Dano moral in re ipsa por ausência de comunicação na comercialização de dados de consumidores
As informações sobre o perfil do consumidor, mesmo as de cunho pessoal, ganharam valor econômico no mercado de consumo e, por isso, o banco de dados constitui serviço de grande utilidade, seja para o fornecedor, seja para o consumidor, mas, ao mesmo tempo, atividade potencialmente ofensiva a direitos da personalidade deste. Nessa toada, a gestão do banco de dados impõe a estrita observância das respectivas normas de regência - CDC e Lei n. 12.414/2011. Dentre as exigências da lei, destaca-se o dever de informação, que tem como uma de suas vertentes o dever de comunicar por escrito ao consumidor a abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo, quando não solicitada por ele, consoante determina o § 2º do art. 43 do CDC. Tal imposição vinha expressamente prevista na redação originária da Lei n. 12.414/2011, que teve seu texto alterado recentemente pela Lei Complementar n. 166/2019. Embora o novo texto da Lei n. 12.414/2011 se mostre menos rigoroso no que diz respeito ao cumprimento do dever de informar ao consumidor sobre o seu cadastro - já que a redação originária exigia autorização prévia mediante consentimento informado por meio de assinatura em instrumento específico ou em cláusula apartada -, o legislador não desincumbiu o gestor de proceder à efetiva comunicação. Isso porque, tanto sob a enfoque do registro de informações negativas como também para o registro de informações positivas, tem o consumidor o direito de tomar conhecimento de que informações a seu respeito estão sendo arquivadas/comercializadas por terceiro, sem a sua autorização, porque desse direito decorrem outros dois que lhe são assegurados pelo ordenamento jurídico: o direito de acesso aos dados armazenados e o direito à retificação das informações incorretas. A inobservância dos deveres associados ao tratamento (que inclui a coleta, o armazenamento e a transferência a terceiros) dos dados do consumidor - dentre os quais se inclui o dever de informar - faz nascer para este a pretensão de indenização pelos danos causados e a de fazer cessar, imediatamente, a ofensa aos direitos da personalidade. O fato, por si só, de se tratarem de dados usualmente fornecidos pelos próprios consumidores quando da realização de qualquer compra no comércio, não afasta a responsabilidade do gestor do banco de dados, na medida em que, quando o consumidor o faz não está, implícita e automaticamente, autorizando o comerciante a divulgá-los no mercado; está apenas cumprindo as condições necessárias à concretização do respectivo negócio jurídico entabulado apenas entre as duas partes, confiando ao fornecedor a proteção de suas informações pessoais.
Penhora de imóvel por dívida condominial com proprietário ausente do polo passivo
Em se tratando a dívida de condomínio de obrigação propter rem e partindo-se da premissa de que o próprio imóvel gerador das despesas constitui garantia ao pagamento da dívida, o proprietário do imóvel pode ter seu bem penhorado na ação de cobrança, em fase de cumprimento de sentença, da qual não figurou no polo passivo. A solução da controvérsia perpassa pelo princípio da instrumentalidade das formas, aliado ao princípio da efetividade do processo, no sentido de se utilizar a técnica processual não como um entrave, mas como um instrumento para a realização do direito material. Destaca-se que a ação de cobrança de débitos condominiais pode ser proposta em face de qualquer um daqueles que tenha uma relação jurídica vinculada ao imóvel. Assim, se o débito condominial possui caráter ambulatório e a obrigação é propter rem , não faz sentido impedir que, no âmbito processual, o proprietário possa figurar no polo passivo do cumprimento de sentença. Em regra, deve prevalecer o interesse da coletividade dos condôminos, permitindo-se que o condomínio receba as despesas indispensáveis e inadiáveis à manutenção da coisa comum.
Cobertura obrigatória de despesas de acompanhante para idoso em internação hospitalar
Cinge-se a controvérsia a discutir a quem compete o custeio das despesas do acompanhante de paciente idoso no caso de internação hospitalar. A figura do acompanhante foi reconhecida pelo art. 16 do Estatuto da Pessoa Idosa - Lei n. 10.741/2003, que estabelece que ao paciente idoso que estiver internado ou em observação é assegurado o direito a um acompanhante, em tempo integral, a critério do médico. No âmbito da saúde suplementar, contudo, a Lei n. 9.656/1998, em seu art. 12, II, f , previu que, na hipótese em que o contrato de plano de saúde incluir internação hospitalar, a operadora é responsável pelas despesas de acompanhante. Por sua vez, o Ministério da Saúde, antes mesmo do advento da Lei n. 10.741/2003, editou a Portaria MS/GM n. 280/1999 determinando que os hospitais contratados ou conveniados ao Sistema Único de Saúde permitam a presença de acompanhante para os pacientes internados maiores de 60 (sessenta) anos e autorizando ao prestador do serviço a cobrança das despesas previstas com o acompanhante de acordo com as tabelas do SUS, nas quais estão incluídas a acomodação adequada e o fornecimento das principais refeições. Cumpre observar que, embora a Lei dos Planos inclua a obrigação de cobertura de despesas de acompanhante apenas para pacientes menores de 18 (dezoito) anos, a redação desse dispositivo é de 1998, portanto, anterior, ao Estatuto do Idoso, de 2003. Nesse contexto, diante da obrigação criada pelo referido estatuto e da inexistência de regra acerca do custeio das despesas de acompanhante de paciente idoso usuário de plano de saúde, a Agência Nacional de Saúde Suplementar definiu, por meio das Resoluções Normativas n. 211/2010, n. 387/2015 e n. 428/2017, que cabe aos planos de saúde o custeio das despesas referentes ao acompanhante desse paciente, as quais devem incluir a totalidade dos serviços oferecidos pelo prestador de serviço e relacionadas com a permanência do acompanhante na unidade de internação. Dessa forma, ainda que o contrato seja anterior ao Estatuto da Pessoa Idosa, inafastável a obrigação da operadora do plano de saúde de custear as despesas do acompanhante, pois a Lei n. 10.741/2003 é norma de ordem pública, de aplicação imediata.
Número incorreto da fatura na duplicata e perda da exigibilidade executiva extrajudicial
Controverte-se acerca da validade de duplicatas cujo campo relativo ao número da fatura foi preenchido de maneira equivocada, com numerações diversas daquelas das respectivas faturas. Em decorrência dos princípios da literalidade, da cartularidade, da incorporação, da autonomia, da independência e da tipicidade, os títulos de crédito desempenham a sua finalidade maior de promover a circulação de riquezas. Isso porque, abstraídos da causa que lhes tenha dado origem, cumpridos os requisitos legais para a formação da cártula, o título de crédito goza dos atributos da circulabilidade, da negociabilidade, da exigibilidade e da executoriedade, indispensáveis para que os princípios retromencionados possam se concretizar. Segundo dispõe o art. 2º, § 1º, da Lei n. 5.474/1968 (Lei das Duplicatas), são requisitos das duplicatas: "(...) § 1º A duplicata conterá: I - a denominação 'duplicata', a data de sua emissão e o número de ordem; II - o número da fatura; III - a data certa do vencimento ou a declaração de ser a duplicata à vista; IV - o nome e domicílio do vendedor e do comprador; V - a importância a pagar, em algarismos e por extenso; VI - a praça de pagamento; VII - a cláusula à ordem; VIII - a declaração do reconhecimento de sua exatidão e da obrigação de pagá-la, a ser assinada pelo comprador, como aceite, cambial; IX - a assinatura do emitente." De fato, como se observa na leitura do inciso II acima transcrito, a data da fatura é requisito legal da duplicata. Com efeito, a incorreção no preenchimento desse campo específico no título de crédito torna-o inválido e inexigível no que se refere, especialmente, ao atributo da executoriedade, disposto no art. 15 da Lei das Duplicatas, visto que ferido o princípio da literalidade.
Penhorabilidade das verbas recebidas por escolas de samba em parcerias público-privadas
O Código de Processo Civil de 2015 estabelece que são impenhoráveis "os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução", bem como "os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social" (art. 833, I, IX). Igualmente, "não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis" (art. 832). Por se tratar de artigos referentes a impenhorabilidades sua interpretação deve ser restritiva, sempre com foco no núcleo essencial que justifica a própria instituição da regra, isto é, o almejado equilíbrio entre a satisfação do crédito para o credor e a menor onerosidade para o devedor. O art. 35, § 5º, da Lei n. 13.019/2014 dispõe que os "equipamentos e materiais permanentes" adquiridos com recursos provenientes da celebração da parceria serão gravados com cláusula de inalienabilidade. Portanto, não são os recursos o objeto da restrição legal, mas o produto do seu investimento necessário à consecução do projeto de parceria. Nesse sentido, também afasta-se a hipótese de bens não sujeitos à execução por ato voluntário, pois as verbas adquiridas pela escola de samba seguem regramento estabelecido na Lei n. 13.019/2014, sem qualquer dispositivo que faça menção de sua impenhorabilidade. Saliente-se que é inquestionável o valor social, cultural, histórico e turístico do carnaval brasileiro, uma das maiores expressões artísticas nacionais com alcance mundial. Este reconhecimento de envergadura nacional e internacional, todavia, não autoriza dizer por lei que sua promoção visa compulsoriamente à educação e à assistência social. A própria Lei n. 13.019/14 considera que a parceria entre a administração pública e as organizações da sociedade civil é feita "para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco" (art. 2º, III) jamais restringindo seu âmbito "para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social" (art. 833, IX, do CPC).