Inexistência de responsabilidade solidária da vendedora por cancelamento de voo pela companhia aérea
Cinge-se a controvérsia a saber se a sociedade empresarial que apenas vendeu as passagens aéreas tem responsabilidade pelo cancelamento do voo. Inicialmente, constata-se que na ocorrência da compra de passagem, não houve nenhum defeito na prestação do serviço contratado junto à sociedade empresária, pois as passagens aéreas foram devidamente emitidas, não lhe incumbindo a responsabilidade pelo efetivo cumprimento do contrato de transporte aéreo com a companhia. Com efeito, os fatos demonstram a incidência da exclusão de responsabilidade do fornecedor, prevista no art. 14, § 3º, incisos I e II, do Código de Defesa do Consumidor, pois, de um lado, não existe defeito em relação à prestação do serviço que incumbia à empresa que intermediou a venda da passagem (emissão dos bilhetes aéreos), e, de outro, houve culpa exclusiva de terceiro, companhia aérea, no tocante ao cancelamento do voo contratado. Conquanto as normas do Estatuto Consumerista (CDC) tenham como finalidade a busca pelo equilíbrio nas relações de consumo, trazendo princípios e regras próprias para proteger o consumidor de eventuais prejuízos na aquisição de produtos e serviços, dentre as quais está a responsabilidade solidária, a sua aplicação não pode ultrapassar os limites da razoabilidade, tanto que o próprio diploma consumerista traz hipóteses de exclusão da responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços.
Irrecorribilidade do indeferimento de ingresso de amicus curiae e impossibilidade de agravo interno
Cinge-se a controvérsia a analisar o cabimento de agravo interno contra decisão que indefere o ingresso de terceiro na qualidade de amicus curiae em recurso especial representatitvo de controvérsia. Na doutrina, verifica-se que o cabimento do agravo interno contra decisão que indefere o ingresso do amicus curiae no feito tem encontrado defensores em dois sentidos: ora em favor da irrecorribilidade, defendendo que "o art. 138, caput, generalizou a inadmissibilidade do recurso próprio contra o ato admitindo, ou não, a intervenção do amicus curiae, excepcionando, nesse caso, o art. 1.015, IX, do NCPC", ora em defesa da recorribilidade, firme no sentido de que "o juiz ou relator poderá, 'por decisão irrecorrível', 'solicitar ou admitir' a intervenção de amicus curiae. Vê-se, assim, que a lei processual não estabelece a irrecorribilidade da decisão que não admite a intervenção de amicus curiae, mas apenas daquela que o admite. De igual modo, nesta Corte, em um primeiro momento, a Primeira Seção do STJ, sem maiores embates, em 22/3/2017, no julgamento do AgRg na PET no REsp 1.336.026/PE (Rel. Ministro Og Fernandes, Primeira Seção, DJe de 28/3/2017), conheceu do agravo interno, interposto contra decisão que inadmitira o ingresso no feito de amicus curiae, negando-lhe, contudo, provimento. Na mesma linha, no julgamento do AgInt na Pet no REsp 1.657.156/RJ (Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe de 3/10/2017), após amplo debate, em 27/9/2017, a Primeira Seção também concluiu, por unanimidade, ser cabível a interposição de agravo interno contra a decisão que não admite a participação de terceiro como amicus curiae, considerando irrecorrível apenas a decisão que solicita ou admite tal participação, nos termos da interpretação literal dada ao art. 138 do CPC. Todavia, ainda que tal posição tenha sido vencedora, em um primeiro momento, existem precedentes ? inclusive posteriores aos mencionados julgamentos da Primeira Seção, ora no sentido do não cabimento do recurso contra decisão que indefere o pedido de ingresso de amicus curiae, ora no sentido de seu cabimento. A dissipar dúvidas sobre o tema, a Corte Especial do STJ, por unanimidade, em 1º/8/2018, no julgamento da Questão de Ordem no REsp 1.696.396/MT, afetado sob o rito dos recursos repetitivos, decidiu que "a leitura do art. 138 do CPC/2015, não deixa dúvida de que a decisão unipessoal que verse sobre a admissibilidade do amicus curiae não é impugnável por agravo interno, seja porque o caput expressamente a coloca como uma decisão irrecorrível, seja porque o §1º expressamente diz que a intervenção não autoriza a interposição de recursos, ressalvada a oposição de embargos de declaração ou a interposição de recurso contra a decisão que julgar o IRDR" (QO no REsp 1.696.396/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, DJe de 19/12/2018).
Legitimidade do Ministério Público para requerer medidas protetivas em ACP por violência contra a mulher
A controvérsia refere-se à legitimidade, ou não, do Ministério Público para requerer, em ação civil pública, medida protetiva de urgência em favor de mulher vítima de violência doméstica. O art. 25 da Lei n. 11.343/2006 determina que o Ministério Público é legítimo para atuar nas causas cíveis e criminais decorrentes da violência doméstica e familiar contra a mulher. A Primeira Seção desta Corte Superior, em recurso repetitivo, firmou a tese de que o Ministério Público é parte legítima para pleitear tratamento médico ou entrega de medicamentos nas demandas de saúde propostas contra os entes federativos, mesmo quando se tratar de feitos contendo beneficiários individualizados, porque se trata de direitos individuais indisponíveis. Segundo este Tribunal, o limite para a legitimidade da atuação judicial do Ministério Público vincula-se à disponibilidade, ou não, dos direitos individuais vindicados, isto é, tratando-se de direitos individuais disponíveis, e não havendo uma lei específica autorizando, de forma excepcional, a atuação dessa instituição permanente, não se pode falar em legitimidade de sua atuação. Contudo, se se tratar de direitos ou interesses indisponíveis, a legitimidade ministerial decorre do art. 1º da Lei n. 8.625/1993. Outrossim, esta Corte entende que é viável a ação civil pública não apenas para tutelar conflitos de massa (direitos transindividuais), mas também se revela como o meio pertinente à tutela de direitos e interesses indisponíveis e/ou que detenham suficiente repercussão social, aproveitando, em maior ou menor medida, toda a coletividade. A medida protetiva de urgência requerida para resguardar interesse individual de mulher vítima de violência doméstica tem natureza indisponível, e, pela razoabilidade, não se pode entender pela disponibilidade do direito, haja vista que a Lei 11.340/2006 surgiu no ordenamento jurídico brasileiro como um dos instrumentos que resguardam os tratados internacionais de direitos humanos, dos quais o Brasil é parte, e assumiu o compromisso de resguardar a dignidade humana da mulher, dentre eles, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres. A Lei Maria da Penha foi criada como mecanismo para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do §8° do art. 226 da Constituição da República, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Portanto, conclui-se que, no âmbito do combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, por se tratar de direito individual indisponível, o MP possui legitimidade para atuar tanto na esfera jurídica penal, quanto na cível, nos termos do art. 1º da Lei n. 8.625/1993 e art. 25 da Lei n. 11.340/2006.
Inclusão de despesas com AAIs na base de cálculo do PIS e Cofins
Inaplicável, no caso, o disposto na alínea a do inciso I do § 6º do art. 3º da Lei n. 9.718/1998, que permite a exclusão das despesas incorridas com a intermediação financeira da base de cálculo da contribuição para o PIS e da COFINS exigido das pessoas jurídicas submetidas ao regime cumulativo. O agente autônomo de investimento (atualmente chamados de assessores de investimento, nos termos da Resolução n. 179, de 14 de fevereiro de 2023, da Comissão de Valores Mobiliários - CVM, e dos arts. 15, III, e 16, III e parágrafo único, ambos da Lei n. 6.385/1976, conforme a redação conferida pela Lei n. 14.317, de 2022) não realiza propriamente a atividade de intermediação financeira, a despeito da sua relevância decorrente da facilitação para a formação de negócios e para a diminuição de assimetrias informacionais. Os agentes autônomos de investimento (ou os assessores de investimento), conforme se extrai do art. 1º da Instrução n. 497, de 3 de junho de 2011, e repetido nos incisos do art. 3º da Resolução n. 179, de 2023, realizam (1) a prospecção e a captação de clientes; (2) a recepção e o registro de ordens e transmissão dessas ordens para os sistemas de negociação ou de registro cabíveis; e (3) a prestação de informações sobre produtos oferecidos e sobre os serviços prestados pelos intermediários em nome dos quais atue. Porém, a intermediação financeira pressupõe (1) a captação de recursos de terceiros; (2) o objetivo de lucro, advindo do resultado da diferença entre os custos dessa captação e da remuneração decorrente da distribuição do valor mobiliário; e (3) a habitualidade na conduta e atuação profissional. Dessa forma, o fato de fazer parte do sistema de distribuição de valores mobiliários e de exercer as atividades de mediação de valores mobiliários em bolsas de valores ou no mercado de balcão mediante credenciamento e registro na CVM, por si só, não justificam a ampliação do conceito de intermediação financeira a qual pressupõe, frise-se, a captação de recursos do público no mercado de capitais e equipará-lo ao conceito geral de intermediação, referente às várias formas de aproximação de partes interessadas para a realização de negócios jurídicos, como é o caso dos agentes autônomos de investimento (ou assessores de investimento), sob pena de violação do art. 111, II, do CTN. Conforme a Resolução CVM n. 35, de 26 de maio de 2021, a intermediação de operações no mercado de capitais é privativa dos intermediários definidos como a instituição habilitada a atuar como integrante do sistema de distribuição, por conta própria e de terceiros, na negociação de valores mobiliários em mercados regulamentados de valores mobiliários. Por outro lado, os assessores de investimento são entendidos como pessoas vinculadas, as quais, nos termos do art. 3º, I, da Instrução n. 497, de 2011, e do art. 4º e 25, IV, ambos da Resolução n. 179, de 2023, devem manter contratos com os intermediários para realizar operações na condição de preposto dos intermediários. Por conseguinte, os assessores de investimento não realizam propriamente a intermediação financeira no mercado de capitais, isto é, os assessores de investimento não realizam a atividade-fim dos intermediários, mas apenas as atividades mencionadas no art. 1º da Instrução n. 497, de 2011, e nos incisos do art. 3º da Resolução n. 179, de 2023. Vê-se, portanto, a inexistência de violação dos arts. 17 e 18 da Lei n. 4.595/1964, e do art. 15, III, da Lei n. 6.385/1976, porquanto a realidade normativa dos assessores de investimento não é a de um intermediário financeiro (no sentido amplo), mas é a de um facilitador das negociações no mercado de capitais (pessoa vinculada). Não por outro motivo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica ao afirmar que é devida a inclusão das despesas com a contratação de agentes autônomos de investimento na base de cálculo do PIS/Cofins, tendo em vista que os serviços prestados pelos referidos profissionais não se enquadram no conceito de intermediação financeira" (STJ, Segunda Turma, Ministro Herman Benjamin, REsp 1.872.529/SP, 6/10/2020, DJe 14/4/2021.).
Alienação por valor superior na recuperação judicial exige assembleia de credores e ajuste do plano
A recuperação judicial tem como objetivo, nos exatos termos do artigo 47 da Lei n. 11.101/2005, viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor a fim de permitir a preservação da empresa e dos benefícios sociais que ela gera. O artigo 53 da Lei n. 11.101/2005 determina que o plano de recuperação contenha o demonstrativo de sua viabilidade econômica, o laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, de modo que os credores possam analisar a viabilidade do plano e se o grau de sacrifício que lhes está sendo exigido encontra respaldo na crise que a empresa diz estar enfrentando. Na hipótese, o plano de recuperação judicial previa um preço mínimo de alienação da UPI, no entanto, alcançou um valor 6 (seis) vezes maior do que o fixado, o que talvez fosse suficiente até mesmo para descaracterizar a situação de crise. Nesse contexto, com fundamento no princípio da boa-fé e sem descuidar da assimetria informacional existente entre devedora e credores, caberia às próprias recuperandas convocar seus credores e esclarecer como o valor excedente impactou a sua situação econômica e se seria ou não o caso de lhes oferecer melhores condições. É da devedora que se exige não agir com dolo, simulação ou fraude contra o interesse de seus credores (artigo 64, III, da LREF), assim como o dever de transparência e informação. Diante disso, ainda que não houvesse previsão no plano de recuperação judicial acerca da destinação de eventual excedente para o pagamento dos credores em melhores condições, essa falha deveria ser imputada às recuperandas.