Exceção à impenhorabilidade do bem de família por crédito de empreitada de construção residencial
O artigo 3º, inciso II, da Lei n. 8.009/1990, dispõe que a impenhorabilidade do bem de família é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato. Para os efeitos estabelecidos no citado dispositivo legal, o financiamento referido pelo legislador abarca operações de crédito destinadas à aquisição ou construção do imóvel residencial, podendo essas serem stricto sensu - decorrente de uma operação na qual a financiadora, mediante mútuo/empréstimo, fornece recursos para outra a fim de que essa possa executar benfeitorias ou aquisições específicas, segundo o previamente acordado - como aquelas em sentido amplo, nas quais se inclui o contrato de compra e venda em prestações, o consórcio ou a empreitada com pagamento parcelado durante ou após a entrega da obra, pois todas essas modalidades viabilizam a aquisição/construção do bem pelo tomador que não pode ou não deseja pagar o preço à vista. Em todas essas situações, dá-se a constituição de uma operação de crédito, efetiva dívida para a aquisição/construção do imóvel na modalidade parcelada.
Inadmissibilidade de instauração do IRDR após conclusão do julgamento de mérito do processo
A instauração do IRDR é cabível quando um dos legitimados do art. 977 do CPC/2015 demonstrar, simultaneamente, a efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito e o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica (art. 976, I e II, do CPC/2015). Ademais, o art. 978, parágrafo único, do mesmo Código dispõe que o órgão colegiado incumbido de analisar o mérito do incidente e de fixar a tese jurídica julgará igualmente o recurso que o originou. Por essa razão, a doutrina afirma que o cabimento do IRDR condiciona-se à pendência de julgamento, no tribunal, de uma causa recursal ou originária. Se já encerrado o julgamento, não caberá mais a instauração do IRDR, senão em outra causa pendente; mas não naquela que já foi julgada. A propósito o Fórum Permanente de Processualistas Civis editou o Enunciado n. 344, que assim dispõe: "A instauração do incidente pressupõe a existência de processo pendente no respectivo tribunal". A pendência do julgamento dos embargos de declaração contra o acórdão do agravo de instrumento revela um momento processual em que já houve quase que o esgotamento da apreciação do mérito, tratando-se de momento inicial inadequado para a formação do precedente do jaez do IRDR. O diferimento da análise da seleção da causa e admissibilidade do IRDR para o momento dos embargos de declaração importaria prejuízo à paridade argumentativa processual, considerando que esse desequilíbrio inicial certamente arriscaria a isonômica distribuição do ônus argumentativo a ser desenvolvido, mesmo que os argumentos fossem pretensamente esgotados durante o curso do incidente.
Assédio processual como abuso do direito de ação ou defesa por demandas sucessivas infundadas
Inicialmente cumpre salientar que é preciso repensar o processo à luz dos mais basilares cânones do próprio direito, não para frustrar o regular exercício dos direitos fundamentais pelo litigante sério e probo, mas para refrear aqueles que abusam dos direitos fundamentais por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo. Especificamente dos precedentes formados nos Estados Unidos da América, que se extrai fundamentação substancial para coibir o abusivo do exercício do direito de peticionar e de demandar, isto é, para a proibição do que se convencionou chamar de sham litigation. A despeito de a doutrina da sham litigation ter se formado e consolidado enfaticamente no âmbito do direito concorrencial, absolutamente nada impede que se extraia, da ratio decidendi daqueles precedentes que a formaram, um mesmo padrão decisório a ser aplicado na repressão aos abusos de direito material e processual, em que o exercício desenfreado, repetitivo e desprovido de fundamentação séria e idônea pode, ainda que em caráter excepcional, configurar abuso do direito de ação. No caso, é fato incontroverso que os recorridos efetivamente se utilizaram de área, ocupada com base em procuração falsa, para o desenvolvimento de cultura agrícola, em flagrante prejuízos aos proprietários, por longas décadas, valendo-se, para atingir esse objetivo, de sucessivas e reiteradas ações judiciais desprovidas de fundamentação idônea. A longa batalha enfrentada pelos herdeiros até a efetiva retomada das suas terras teve início há décadas e perdurou por longos anos, com todos os entraves possíveis e com o uso abusivo do direito de acesso à justiça.
Inoponibilidade das limitações da Lei de Proteção de Cultivares às patentes de transgenia
O propósito recursal é definir se produtores de soja podem, sem que haja violação dos direitos de propriedade intelectual, reservar livremente o produto da soja transgênica Roundup Ready (soja RR) para replantio em seus campos de cultivo, vender a produção desse cultivo como alimento ou matéria-prima e, com relação apenas a pequenos produtores, doar a outros pequenos produtores rurais ou com eles trocar as sementes reservadas. A Lei n. 9.456/1997 (Lei de Proteção aos Cultivares - LPC) prevê situações em que, como forma de conferir equilíbrio à exclusividade outorgada pelo Certificado de Proteção de Cultivar, são impostas certas limitações à proteção dos direitos do melhorista. É o caso do chamado "privilégio do agricultor". Trata-se de exceção que confere aos agricultores o direito de livre acesso, em determinadas circunstâncias que não configurem exploração comercial à variedade vegetal protegida. Por outro lado, a Lei de Propriedade Industrial (LPI) - em consonância com as diretrizes traçadas no plano internacional e na esteira do dever imposto pela norma do art. 5º, XXIX, da Constituição Federal de 1988 - autoriza o patenteamento de micro-organismos transgênicos, a fim de garantir, ao autor do invento, privilégio temporário para sua utilização. Ressalta-se que patentes e proteção de cultivares são diferentes espécies de direitos de propriedade intelectual, que objetivam proteger bens intangíveis distintos. Não há incompatibilidade entre os estatutos legais que os disciplinam, tampouco prevalência de um sobre o outro, pois se trata de regimes jurídicos diversos e complementares, em cujos sistemas normativos inexistem proposições contraditórias a qualificar uma mesma conduta. A marcante distinção existente entre o regime da LPI e o da LPC compreende, dentre outros, o objeto protegido, o alcance da proteção, as exceções e limitações oponíveis aos titulares dos respectivos direitos, os requisitos necessários à outorga da tutela jurídica, o órgão responsável pela análise e emissão do título protetivo e o prazo de duração do privilégio. O art. 2º da LPC impede o que se convencionou chamar de dupla proteção. Isso quer dizer que uma mesma variedade vegetal não pode ser protegida simultaneamente por uma patente e por um direito sui generis , tal qual o direito de proteção de cultivares. Ocorre que o âmbito de proteção a que está submetida a tecnologia desenvolvida não se confunde com o objeto da proteção prevista na Lei de Cultivares: as patentes não protegem a variedade vegetal, mas o processo de inserção e o próprio gene por elas inoculado nas sementes de soja RR. A proteção da propriedade intelectual na forma de cultivares abrange o material de reprodução ou multiplicação vegetativa da planta inteira, enquanto o sistema de patentes protege, especificamente, o processo inventivo ou o material geneticamente modificado. Pelo princípio da exaustão, em regra, uma vez que o adquirente tenha obtido o produto colocado licitamente no mercado, com o consentimento do titular, esgota-se o direito de patente sobre aquele produto específico e, via de consequência, não mais poderão ser opostas, dali em diante, a quem quer que seja, as vedações do art. 42 da LPI na futura exploração comercial do bem. Todavia, a parte final do inc. VI do art. 43 da LPI expressamente prevê que não haverá exaustão na hipótese de o produto patenteado ser "utilizado para multiplicação ou propagação comercial da matéria viva em causa". O "privilégio do agricultor" previsto na LPC, portanto, não é oponível ao titular de patentes de produto e/ou processo na hipótese de ser utilizada a matéria viva a elas relacionada para fins de multiplicação ou propagação comercial, pois não se trata de limitação estabelecida aos direitos tutelados pelo regime jurídico sobre o qual está assentado o sistema de patentes adotado pelo Brasil.
Dispensa de remessa necessária em sentenças ilíquidas contra o INSS até mil salários mínimos
A orientação da Súmula n. 490 do STJ não se aplica às sentenças ilíquidas nos feitos de natureza previdenciária a partir dos novos parâmetros definidos no art. 496, § 3º, I, do CPC/2015, que dispensa do duplo grau obrigatório as sentenças contra a União e suas autarquias cujo valor da condenação ou do proveito econômico seja inferior a mil salários mínimos. Registre-se que, neste ponto, o CPC/2015 não inovou, porquanto o Código de Processo Civil de 1973 também disciplinava da mesma forma, quando dispensava a remessa necessária "sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos" (art. 475, § 2º, CPC/1973). O ponto distinguidor está no valor da condenação, ou do proveito econômico, que sofreu uma alteração substancial. Antes eram dispensadas da remessa necessária as sentenças condenatórias até sessenta salários mínimos. Atualmente, porém, a lei traça um escalonamento entre os entes públicos, dispensando do duplo grau obrigatório aquelas sentenças contra a União, e suas autarquias, cujo limite seja inferior a mil salários mínimos. A elevação do limite para conhecimento da remessa necessária significa uma opção pela preponderância dos princípios da eficiência e da celeridade na busca pela duração razoável do processo, pois, além dos critérios previstos no § 4º do art. 496 do CPC/2015, o legislador elegeu também o do impacto econômico para impor a referida condição de eficácia de sentença proferida em desfavor da Fazenda Pública (§ 3º). A novel orientação legal atua positivamente tanto como meio de otimização da prestação jurisdicional - ao tempo em que desafoga as pautas dos tribunais - quanto como de transferência aos entes públicos e suas respectivas autarquias e fundações da prerrogativa exclusiva sobre a rediscussão da causa, que se dará por meio da interposição de recurso voluntário. Não obstante a aparente iliquidez das condenações em causas de natureza previdenciária, a sentença que defere benefício previdenciário é espécie absolutamente mensurável, visto que pode ser aferível por simples cálculos aritméticos, os quais são expressamente previstos na lei de regência, e são realizados pelo próprio INSS. Na vigência do Código Processual anterior, a possibilidade de as causas de natureza previdenciária ultrapassarem o teto de sessenta salários mínimos era bem mais factível, considerado o valor da condenação atualizado monetariamente. Após o CPC/2015, ainda que o benefício previdenciário seja concedido com base no teto máximo, observada a prescrição quinquenal, com os acréscimos de juros, correção monetária e demais despesas de sucumbência, não se vislumbra, em regra, como uma condenação na esfera previdenciária venha a alcançar os mil salários mínimos.