Extradição. Promessa de Reciprocidade. Caráter Político. Dupla Tipicidade

STF
362
Direito Internacional
Geral
2 min de leitura
Atualizado em 14 de novembro de 2025

Este julgado integra o

Informativo STF 362

Comentário Damásio

Conteúdo Completo

O Tribunal deferiu pedido de extradição formulado pela República Tcheca para entregar nacional tcheco condenado, naquele País, à pena de oito anos de prisão, pela prática do crime de estelionato qualificado. O extraditando impugnava o pedido por estas razões: a) caráter político do julgamento penal em questão, em razão de ter sido realizado sob a égide de um Estado totalitário (República Popular da Tchecoslováquia), no qual não teria sido observado o direito à ampla defesa; b) inocorrência da dupla tipicidade, por não haver no sistema normativo brasileiro “a figura do estelionato de prejuízo considerável”; c) impossibilidade da extradição, em face do cabimento, na espécie, do art. 77, IV, da Lei 6.815/80, tendo em conta o fato de a lei brasileira impor, ao crime subjacente ao pedido extradicional, pena igual ou inferior a um ano. Ressaltou-se, inicialmente, com base na jurisprudência do STF e no art. 76 do Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/80), que a inexistência de tratado de extradição entre o Brasil e o Estado requerente não era óbice à formulação e ao atendimento do pleito, já que este formulara promessa de reciprocidade de tratamento ao Brasil por meio de Nota Verbal. Salientou-se que, não obstante a essencialidade da cooperação internacional na repressão penal aos delitos comuns, o Estado brasileiro, e, particularmente, o STF, deveriam zelar pela observância dos direitos fundamentais do estrangeiro contra o qual se postulasse pedido extradicional, e que a possibilidade de haver privação, em juízo penal, do devido processo legal, seria causa impeditiva do deferimen-to desse pedido. Entendeu-se, no entanto, inocorrente, no caso, a hipótese de violação aos direitos básicos da pessoa humana, tendo em vista que a condenação penal imposta ao extraditando se dera em julgamento realizado em 1995, momento posterior à divisão da antiga República da Tchecoslováquia em dois novos Estados soberanos: a República Tcheca, ora re-querente, e a República Eslovaca, constituindo aquela um Estado Democrático. No que se refere à alegada inexistência da dupla incriminação, considerou-se que a eventual discrepância terminológica constante das leis penais vigentes no Brasil e no Estado requerente não obstava a efetivação da medida requerida, já que, tanto neste quanto naquele país, o fato imputado ao extraditando é juridicamente qualificado como crime, o qual se ajusta ao modelo normativo consubstanciado no tipo penal descrito no art. 171 do CP. Afastou-se, também, a apontada ocorrência da vedação inscrita no inciso IV do art. 77 do Estatu-to do Estrangeiro, haja vista que, no Brasil, o crime de estelionato, mesmo na sua forma simples (CP, art. 171, caput), seria punível com pena de prisão variável entre um a cinco anos. Asseverou-se, ainda, ser improcedente a afirmação do extraditando, quando de seu interrogatório judicial, acerca da falsidade das imputações penais a ele atribuídas, as quais estariam fundadas em “provas plantadas”, o que tornaria precária a condenação pronunciada. Acentuou-se que o modelo extradicional vigente no Brasil, que adota o sistema de contenciosidade limitada (Lei 6.815/80, art. 85, §1º), não permite, em sede extradicional promovida perante o STF, que se renove o litígio penal que lhe deu origem nem que se efetive o reexame do conjunto probatório ou a discussão sobre o mérito da acusação ou da condenação proferidas por órgão competente do Esta-do estrangeiro. Concluiu-se que essa limitação não seria incompatível com a cláusula constitucional de garantia da ampla defesa, conforme entendimento fixado pelo Pleno do STF em diversos julgamentos. (Lei 6.815/80: “Art. 76. A extradição poderá ser concedida quando o governo requerente se fundamentar em tratado, ou quando prometer ao Brasil a recipro-cidade. Art. 77. Não se concederá a extradição quando:... IV - a lei brasileira impuser ao crime a pena de prisão igual ou inferior a 1 (um) ano;... Art. 85. Ao receber o pedido, o Relator designará dia e hora para o interrogatório do extraditando e, conforme o caso, dar-lhe-á curador ou advogado, se não o tiver, correndo do interrogatório o prazo de dez dias para a defesa. § 1º A defesa versará sobre a identidade da pessoa reclamada, defeito de forma dos documentos apresentados ou ilegalidade da extradição.”).

Legislação Aplicável

Lei 6.815/1980, arts. 76; 77, IV; 85, , § 1º.
CP, art. 171.

Informações Gerais

Número do Processo

897

Tribunal

STF

Data de Julgamento

23/09/2004