Impossibilidade de redirecionamento da execução fiscal ao ex-sócio-gerente retirante antes da dissolução irregular
A controvérsia ora em apreciação, submetida ao rito dos recursos especiais repetitivos, nos termos dos arts. 1.036 a 1.041 do CPC/2015, restou assim delimitada: "Possibilidade de redirecionamento da execução fiscal contra o sócio que, apesar de exercer a gerência da empresa devedora à época do fato tributário, dela regularmente se afastou, sem dar causa, portanto, à posterior dissolução irregular da sociedade empresária" (Tema 962/STJ). A Primeira Seção do STJ, ao julgar, sob o rito dos recursos repetitivos, o Recurso Especial 1.101.728/SP (Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, DJe de 23/03/2009), fixou a tese de que "a simples falta de pagamento do tributo não configura, por si só, nem em tese, circunstância que acarreta a responsabilidade subsidiária do sócio, prevista no art. 135 do CTN. É indispensável, para tanto, que tenha agido com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto da empresa" (Tema 97 do STJ). No mesmo sentido dispõe a Súmula 430/STJ ("O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente"). É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que, à luz do art. 135, III, do CTN, não se admite o redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da pessoa jurídica executada, contra o sócio e o terceiro não sócio que, embora exercessem poderes de gerência ao tempo do fato gerador, sem a prática de ato com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos, dela regularmente se retiraram e não deram causa à sua posterior dissolução irregular. A própria Fazenda Nacional, embora, a princípio, defendesse a responsabilização do sócio-gerente à época do fato gerador, curvou-se à tese prevalecente no Superior Tribunal de Justiça, como se depreende da alteração da Portaria PGFN n. 180/2010, promovida pela Portaria PGFN n. 713/2011.
Incomunicabilidade de bens adquiridos no namoro na partilha de divórcio
Nos termos dos artigos 1.661 e 1.659 do Código Civil de 2002, não se comunicam, na partilha decorrente de divórcio, os bens obtidos com valores aferidos exclusivamente a partir de patrimônio pertencente a um dos ex-cônjuges durante o namoro. No caso, o imóvel foi adquirido anteriormente à configuração da affectio maritalis, que retrata a manifesta intenção das partes constituírem uma família de fato. O bem objeto da partilha foi adquirido durante o namoro com recursos exclusivos de uma das partes. Desse modo, o ex-cônjuge não faz jus a nenhum benefício patrimonial decorrente do negócio jurídico, sob pena de a circunstância configurar um manifesto enriquecimento sem causa. Assim, a parte arcou de forma autônoma e independente com os valores para a aquisição do bem, motivo pelo qual o pagamento de financiamento remanescente, assumido pela compradora, não repercute em posterior partilha por ocasião do divórcio, porquanto montante estranho à comunhão de bens.
Limites da responsabilidade civil e deveres legais dos provedores de e-mail
1ª Tese: Não há previsão legal atribuindo aos provedores de aplicações que oferecem serviços de e-mail, o dever de armazenar as mensagens recebidas ou enviadas pelo usuário e que foram deletadas. Inicialmente cumpre salientar que a partir do Marco Civil da Internet, em razão de suas diferentes responsabilidades e atribuições, é possível distinguir simplesmente duas categorias de provedores: (i) os provedores de conexão; e (ii) os provedores de aplicação. Os provedores de conexão são aqueles que oferecem "a habilitação de um terminal para envio e recebimento de pacotes de dados pela internet, mediante a atribuição ou autenticação de um endereço IP" (art. 5º, V, MCI). No Brasil, os provedores de conexão acabam, em sua maioria, confundindo-se com os próprios prestadores de serviços de telecomunicações, que, em conjunto, detêm a esmagadora maioria de participação neste mercado. Por sua vez, utilizando as definições estabelecidas pelo art. 5º, VII, do Marco Civil da Internet, uma "aplicação de internet" é o conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet. Como é possível perceber, essas funcionalidades podem ser as mais diversas, tais como serviços de e-mail, redes sociais, hospedagem de dados, compartilhamento de vídeos, e muitas outras ainda a serem inventadas. Por consequência, os provedores de aplicação são aqueles que, sejam com ou sem fins lucrativos, organizam-se para o fornecimento dessas funcionalidades na internet. No Marco Civil da Internet, há apenas duas categorias de dados que devem ser obrigatoriamente armazenados: os registros de conexão (art. 13) e os registros de acesso à aplicação (art. 15). Os primeiros devem ser armazenados pelo prazo de 01 (um) ano, enquanto os últimos devem ser mantidos por 06 (seis) meses. A previsão legal para guarda desses dados objetiva facilitar a identificação de usuários da internet pelas autoridades competentes, haja vista que a responsabilização dos usuários é um dos princípios do uso da internet no Brasil, conforme o art. 3º, VI, da mencionada lei. A restrição dos dados a serem armazenados pelos provedores de conexão e de aplicação visa a garantir a privacidade e a proteção da vida privada dos cidadãos usuários da Internet. Diminui-se, assim, a quantidade de dados pessoais que cada um dos atores da internet possui, como forma de prevenção ao abuso da posse dessas informações. Assim, percebe-se que a opção legislativa adotada para os provedores de aplicação de internet está direcionada no sentido de restringir a quantidade de informações a serem armazenadas pelas empresas para apenas o necessário para a condução de suas atividades. Não há previsão legal atribuindo aos provedores de aplicações que oferecem serviços de e-mail o dever de armazenar as mensagens recebidas ou enviadas pelo usuário e que foram deletadas. 2ª Tese: O provedor de aplicações que oferece serviços de e-mail não pode ser responsabilizado pelos danos materiais decorrentes da transferência de bitcoins realizada por hacker. Inicialmente cumpre salientar que as criptomoedas utilizam a tecnologia blockchain, a qual é baseada na confiança na rede e viabiliza, de forma inovadora, a realização de transações online sem a necessidade de um intermediário. O blockchain fornece, assim, segurança à rede, estando assentado em quatro pilares: (i) segurança das operações, (ii) descentralização de armazenamento, (iii) integridade de dados e (iv) imutabilidade de transações. Segundo a doutrina "para realizar transações em bitcoins, após a criação da carteira e a presença de bitcoins nela, o usuário poderá criar 'endereços Bitcoin' (instruções de pagamento intra sistema que ditam o fluxo de pagamento) indicando quantas bitcoins devem ser entregues a qual carteira e quando tal transferência deve ocorrer. Cada transação específica somente pode ser realizada mediante a utilização de senha específica que cada pagador e cada recebedor tem de digitar, chamada de 'private key', um sistema que se vale de criptografia para proteção das informações". A chave privada viabiliza o acesso do usuário à sua carteira de bitcoins, na qual constam informações sobre as criptomoedas controladas e é possível a realização de pagamentos a outros usuários. A chave privada não deve, destarte, ser revelada e deve ser guardada pelo usuário, já que inexiste, atualmente, maneira de recuperá-la. No âmbito do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade do fornecedor prescinde do elemento culpa, pois funda-se na teoria do risco da atividade (REsp 1.580.432/SP, DJe 04/02/2019). Em consequência, para emergir a responsabilidade do fornecedor de serviços, é suficiente a comprovação (i) do dano; (ii) da falha na prestação dos serviços e (iii) do nexo de causalidade entre o prejuízo e o vício ou defeito do serviço. Com relação ao último pressuposto, o dever de indenizar só nasce quando houver um liame de causalidade entre a conduta do agente e o resultado danoso. No caso, o recorrente atribui à recorrida a responsabilidade pelos danos materiais suportados pois, segundo alega, ao acessar o seu e-mail, o hacker teve acesso à mensagem eletrônica contendo o link enviado pela empresa gerenciadora das criptomoedas. Ocorre que o acesso à carteira de criptomoedas exige, necessariamente, a indicação da chave privada. Ou seja, ainda que a gerenciadora adote o sistema de dupla autenticação, qual seja, digitação da senha e envio, via e-mail, do link de acesso temporário, a simples entrada neste é insuficiente para propiciar o ingresso na carteira virtual e, consequentemente, viabilizar a transação das cryptocoins. Deste modo, não configurado o nexo de causalidade, é descabida a pretendida responsabilidade pelo prejuízo material experimentado.
Inexigibilidade de filtros proativos por provedores de busca para remoção de resultados ofensivos
Inicialmente cumpre salientar que mesmo antes do advento da Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), a orientação jurisprudencial deste Superior Tribunal de Justiça era de que "os provedores de pesquisa não podem ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados da busca de determinado termo ou expressão" (AgInt no REsp 1.593.873/SP, Terceira Turma, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe de 17/11/2016). Cumpre destacar, inclusive, que antes da entrada em vigor da Lei n. 12.965/2014, nem mesmo a indicação expressa do URL da página dotada de conteúdo apontado como infringente autorizava a imposição desse ônus aos provedores de aplicações de pesquisa virtual. Mesmo com a entrada em vigor do Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/2014), ficou mantido o entendimento de que não cabe aos provedores de pesquisa exercer controle prévio de filtragem de resultados de busca ou de determinados arquivos associados a parâmetros de pesquisa definidos por usuários outros daquele serviço de aplicação. Em verdade, revela-se um contrassenso afirmar que aos provedores de aplicações de pesquisa não se pode impor o ônus de promover o controle prévio de seus resultados para fins de supressão de links relacionados com conteúdo manifestamente ilícito gerado por terceiros e impor a eles a obrigação de remover todos os links provenientes dos resultados de busca relacionados aos nomes das partes. É muito importante, por isso, notar que há diferença ontológica entre desindexação de resultados de busca e remoção/exclusão de conteúdo específico constante de páginas precisamente indicadas pelos URLs. No caso concreto, parte do pedido inicial formulado deve ser interpretado como desindexação de resultados de busca, pois postula-se que seja determinado fazer cessar a localização do link específico. Em última análise, referido pleito caracteriza-se como exclusão de resultados de buscas a partir da combinação de termos de pesquisa ou palavras-chaves - procedimento repudiado pela orientação jurisprudencial do STJ -, e que não se confunde com a simples remoção de conteúdo pela indicação específica de URLs. Assim, não se pode impor a provedores de buscas a obrigação genérica de desindexar resultados obtidos a partir do arquivo ilicitamente divulgado na internet.
Art. 155 do CPP no Tribunal do Júri veda condenação por prova sem contraditório judicial
Consoante o entendimento atual da Quinta e Sexta Turmas deste STJ, o art. 155 do CPP não se aplica aos vereditos do tribunal do júri. Isso porque, tendo em vista o sistema de convicção íntima que rege seus julgamentos, seria inviável aferir quais provas motivaram a condenação. Tal compreensão, todavia, encontra-se em contradição com novas orientações jurisprudenciais consolidadas neste colegiado no ano de 2021. No HC 560.552/RS, a Quinta Turma decidiu que o art. 155 do CPP incide também sobre a pronúncia. Destarte, recusar a incidência do referido dispositivo aos vereditos condenatórios equivaleria, na prática, a exigir um standard probatório mais rígido para a admissão da acusação do que aquele aplicável a uma condenação definitiva. Não há produção de prova, mas somente coleta de elementos informativos, durante o inquérito policial. Prova é aquela produzida no processo judicial, sob o crivo do contraditório, e assim capaz de oferecer maior segurança na reconstrução histórica dos fatos. Consoante o entendimento firmado no julgamento do AREsp 1.803.562/CE, embora os jurados não precisem motivar suas decisões, os Tribunais locais - quando confrontados com apelações defensivas - precisam fazê-lo, indicando se existem provas capazes de demonstrar cada elemento essencial do crime. Se o Tribunal não identificar nenhuma prova judicializada sobre determinado elemento essencial do crime, mas somente indícios oriundos do inquérito policial, há duas situações possíveis: ou o aresto é omisso, por deixar de analisar uma prova relevante, ou tal prova realmente não existe, o que viola o art. 155 do CPP.