Competência para ações de contribuição sindical: Justiça Comum para estatutários, Justiça do Trabalho para celetistas
Com o advento do art. 114, da Constituição Federal de 1988 (em sua redação original), firmou-se a interpretação restritiva de que a competência da justiça laboral somente abarcava as hipóteses ali expressas e que quaisquer outras "controvérsias decorrentes da relação de trabalho" somente o seriam de competência daquela justiça especializada acaso sobreviesse lei que assim o estabelecesse. Assim, permaneceu vigente no período a Súmula n. 87 do extinto Tribunal Federal de Recursos - TFR que definiu ser da competência da Justiça Comum o processo e julgamento da contribuição assistencial prevista em convenção ou acordo coletivo e da contribuição sindical compulsória prevista em lei (imposto sindical), a saber: "Compete à Justiça Comum o processo e julgamento de ação de cobrança de contribuições sindicais". Tal situação perdurou até o advento da Lei n. 8.984/1995 que estabeleceu competir " à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios que tenham origem no cumprimento de convenções coletivas de trabalho ou acordos coletivos de trabalho, mesmo quando ocorram entre sindicatos ou entre sindicato de trabalhadores e empregador" (convenções e acordos não homologados). Tal lei levou a cobrança da contribuição assistencial prevista em convenção ou acordo coletivo para a competência da Justiça do Trabalho, surgindo então dúvida a respeito do destino da contribuição sindical compulsória (imposto sindical), se acompanharia a contribuição assistencial ou se permaneceria na Justiça Comum. Nesse novo contexto, este Superior Tribunal de Justiça produziu o precedente nos EDcl no CC 17.765 / MG (Segunda Seção, Rel. Min. Paulo Costa Leite, julgado em 13/08/1997) onde no qual restou fixado que a cobrança da contribuição sindical compulsória (imposto sindical) deveria se dar na Justiça Comum. Posteriormente, em 23/06/1999, com base no mencionado precedente, foi julgada pela Segunda Seção a Súmula n. 222/STJ com o seguinte texto: "Compete à Justiça Comum processar e julgar as ações relativas à contribuição sindical prevista no art. 578 da CLT". Mais recentemente, com o advento da alteração do art. 114, da CF/1988, promovida pela EC n. 45/2004, foram inseridas na competência da Justiça do Trabalho "as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios" (art. 114, I, CF/1988) e "as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores" (art. 114, III, CF/1988). A troca da expressão "dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores" contida na redação original do art. 114, da CF/1988, pela expressão "ações oriundas da relação de trabalho", contida na redação dada pela EC n. 45/2004, trouxe dúvida em relação à competência da Justiça do Trabalho para julgar as causas entre o Poder Público e seus servidores estatutários. O tema foi então enfrentado pelo STF quando do julgamento da ADI 3.395 MC/DF (Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, julgado em 05/04/2006) que registrou: "O disposto no art. 114, I, da Constituição da República, não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária". Contudo, permaneceu alguma dúvida em relação ao reflexo do julgado do STF sobre as ações que envolviam as contribuições sindicais de servidores públicos e o alcance do disposto no art. 114, III, da CF/1988. Desta feita, após o julgamento pelo STF da ADI 3.395 MC / DF, em pesquisa realizada na jurisprudência deste STJ, no que se refere às ações em que se discute a técnica de tributação via recolhimento e repasse, os mais recentes precedentes da Primeira Seção são no sentido de que o referido julgamento em nada havia interferido na regra de competência para a discussão da contribuição sindical dos servidores públicos, devendo esta se dar sempre na Justiça do Trabalho, indiferente a condição do servidor público de celetista ou estatutário. Do histórico, constata-se que houve sucessivas alterações em relação ao posicionamento original. Migrou-se de uma posição inicial (1) onde todas as ações que versassem sobre o imposto sindical teriam seu destino na Justiça Comum (Súmula n. 222/STJ), para uma posição (2) onde as ações que versassem sobre o imposto sindical envolvendo todos os tipos de celetistas (servidores ou não) haveriam que ser destacadas e levadas para a Justiça do Trabalho, mantendo-se apenas as ações que versassem sobre o imposto sindical envolvendo servidores estatutários na Justiça Comum e, posteriormente, para uma posição (3) na qual todas as ações que versassem sobre o imposto sindical (envolvendo celetistas ou estatutários), haveriam que ser julgadas na Justiça do Trabalho. Assim, a evolução da jurisprudência vinha sendo no sentido de retirar essas atribuições da Justiça Comum transferindo-as gradativamente para a Justiça Laboral, que detinha a expertise no exame das relações de representação sindical, já que o tema "contribuição sindical" guardaria mais afinidade com o tema "representação sindical" que com o tema "regime estatutário". Ocorre que em direção diametralmente oposta àquela que vinha tomando este Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal Superior do Trabalho, o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Tema n. 994, no RE 1.089.282/AM (Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em sessão virtual de 27/11/2020 a 04/12/2020), firmou a seguinte tese: "Compete à Justiça Comum processar e julgar demandas em que se discute o recolhimento e o repasse de contribuição sindical de servidores públicos regidos pelo regime estatutário". Desta forma, o STF determinou o retorno deste Superior Tribunal de Justiça um passo atrás para a posição jurisprudencial intermediária anterior, qual seja, a de que: (a) as ações em que se discute a contribuição sindical (imposto sindical) de servidor púbico estatutário, após o advento da EC n. 45/2004, devem continuar ser ajuizadas na Justiça Comum e (b) as ações em que se discute a contribuição sindical (imposto sindical) de servidor púbico celetista, após o advento da EC n. 45/2004, devem ser ajuizadas na Justiça do Trabalho. Desse modo, deve ser dada nova interpretação ao enunciado n. 222 da Súmula deste STJ ("Compete à Justiça Comum processar e julgar as ações relativas à contribuição sindical prevista no art. 578 da CLT") para abarcar apenas as situações em que a contribuição sindical (imposto sindical) diz respeito a servidores públicos estatutários, mantendo-se a competência para processar e julgar as ações relativas à contribuição sindical referente a celetistas (servidores ou não) na Justiça do Trabalho.
Competência da ANVISA para autorizar cultivo de Cannabis medicinal vedado ao Judiciário
Os Tribunais Superiores já possuem jurisprudência firmada no sentido de considerar que a conduta de importar pequenas quantidades de sementes de maconha não se adequa à forma prevista no art. 33 da Lei de Drogas, subsumindo-se, formalmente, ao tipo penal descrito no art. 334-A do Código Penal, mas cuja tipicidade material é afastada pela aplicação do princípio da insignificância. O controle do cultivo e da manipulação da maconha deve ser limitado aos conhecidos efeitos deletérios atribuídos a algumas substâncias contidas na planta, sendo certo que a própria Lei n. 11.343/2006 permite o manejo de vegetais dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas para fins medicinais ou científicos, desde que autorizado pela União. No atual estágio do debate acerca da regulamentação dos produtos baseados na Cannabis e de desenvolvimento das pesquisas a respeito da eficácia dos medicamentos obtidos a partir da planta, não parece razoável desautorizar a produção artesanal do óleo à base de maconha apenas sob o pretexto da falta de regulamentação. De mais a mais, a própria agência de vigilância sanitária federal já permite a importação de medicamentos à base de maconha, produzidos industrial ou artesanalmente no exterior. Entretanto, tal autorização depende de análise de critérios técnicos que não cabem ao juízo criminal, especialmente em sede de habeas corpus . Essa incumbência está a cargo da própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária que, diante das peculiaridades do caso concreto, poderá autorizar ou não o cultivo e colheita de plantas das quais se possam extrair as substâncias necessárias para a produção artesanal dos medicamentos. Assim, a melhor solução é, inicialmente, submeter a questão ao exame da autarquia responsável pela vigilância sanitária para que analise o caso concreto e decida se é viável a autorização para cultivar e ter a posse de plantas de Cannabis sativa L. para fins medicinais, suprindo a exigência contida no art. 33 da Lei n. 11.343/2006, e, em caso de demora ou de negativa, apresentar o tema ao Poder Judiciário, devendo o pleito ser direcionado à jurisdição cível competente.
Permanência de dependentes e agregados como beneficiários após óbito do titular mediante pagamento integral
Na hipótese de falecimento do titular do plano de saúde coletivo, seja este empresarial ou por adesão, a Terceira Turma decidiu que nasce para os dependentes já inscritos o direito de pleitear a sucessão da titularidade, nos termos dos arts. 30 ou 31 da Lei n. 9.656/1998, a depender da hipótese, desde que assumam o seu pagamento integral (REsp 1.871.326/RS, julgado em 01/09/2020, DJe 09/09/2020). Apesar de o § 3º do art. 30, que trata da hipótese de permanência em caso de morte do beneficiário titular, fazer uso da expressão "dependentes", o § 2º assegura a proteção conferida pelo referido art. 30, de manutenção do plano de saúde nas hipóteses de rompimento do contrato de trabalho do titular, obrigatoriamente, a todo o grupo familiar, sem fazer nenhuma distinção quanto aos agregados. Na linha desse raciocínio, não há como fazer uma interpretação puramente literal e isolada do § 3º do art. 30 da Lei n. 9.656/1998; a interpretação há de ser feita em harmonia com o direito instituído pelo § 2º, garantindo, assim, que, no caso de morte do titular, os membros do grupo familiar - dependentes e agregados - permaneçam como beneficiários no plano de saúde, desde que assumam o pagamento integral, na forma da lei. Ademais, de acordo com o art. 2º, I, "b" da Resolução ANS 295/2012, beneficiário dependente é o beneficiário de plano privado de assistência à saúde cujo vínculo contratual com a operadora depende da existência de relação de dependência ou de agregado a um beneficiário titular
Penhorabilidade de valores excedentes às obrigações tributárias na recompra de CFT-E por instituições de ensino
Conforme a legislação de regência, na medida em que há a prestação do serviço educacional, os títulos Certificados Financeiros do Tesouro - Série E (CFT-E), emitidos pelo Tesouro Nacional, são repassados às Instituições de Ensino Superior (IES) para pagamento exclusivo de contribuições sociais previdenciárias e, subsidiariamente, dos demais tributos administrados pela Receita Federal do Brasil (art. 10, caput e § 3º, da Lei n. 10.260/2001). Após o pagamento dos referidos débitos previdenciários e tributários, o FIES recomprará os valores de titularidade das instituições de ensino que eventualmente sobrepujam as obrigações legalmente vinculadas, resgatando os títulos CFT-E junto às mantenedoras das IES, e entregará o valor financeiro equivalente ao resgate, atualizado pelo Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M). A Terceira Turma do STJ firmou a tese de que os recursos públicos recebidos por instituição de ensino superior privada são impenhoráveis, pois são verbas de aplicação compulsória em educação. Contudo, deve-se fazer uma distinção entre os valores impenhoráveis e aqueles penhoráveis. Os certificados emitidos pelo Tesouro Nacional (CFT-E), de fato, não são penhoráveis, haja vista a vinculação legal da sua aplicação. De outro lado, ao receber os valores decorrentes da recompra de CFT-E, as instituições de ensino incorporam essa verba definitivamente ao seu patrimônio, podendo aplicá-la da forma que melhor atenda aos seus interesses, não havendo nenhuma ingerência do poder público. Assim, havendo disponibilidade plena sobre tais valores, é possível a constrição de tais verbas para pagamento de obrigações decorrentes das relações privadas da instituição de ensino. Ademais, o art. 10, § 1º, da Lei n. 10.260/2001, ao vedar a negociação pelas IES com outras pessoas jurídicas de direito público dos certificados de dívida pública emitidos em favor do FIES, nada dispõe sobre os valores oriundos da recompra dos títulos e que serão incorporados definitivamente ao patrimônio da instituição de ensino. Nota-se, ainda, que se fosse outro o raciocínio adotado, seria necessário que a IES prestasse contas aos órgãos de controle do poder público sobre as quantias recebidas da recompra dos CFT-E, por se tratar de verba pública de aplicação obrigatória, demonstrando que tais valores foram efetivamente aplicados em educação, o que não ocorre. Por conseguinte, vedar a constrição dos valores oriundos da recompra frustraria as expectativas dos credores da instituição de ensino, haja vista que atualmente boa parte de sua renda é proveniente dos repasses do FIES e do processo de recompra dos CFT-E. Dessa forma, não se vislumbra nenhum óbice legal à penhora dos valores oriundos da recompra dos CFT-E, pelo contrário, mostra-se, inclusive, salutar aos ordenamentos jurídico e econômico que essas verbas possam ser objeto de constrição em caso de inadimplemento das obrigações decorrentes das relações privadas das IES, dando maior credibilidade ao sistema jurídico e garantindo aos credores que haverá opções para se buscar o crédito na eventual configuração da mora da instituição de ensino.
Limites do efeito devolutivo da apelação, teoria da causa madura e contraditório
A apelação visa à obtenção de novo pronunciamento sobre a causa, com reforma total ou parcial da sentença do juiz de primeiro grau. Nessa extensão, conforme a doutrina, "as questões de fato e de direito tratadas no processo, sejam de natureza substancial ou processual, voltam a ser conhecidas e examinadas pelo tribunal". Esse recurso é interposto contra sentença (art. 1.009, caput , CPC/2015), podendo compreender todos, ou apenas alguns, itens ou capítulos da decisão judicial recorrida, a depender da delimitação apresentada pelo recorrente na interposição do apelo, limitando, assim, a atuação do órgão ad quem na solução do mérito recursal. O diploma processual civil de 2015 é suficientemente claro ao estabelecer que "a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada", cabendo o órgão ad quem apreciar e julgar "todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado" (art. 1.013, § 1º, do CPC/2015). Assim, o efeito devolutivo da apelação define o que deverá ser analisado pelo órgão recursal. O "tamanho" dessa devolução se definirá por duas variáveis: sua extensão e sua profundidade. A extensão do efeito devolutivo é exatamente a medida daquilo que se submete, por força do recurso, ao julgamento do órgão ad quem . Dentro do âmbito da devolução, o tribunal poderá apreciar todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas pela sentença recorrida, mas a extensão do que será analisado é definida pelo pedido do recorrente. Em seu julgamento, o acórdão deverá se limitar a acolher ou rejeitar o que lhe for requerido pelo apelante, para que não haja ofensa ao princípio da disponibilidade da tutela jurisdicional e o da adstrição do julgamento ao pedido. Sobre o capítulo não impugnado pelo adversário do apelante, e que eventualmente a reforma pudesse significar prejuízo ao recorrente, incide a coisa julgada. Assim, não há se pensar em reformatio in pejus , já que qualquer providência dessa natureza esbarraria na res iudicata . Ademais, é intuitivo concluir que a solução de questão estranha ao que fora estabelecido pelo recorrente - mesmo que exclusivamente referente à matéria de ordem pública -, ao ensejo de decidir o processo ou algum incidente no seu curso, comprometerá a efetividade do contraditório. Cumpre acrescentar, por oportuno, outro viés impeditivo do julgamento pelo órgão ad quem fora dos limites apresentado pelo autor do recurso, sem que haja respeito ao contraditório. É que, ainda que se pretenda valer-se da teoria da causa madura, prestigiada de modo explícito no § 3º do art. 1.013 do CPC/2015, a falta do contraditório acerca da questão decidida se apresentaria como barreira ao próprio cumprimento daquela teoria. Conforme nos ensina a doutrina, para considerar-se madura a causa não basta, por exemplo, que a questão de mérito a ser decidida seja apenas de direito. "Mesmo que não haja prova a ser produzida, não poderá o Tribunal enfrentá-lo no julgamento da apelação formulada contra a sentença terminativa, se uma das partes ainda não teve oportunidade processual adequada de debater a questão de mérito. Estar o processo em condições de imediato julgamento significa, em outras palavras, não apenas envolver o mérito da causa questão só de direito que se deve levar em conta, mas também a necessidade de cumprir o contraditório"