Obrigatoriedade de notificação ao CADE de acordos de cooperação com efeitos concorrenciais no Brasil
Inicialmente cumpre salientar que o art. 2º da Lei n. 8.884/1994 adota a teoria dos efeitos segundo a qual a legislação brasileira antitruste aplica-se a fatos ocorridos no exterior cujas implicações possam afetar, no todo ou em parte, o território nacional. A verificação empírica da produção de consequências locais de acordos restritivos da concorrência praticados em solo alienígena exige avaliação do grau de impacto de tais atos para determinado mercado relevante, compreendido como o espaço geográfico onde produtos podem ser produzidos, vendidos e razoavelmente substituídos uns pelos outros, e no qual a atuação dos agentes econômicos possui aptidão para influir na conduta praticada pelos demais players do mercado. A regra do art. 54, caput, da Lei n. 8.884/1994 constitui cláusula geral cuja aplicação propicia às autoridades antitruste a averiguação de qualquer espécie de ato cooperativo entre agentes econômicos capaz de limitar ou prejudicar a livre concorrência, ou, ainda, de que resulte dominação de mercados relevantes, e cuja subsunção ao parâmetro normativo exige análise casuística. A par dessa orientação, o § 3º do art. 54 da Lei n. 8.884/1994 prescreve a necessária submissão de certos atos ou acordos econômicos ao crivo do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, presumindo a potencialidade lesiva para o âmbito concorrencial. Nesse sentido, a lei estabelece como de apresentação obrigatória os atos nos quais haja a participação de empresa ou grupo de empresas detentores de mais de 20% do mercado relevante, ou quando qualquer dos participantes tenha registrado faturamento bruto anual no último balanço equivalente a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais), montante a ser aferido no Brasil. Nessas circunstâncias, resta clara a aptidão lesiva para mercado relevante que abrange o território nacional, visto que agentes econômicos brasileiros atuam diretamente no desenvolvimento de sementes variadas mediante melhoramento genético com o intuito de incrementar a produção agrícola, atividade cuja notória participação no Produto Interno Bruto - PIB dimensiona a relevância do mercado de biotecnologia para o cenário local. A obrigatoriedade de controle preventivo do contrato em tela não implica a automática desaprovação do ato restritivo, uma vez que, apesar de o art. 54, § 3º, da Lei n. 8.884/1994 presumir a capacidade danosa do acordo para o mercado relevante, a análise de mérito leva em consideração diretriz distinta para avaliar o cariz dos efeitos concorrenciais, a exemplo do incremento de produtividade, da melhora da qualidade de bens ou serviços e dos ganhos de eficiência econômica e tecnológica para o respectivo setor (art. 54, § 1º, da Lei n. 8.884/1994), razão pela qual a apresentação compulsória do negócio jurídico ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) é calcada no princípio da precaução e diz com o caráter preventivo da atuação da autarquia, cujas conclusões substanciais podem caminhar no sentido da aprovação do ato por ausência de consequências nocivas.
Litisconsórcio passivo necessário entre União e ente subnacional em reequilíbrio econômico-financeiro no SUS
Segundo o art. 24 da Lei n. 8.080/1990, o Sistema Único de Saúde poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada, visando a complementar a cobertura assistencial da população de uma determinada área, por intermédio de convênio ou contrato administrativo. No caso, hospital privado, prestador de serviços médico-hospitalares ao Sistema Único de Saúde - SUS, na modalidade complementar, busca a revisão dos valores que, a esse título, vêm sendo pagos pelo Poder Público, sob a alegação de desequilíbrio econômico-financeiro provocado pela defasagem na Tabela de Procedimentos Ambulatoriais e Hospitalares do Sistema Único de Saúde - SUS. Pleiteia seja a União condenada a lhe ressarcir os valores pagos a menor anteriormente. A definição de critérios e valores para a remuneração dos serviços prestados nesse âmbito da Saúde Complementar é competência da direção nacional do SUS, em harmonia com a aprovação pelo Conselho Nacional de Saúde, conforme gizado no art. 26 da mesma Lei n. 8.080/1990. Nesse panorama normativo, então, resta evidente a legitimidade passiva da União, em lide na qual se reivindique a revisão de valores da tabela do SUS, que se aleguem defasados. Assim, nos casos em que a demanda busca a revisão da Tabela de Procedimentos do SUS em relação à Tabela Única Nacional de Equivalência de Procedimentos - TUNEP, a título de preservação do equilíbrio econômico-financeiro de contrato ou convênio firmado com hospitais particulares para prestação de serviços de saúde em caráter complementar, o polo passivo deve ser composto pela União. Os instrumentos públicos, direcionados para a complementação dos serviços oferecidos pela rede pública de saúde, possuem um denominador comum, a saber: a realização direta de compras e serviços junto à iniciativa privada, mas por entes municipais ou estaduais, cabendo à União apenas a fixação e o repasse de recursos. O SUS é cofinanciado pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e também pelos Municípios, conforme percentuais estabelecidos na Constituição Federal e na Lei Complementar 141/2012, cujas respectivos montantes formam o Fundo Nacional da Saúde. Essa complementariedade/sobreposição de recursos, somada ao caráter contratual da relação estabelecida com os hospitais privados, permite a conclusão de que, havendo alegação de desequilíbrio na equação econômico-financeira, o polo passivo da demanda deverá ser integrado não só pela União, a quem compete o tabelamento de preços e a transferência de recursos, mas, também e necessariamente, pelo contratante doméstico, a saber, Estado, Distrito Federal ou Município que, sem a presença da União na relação negocial, tenham contratado hospitais particulares para a prestação de serviços de saúde em regime complementar.
Sentença trabalhista homologatória como início de prova material previdenciária demandando contemporaneidade probatória
Trata-se de Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei - PUIL, fundamentado no art. 14, § 4º, da Lei n. 10.259/2001, apresentado pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, em face de acórdão da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, no qual se discute a validade da sentença trabalhista, meramente homologatória de acordo, como início de prova material, na forma do art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/1991. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no âmbito da Primeira e da Segunda Turmas, é firme no sentido de que "a sentença trabalhista somente será admitida como início de prova material caso ela tenha sido fundada em outros elementos de prova que evidenciem o labor exercido na função e no período alegado pelo Segurado. (...) Nos termos do art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/1991, a comprovação do tempo de serviço, para os efeitos dessa lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, só produzirá efeito quando baseada em indício de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito" (STJ, AgInt no AREsp 1.078.726/PE Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 01/10/2020). O entendimento firmado no STJ está fundamentado na circunstância de que, não havendo instrução probatória, com início de prova material, tampouco exame de mérito da demanda trabalhista - a demonstrar, efetivamente, o exercício da atividade laboral, apontando o trabalho desempenhado, no período correspondente -, não haverá início válido de prova material, apto à comprovação de tempo de serviço, na forma do art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/1991. A Súmula 149/STJ dispõe que "a prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário". O art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/1991 - que estabelece norma especial, com regramento específico para a prova do tempo de serviço no RGPS - teve a sua constitucionalidade reconhecida pelo STF: "A teor do disposto no § 3º do artigo 55 da Lei n. 8.213/1991, o tempo de serviço há de ser relevado mediante início de prova documental, não sendo admitida, exceto ante motivo de força maior ou caso fortuito, a exclusivamente testemunhal. Decisão em tal sentido não vulnera os preceitos do artigo 5º, incisos LV e LVI, 6º e 7º, inciso XXIV, da Constituição Federal" (STF, RE 226.772-4/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio, Segunda Turma, DJU 06/10/2000). O § 3º do art. 55 da Lei n. 8.213/1991 - que exige início de prova material para comprovação do tempo de serviço, não admitindo, para tal fim, a prova exclusivamente testemunhal, "exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento" - teve a sua redação alterada pela Lei n. 13.846/2019, que acrescentou a exigência de início de prova material contemporânea dos fatos. A jurisprudência desta Corte, embora não exija que o documento apresentado como início de prova material abranja todo o lapso controvertido, considera indispensável a sua contemporaneidade com os fatos alegados, devendo, assim, corresponder, pelo menos, a uma fração do período alegado, corroborado por idônea e robusta prova testemunhal, que amplie sua eficácia probatória. Em regra, a sentença trabalhista homologatória de acordo não é, por si só, contemporânea dos fatos que provariam o tempo de serviço, referindo-se ela a fatos pretéritos, anteriores à sua prolação, e, nessa medida, não atende ao art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/1991, que exige início de prova material contemporânea dos fatos, e não posterior a eles.
Competência e cooperação entre juízo da recuperação judicial e execução fiscal nos atos constritivos
A controvérsia consiste em definir a atitude a ser tomada pelo Juízo da Recuperação Judicial após a comunicação de que o Juízo da Execução Fiscal constringiu bens ou direitos de titularidade de sociedade recuperanda, à luz da redação do § 7º-B do art. 6º, introduzido pela Lei n. 14.112/2020, na Lei n. 11.101/2005, e do julgamento da Segunda Seção no Conflito de Competência n. 181.190/AC, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Belizze. Nos termos tanto da legislação tributária quanto da própria Lei Falimentar e de Recuperações, a execução fiscal e os créditos tributários não perdem sua autonomia e privilégios na recuperação judicial. Tanto é assim que, para que seja deferida a recuperação judicial, a lei exige que a sociedade interessada apresente, após a aprovação do plano pela assembleia-geral de credores, as certidões negativas de débitos tributários, conforme previsto no art. 57 da Lei n. 11.101/2005. Contudo, tem sido deferida a recuperação judicial da sociedade empresária apesar de não estarem resolvidas as pendências tributárias na ocasião em que aprovado o plano, quer pela quitação das dívidas, quer pela obtenção do parcelamento. Por sua vez, a redação do assinalado § 7º-B admitiu a competência do juízo da recuperação judicial apenas para determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial. Nesses termos, compete ao Juízo da execução fiscal prescrever os atos executivos que considerar adequados e comunicar (iniciativa que também cabe a terceiros interessados) a decisão ao Juízo recuperacional, que terá a faculdade de substituir o bem constrito por outro ou de formular proposta alternativa de satisfação do crédito, em procedimento de cooperação judicial. Desse modo, esclarece-se que, segundo a jurisprudência da Segunda Seção, o Juízo da Recuperação Judicial não poderá anular (ou simplesmente desconsiderar ou suspender) os atos de constrição, porque o novo regramento da questão exige dele postura proativa, cooperativa, que também contemple os interesses da Fazenda Pública, somente se opondo aos atos constritivos de forma fundamentada e razoável. Assim, o Juízo da Recuperação Judicial poderá, ainda, formular proposta alternativa de satisfação do crédito, em procedimento de cooperação judicial, em atenção ao que preconiza o art. 69, § 2º, IV, do CPC. Portanto, à luz do art. 6º da Lei n. 11.101/2005 e do § 7º-B, dos arts. 67 a 69 do CPC/2015, e da jurisprudência desta Corte (CC 181.190/AC, Relator Ministro Marco Aurélio Belizze), compete: 1.1) ao Juízo da Execução Fiscal, determinar os atos de constrição judicial sobre bens e direitos de sociedade empresária em recuperação judicial, sem proceder à alienação ou levantamento de quantia penhorada, comunicando aquela medida ao juízo da recuperação, como dever de cooperação; e 1.2) ao Juízo da Recuperação Judicial, tomando ciência daquela constrição, exercer juízo de controle e deliberar sobre a substituição do ato constritivo que recaia sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento do procedimento de soerguimento, podendo formular proposta alternativa de satisfação do crédito, em procedimento de cooperação recíproca.
Ação rescisória por prova nova preexistente não apresentada por desconhecimento ou impossibilidade
De início, ressalta-se que um novo documento apresentado à lide pode conduzir a desconstituição do título judicial transitado. Mas, como já declarado pelo Superior Tribunal de Justiça a partir da norma contida no art. 485, VII, do CPC/1973, a apresentação de nova prova é um vício rescisório quando, apesar de preexistente ao julgado, não foi juntada ao processo originário pelo interessado por desconhecimento ou por impossibilidade. No caso, a rescisória foi demandada com a apresentação de documento anterior ao trânsito em julgado do acórdão rescindendo que seria capaz de demonstrar o pagamento de Gratificação pelo Regime Especial de Trabalho da Administração Fazendária - RETAF sem distinções para os servidores, inclusive para aqueles que ocuparam o mesmo cargo do ex-servidor falecido. Contudo, a requerente defendeu a existência de um documento que lhe é favorável em dois parágrafos da petição inicial que não são suficientes para explicar a razão pela qual não tinha conhecimento desse documento ou, ainda, o motivo que a impediu de apresentar essa prova ainda na fase de conhecimento do processo original. Dessa forma, o vício redibitório previsto no art. 966, VII, do CPC/2015 não se faz presente, pois não houve demonstração de que o documento indicado como novo, apesar de preexistente à coisa julgada, era ignorado pelo interessado ou de impossível obtenção para utilização no processo que formou o julgado ora rescindendo.