Cabimento de agravo de instrumento contra decisão que define a competência jurisdicional
Na origem, o Tribunal a quo não conheceu do agravo de instrumento, ao entendimento de que "não é cabível o manejo de agravo de instrumento contra decisão que declina competência, uma vez que não prevista esta hipótese no rol taxativo do art. 1.015 do Código de Processo Civil". Por seu turno, no julgamento do recurso especial, a Segunda Turma consignou, in verbis: "4. A interpretação do art. 1.015 do CPC/2015 deve ser, em regra, restritiva, não sendo possível o alargamento das hipóteses para contemplar situações não previstas taxativamente na lista estabelecida para o cabimento do Agravo de Instrumento; 5. As decisões relativas à competência, temática discutida nos presentes autos, estão fora do rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015, não se enquadrando nas hipóteses dos incisos II e XIII. [...]". Ao revés, no acórdão paradigma, ficou consignado que "A decisão que define a competência relativa ou absoluta é semelhante à decisão interlocutória que versa sobre rejeição da alegação de convenção de arbitragem, prevista no art. 1.015, III, do CPC/2015 (porquanto visa afastar o juízo incompetente para a causa) e, como tal, merece tratamento isonômico a autorizar o cabimento do agravo de instrumento." (AgInt nos EDcl no REsp 1.731.330/CE, Rel. Ministro Lázaro Guimarães - Desembargador Convocado do TRF da 5.ª Região, Quarta Turma, DJe 27/08/2018). Como se vê, há patente dissidência entre as teses jurídicas adotadas no acórdão embargado e no paradigma, acerca da possibilidade em se recorrer de decisão que define competência por meio de agravo de instrumento. A propósito, a controvérsia foi objeto de julgamento desta Corte, sob o Rito dos Repetitivos, que adotou entendimento contrário ao esposado no acórdão embargado: "Assim, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, fixa-se a seguinte tese jurídica: "O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação." (REsp 1.704.520/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, DJe 19/12/2018). Por fim, conclui-se ser cabível a interposição de agravo de instrumento para impugnar decisão que define a competência.
Possibilidade de impugnação dos fundamentos do acórdão rescindendo via recurso especial
Inicialmente, anota-se que no acórdão embargado concluiu-se pelo não cabimento do recurso especial interposto em sede de ação rescisória, com base no art. 485, V, do Código de Processo Civil de 1973, porque não se limitara aos seus pressupostos de admissibilidade, impugnando, assim, diretamente o mérito do acórdão rescindendo. O aresto paradigma da Corte Especial, diversamente do aresto embargado, considerou que é viável recurso especial interposto contra acórdão proferido em ação rescisória, baseada no art. 485, V, do CPC/1973, que se insurge contra os fundamentos do acórdão rescindendo. O entendimento do acórdão paradigma mostra-se correto, especialmente quando relacionado ao disposto no art. 485, V, do Código de Processo Civil de 1973 (atualmente art. 966, V, do CPC de 2015), pois se há alegação de violação a literal disposição de lei no acórdão recorrido, o mérito do recurso especial se confunde com os próprios fundamentos para a propositura da ação rescisória, autorizando o STJ a examinar também o acórdão rescindendo. É de se concluir, portanto, que, em relação a ações rescisórias ajuizadas com base no art. 485, V, do CPC de 1973, o recurso especial poderá ultrapassar os pressupostos da ação e chegar ao exame do seu mérito.
Penhora de bens da EIRELI por dívidas do empresário exige incidente de desconsideração
A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada - EIRELI foi introduzida no ordenamento jurídico pátrio pela Lei n. 12.441/2011, com vistas a sanar antiga lacuna legal quanto à limitação do risco patrimonial no exercício individual da empresa. Importa destacar que o fundamento e efeito último da constituição da EIRELI é a separação do patrimônio - e naturalmente, da responsabilidade - entre a pessoa jurídica e a pessoa natural que lhe titulariza. Uma vez constituída a EIRELI, por meio do registro de seu ato constitutivo na Junta Comercial, não mais entrelaçadas estarão as esferas patrimoniais da empresa e do empresário, como explicitamente prescreve o art. 980-A, § 7º, do CC/2002. Assim, na hipótese de indícios de abuso da autonomia patrimonial, a personalidade jurídica da EIRELI pode ser desconsiderada, de modo a atingir os bens particulares do empresário individual para a satisfação de dívidas contraídas pela pessoa jurídica. Também se admite a desconsideração da personalidade jurídica de maneira inversa, quando se constatar a utilização abusiva, pelo empresário individual, da blindagem patrimonial conferida à EIRELI, como forma de ocultar seus bens pessoais. Em uma ou em outra situação, todavia, é imprescindível a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica de que tratam os arts. 133 e seguintes do CPC/2015, de modo a permitir a inclusão do novo sujeito no processo - o empresário individual ou a EIRELI -, atingido em seu patrimônio em decorrência da medida.
Indispensabilidade do quinto julgador na técnica de julgamento ampliado do CPC
A técnica de ampliação do colegiado previu a inclusão de julgadores adicionais, conforme dispõe o art. 942 do CPC/2015, "em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores". A doutrina descreve que o quórum ampliado será composto, pelo menos, por 3 (três) membros do órgão colegiado mais - no mínimo - 2 (dois) julgadores convocados segundo as regras do regimento interno do tribunal. O fundamento da mencionada composição do colegiado ampliado está relacionado não só com o respeito ao princípio do juízo natural, mas também com a possibilidade de, com a inclusão de 2 (dois) e não apenas 1 (um) desembargador, maximizar e aprofundar as discussões jurídicas ou fáticas a respeito da divergência então instaurada, possibilitando, para tanto, inclusive, nova sustentação oral. Isso porque a técnica do julgamento tem como intenção privilegiar, sobretudo, o debate ampliado de ideias, com o reforço do "contraditório, assegurando às partes o direito de influência para que possam ter a chance de participar do convencimento dos julgadores que ainda não conhecem o caso". Diante dessa característica, mostra-se de todo insuficiente reduzir a aludida técnica a uma mera busca pela maioria de votos, como concebido pelo acórdão recorrido. Com tal postura, a Corte estadual desatende a proposta de ampliação dos debates em sua inteireza, bem como torna ineficaz o disposto no § 2º do art. 942 do CPC/2015 que autorizou expressamente que "os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento". Com base nessa previsão legal, aliás, não é possível presumir, como feito pela Corte de origem, que o quinto julgador não teria nenhuma influência sobre o resultado final do acórdão. Tal equivocada conclusão contraria frontalmente a proposta da técnica ampliada. Por esses motivos, não é possível admitir a dispensa do quinto julgador, integrante necessário da composição do quórum ampliado do art. 942 do Código de Processo Civil de 2015, sob o argumento de que, com o voto do quarto desembargador, já teria sido atingida a maioria sem possibilidade de inversão do resultado.
Juros moratórios em cheque não apresentado incidem desde o primeiro ato de cobrança
Cinge-se a controvérsia sobre o termo inicial dos juros moratórios para a cobrança de cheque prescrito não apresentado para pagamento junto ao banco sacado. Esta Corte, no julgamento do Recurso Repetitivo 1.556.834/SP sedimentou o seguinte entendimento: "Em qualquer ação utilizada pelo portador para cobrança de cheque, a correção monetária incide a partir da data de emissão estampada na cártula, e os juros de mora a contar da primeira apresentação à instituição financeira sacada ou câmara de compensação." (REsp 1556834/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, DJe 10/08/2016). Assim, consoante se extrai do referido julgado, o termo inicial dos juros de mora depende da apresentação da cártula à instituição financeira sacada, o que vai ao encontro do disposto no art. 52, inciso II, da Lei n. 7.357/1985, que dispõe sobre o cheque e dá outras providências. Na hipótese analisada, contudo, não houve apresentação do cheque ao banco sacado, ou tampouco a adoção de qualquer providência no sentido da cobrança da dívida. A apresentação não constitui requisito intrínseco para que se possa cobrar do emitente a dívida inserta na cártula, porém, nos termos da lei de regência, se efetivada a apresentação para pagamento ao banco sacado, os juros moratórios tem incidência a partir da referida data nos termos do artigo 52, inciso II da Lei n. 7357/1985. O ponto nodal é se quando não realizado tal procedimento - apresentação - os encargos moratórios incidentes ficariam protraídos para termo futuro ou retroagiriam para a data do vencimento da dívída ou da assinatura do título. O valor estampado na cártula constitui dívida líquida e com vencimento certo, o que, em princípio poderia atrair a aplicação do artigo 397 do Código Civil de 2002, antigo 960 do diploma civilista revogado, considerando-se em mora o devedor desde o vencimento. Tal compreensão, em princípio, e sem que se fizesse o devido distinguishing, viria ao encontro do entendimento sedimentado no âmbito da Corte Especial segundo o qual a circunstância da dívida ter sido cobrada por meio de ação monitória não interfere na data de início da fluência dos juros de mora, a qual recairia no dia do vencimento, conforme estabelecido pela relação de direito material. Entretanto, é imprescindível mencionar que essa assertiva, contrasta com o disposto no art. 52, inciso II, da Lei n. 7357/1985 - regra especial atinente ao título de crédito ora objeto de análise - e não observa o instituto duty to mitigate the loss. Com efeito, a inércia do credor jamais pode ser premiada, motivo pelo qual o termo inicial dos juros de mora deve levar em conta um ato concreto do interessado tendente a satisfazer o seu crédito. Como já referido, a Lei do Cheque (Lei n. 7.357/1985) possui regra expressa que disciplina os juros relacionados com a cobrança de crédito estampado neste título. Segundo o referido texto legal, os juros de mora devem ser contados desde a data da primeira apresentação do cheque pelo portador à instituição financeira, conforme previsto no art. 52, inciso II. Por força do disposto no normativo acima mencionado, a obrigação decorrente do cheque, a despeito de ser uma forma de pagamento à vista, ganha os contornos da mora ex persona, em virtude de ser um título cuja relação cambiária é tripartite - emitente (sacador): aquele que dá a ordem de pagamento; sacado: aquele que recebe a ordem de pagamento (o banco) e beneficiário (tomador, portador): é o favorecido da ordem de pagamento, ou seja, aquele que tem o direito de receber o valor escrito no cheque, não bastando para a configuração da mora o decurso do prazo estampado para o vencimento do título, por constituir ordem para que terceiro (banco sacado) realize o pagamento da quantia na cártula, ou seja, demanda, por este motivo, uma atuação comissiva do credor. A Corte Especial, em recentíssimo pronunciamento (EAREsp 502.132/RS, Rel. Ministro Raul Araújo, Corte Especial, DJe 03/08/2021), procurou elucidar a questão envolvendo a mora do devedor, oportunidade na qual concluiu que "não é o meio judicial de cobrança da dívida que define o termo inicial dos juros moratórios nas relações contratuais, mas sim a natureza da obrigação ou a determinação legal de que haja interpelação judicial ou extrajudicial para a formal constituição do devedor em mora". Acrescentou, ainda, "que a mora do devedor pode se configurar de distintas formas, de acordo com a natureza da relação jurídico-material estabelecida entre as partes ou conforme exigência legal". Nesse contexto, em consonância ao entendimento firmado no Recurso Repetitivo 1.556.834/SP, no novo pronunciamento da Corte Especial (EAREsp 502.132/RS), com base no regramento especial da Lei n. 7.357/1985, a melhor interpretação a ser dada quando o cheque não for apresentado à instituição financeira sacada para a respectiva compensação, é aquela que reconhece o termo inicial dos juros de mora a partir do primeiro ato do credor no sentido de satisfazer o seu crédito, o que pode se dar pela apresentação, protesto, notificação extrajudicial, ou, como no caso concreto, pela citação (art. 219 do CPC/73 correspondente ao art. 240 do CPC/15).