorporados aos seus patrimônios, ainda que com base em contribuições parafiscais pagas pelos contribuintes e a elas repassadas imediatamente pela Receita Federal. Portanto, mesmo que esses recursos sejam fiscalizados pelo Tribunal de Contas da União, não se trata de recursos que integram os bens ou o patrimônio da União. Ressalta-se que, para fins de subsunção à regra prevista no art. 109, IV, da CF (6), o interesse da União precisa ser direto e específico, não sendo suficiente o interesse genérico da coletividade.
Além de violar prerrogativas da advocacia, a deflagração de amplas, inespecíficas e desarrazoadas medidas de busca e apreensão em desfavor de advogados pode evidenciar a prática de “fishing expedition”. 
A jurisprudência do STF confere interpretação estrita e rígida às normas que possibilitam a realização de busca e apreensão, em especial quando direcionadas a advogados no exercício de sua profissão. Na situação em apreço, não foram observados os requisitos legais nem as prerrogativas da advocacia, com ampla deflagração de medidas que objetivaram “pescar” provas contra os advogados denunciados e possíveis novos investigados. Ressalta-se que, ao deferir a busca e apreensão, a autoridade reclamada não demonstrou a imprescindibilidade em concreto da medida para o processamento dos fatos.
Extrai-se do art. 394 e seguintes do CPP que a produção probatória após o oferecimento da denúncia deve ocorrer em juízo, com as garantias do contraditório e da ampla defesa. 
Na espécie, a medida de investigação prévia foi executada depois de ser formalizada a denúncia contra os advogados, em evidente inversão processual. Com efeito, a ampla realização de medidas de busca e apreensão depois da formalização da denúncia, que pressupõe a colheita de um lastro probatório mínimo e o encerramento da fase investigatória, indica o objetivo de expandir a acusação, em indevida prática de fishing probatório.
Com base nesses e em outros entendimentos, a Segunda Turma, por maioria, conheceu da reclamação e, no mérito, por unanimidade, julgou-a improcedente. Na sequência, em votação majoritária, o colegiado concedeu ordem de habeas corpus, de ofício, para decretar a incompetência absoluta da Justiça Federal, determinar a nulidade de todos os atos decisórios proferidos pelo juízo da 7ª Vara da Seção Judiciária do Rio de Janeiro e remeter os autos à Justiça comum do estado do Rio de Janeiro, a quem competirá processar, julgar o feito e aferir eventuais especificidades quanto à remessa de parte da investigação à Justiça Federal do Distrito Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça, nos termos do voto do ministro Gilmar Mendes (relator). Ficou vencido o ministro Edson Fachin.
(1) Lei 8.906/1994: “Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade: I – defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas; II – promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.(...) Art. 49. Os Presidentes dos Conselhos e das Subseções da OAB têm legitimidade para agir, judicial e extrajudicialmente, contra qualquer pessoa que infringir as disposições ou os fins desta lei. Parágrafo único. As autoridades mencionadas no caput deste artigo têm, ainda, legitimidade para intervir, inclusive como assistentes, nos inquéritos e processos em que sejam indiciados, acusados ou ofendidos os inscritos na OAB. (...) Art. 54. Compete ao Conselho Federal: (...) II – representar, em juízo ou fora dele, os interesses coletivos ou individuais dos advogados; III – velar pela dignidade, independência, prerrogativas e valorização da advocacia; (...) Art. 57. O Conselho Seccional exerce e observa, no respectivo território, as competências, vedações e funções atribuídas ao Conselho Federal, no que couber e no âmbito de sua competência material e territorial, e as normas gerais estabelecidas nesta lei, no regulamento geral, no Código de Ética e Disciplina, e nos Provimentos.”
(2) CF: “Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”
(3) Precedente: ADI 3.
(4) RISTF: “Art. 193. O Tribunal poderá, de ofício: (...) II – expedir ordem de habeas corpus quando, no curso de qualquer processo, verificar que alguém sofre ou se acha ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.”
(5) CPP: “Art. 654.  O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público. (...) § 2º Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal.”
(6) CF: “Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (...) IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;”

Legislação Aplicável

CF, art. 109, IV.
CPP, arts. 394 e ss.; 654, § 2º,
Lei 8.906/1994, arts. 44; 49; 54, II e III; 57.
RISTF, art. 193, II.

Informações Gerais

Número do Processo

43479

Tribunal

STF

Data de Julgamento

10/08/2021

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