Decisões do CARF não configuram prática reiterada do art. 100, III, do CTN
As normas complementares em matéria tributária, de acordo com a doutrina, "são preceitos de menor hierarquia que versam, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes, tais como atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas e outros elencados no art. 100 do CTN". O art. 100, III, do CTN, especificamente, trata de "práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas, significando, de um lado, práticas dos contribuintes aceitas - comprovada e estavelmente - pela Administração Tributária e, de outro lado, práticas da própria Administração, em geral, contra legem". Nesse sentido, as decisões proferidas pelo CARF não podem ser enquadradas como práticas reiteradamente observadas e aceitas pelas autoridades administrativas, previstas no art. 100, III, do CTN. Isso porque a existência de inúmeras decisões administrativas sobre um determinado tema evidencia, na verdade, instabilidade do entendimento da Administração Tributária, visto que a Fiscalização adota posicionamento contrário ao contribuinte e divergente daquele observado pelo CARF. Destarte, não por outro motivo que o art. 100, II, do CTN possui previsão específica para enquadrar as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa como normas complementares, exigindo, para tanto, que a lei lhes atribua eficácia normativa, atingindo tanto os agentes da Fiscalização quanto os contribuinte.
Parâmetros do pensionamento por morte de recém-nascido por erro médico
No caso, a mãe da vítima, que estava grávida na ocasião, procurou atendimento médico devido a dores nas costas e foi encaminhada ao hospital. No local, foi submetida à cesariana e deu à luz uma menina, a qual, todavia, veio a falecer dias depois, tendo sido constatado que o falecimento foi decorrente de erro médico, porque não foram realizados os exames necessários previamente ao parto. Nesse contexto, a controvérsia consiste em definir se é cabível pensionamento pelo falecimento de recém-nascido. O pensionamento tem por finalidade suprir o amparo financeiro que era prestado pelo falecido. Ainda que a morte seja de filho menor, a pensão será devida, tendo em vista que há uma presunção de auxílio econômico futuro. Se a família for de baixa renda, há presunção relativa da dependência econômica entre os seus membros e, nas demais situações, é necessária a comprovação da dependência. Nessa situação, todavia, o termo inicial da pensão será a data em que a vítima completaria 14 (quatorze) anos, idade a partir da qual é admitida a celebração de contrato de trabalho, e o termo final será a data em que a vítima completaria a idade correspondente à expectativa média de vida do brasileiro, segundo a Tabela do IBGE, ou o momento do falecimento do beneficiário, o que ocorrer primeiro. Ademais, a pensão corresponderá à 2/3 do salário mínimo vigente à data do óbito e será reduzida para 1/3 após a data em que ele completaria 25 anos. Essa é a orientação consolidada na Súmula 491 do STF, segundo a qual "é indenizável o acidente que cause a morte de filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado". É possível presumir que se o recém-nascido não tivesse vindo a óbito em decorrência de ato ilícito praticado por terceiro, ele passaria a contribuir para as despesas familiares quando atingisse 14 (quatorze) anos de idade.
Abusividade da negativa de cobertura de medicamento oral domiciliar essencial por planos de saúde
A controvérsia cinge-se sobre a possibilidade de recusa da operadora de plano de saúde em fornecer o medicamento "fingolimode" para tratamento de esclerose múltipla, por se tratar de fármaco de uso domiciliar administrado na via oral, para o qual não haveria previsão legal ou contratual de cobertura obrigatória. Consoante previsão contida no artigo 10, VI, da Lei n. 9.656/1998, o plano-referência de assistência à saúde não é obrigado a custear o "fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, ressalvado o disposto nas alíneas c do inciso I e g do inciso II do art. 12", que versam sobre medicamentos antineoplásicos, ou tratamento em "home care". O artigo 17, parágrafo único, VI, da Resolução Normativa n. 465/2021 da ANS traz previsão no mesmo sentido. Na hipótese, a autora não faz uso de medicamento antineoplásico, tampouco conta com assistência por meio de "home care", pretendendo apenas ter custeado o medicamento fingolimode para uso oral. Com efeito, a jurisprudência desta Corte Superior é iterativa no sentido de que é lícita a exclusão, na Saúde Suplementar, do fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, isto é, aqueles prescritos pelo médico assistente para administração em ambiente externo ao de unidade de saúde, salvo os antineoplásicos orais (e correlacionados), a medicação assistida ("home care") e os incluídos no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para esse fim. Nesse sentido: AgInt no AgInt no REsp n. 2.071.979/SP, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 29/4/2024, DJe de 2/5/2024 e AgInt no AREsp n. 1.771.350/PR, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 18/9/2023, DJe de 22/9/2023. O caso em exame, todavia, apresenta peculiaridades que justificam a aplicação de entendimento diverso. A indicação feita pelo médico assistente da recorrente estabelece a imprescindibilidade da terapia com o específico medicamento fingolimode em dose diária. Ademais, em consulta ao bulário eletrônico da Anvisa, constata-se que o medicamento fingolimode conta com o devido registro tanto para a versão original como para as versões genéricas e é expressamente indicado para o tratamento de esclerose múltipla, estando disponível apenas sob a forma de cápsula, administrável via oral, não havendo alternativa na modalidade injetável. Em que pese o referido fármaco não esteja previsto como de cobertura obrigatória para o tratamento de esclerose múltipla no Rol de Procedimentos de Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (Anexo II da RN n. 465/2021), a aludida normativa contempla o uso do fingolimode como segunda ou terceira linha de tratamento, pelas quais o paciente necessariamente precisa passar para ter direito ao fornecimento de fármaco de cobertura obrigatória (Natalizumabe) em terceira ou quarta linha de tratamento, quando houver falha terapêutica, eventos adversos ou falta de adesão nas linhas anteriores. Na espécie, há relatório médico esclarecendo que o paciente já fez uso prévio de terapia injetável, com utilização de outros fármacos, sem sucesso; atesta, ainda, que o caso não se enquadra nas diretrizes clínicas para indicação da terapia endovenosa e conclui reiterando a imprescindível necessidade da medicação oral prescrita. Efetivamente, a orientação da médica assistente, ao prescrever o tratamento com fingolimode em segunda linha, está em consonância tanto com o disposto no Anexo II da RN n. 465/2021, transcrito em linhas anteriores, como com o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para o tratamento de esclerose múltipla, elaborado pelo Ministério da Saúde, que considera critérios de eficácia, segurança, efetividade e custo-efetividade das tecnologias recomendadas. Ressalta-se que o fingolimode é fornecido pelo SUS, sendo possível extrair do Relatório de Recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS - CONITEC, acostado aos autos, informações relevantes acerca das diferenças entre as formas de administração das terapias disponíveis (oral ou injetável), inclusive que a administração do medicamento por via oral é mais eficaz, sobretudo porque propicia maior adesão ao tratamento. A corroborar todas as circunstâncias acima referidas, as quais indicam a necessidade de cobertura do fármaco fingolimode, não é adequado exigir que a recorrente passe, de plano, para a etapa subsequente de tratamento, na contramão das recomendações dos órgãos técnicos e da médica assistente. É absolutamente desarrazoado submetê-la a sofrível tratamento injetável, realizado em ambiente hospitalar, quando pode fazer uso de tratamento via oral, mais prático, indolor e sem gastos com deslocamento e dispêndio de tempo, além de representar custo inferior para a operadora do plano de saúde, não afetando o equilíbrio contratual. Desse modo, embora a situação clínica da recorrente não se amolde ao conceito legal de emergência médica - relativo a casos que indiquem risco imediato de vida ou dano irreparável à saúde do paciente, declarado por médico - não havendo se falar, portanto, em violação ao art. 35-C da Lei n. 9.656/1998, de rigor, todavia, concluir que a negativa de cobertura, na hipótese, revela-se abusiva.
Inaplicabilidade da fiscalização do INMETRO a balanças de postos de saúde municipais
De acordo com a jurisprudência do STJ, a Taxa de Serviços Metrológicos, decorrente do poder de polícia do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia - INMETRO em fiscalizar a regularidade das balanças, visa preservar as relações de consumo, sendo imprescindível verificar se o equipamento objeto de aferição é essencial à atividade desempenhada pela empresa. Nesse contexto, esta Corte, em casos análogos, entende que o Município, no âmbito das atividades desempenhadas em postos de saúde, por não exercer atividade comercial, não se submete à fiscalização do INMETRO. A propósito, conforme afirmado no AgInt no REsp n. 1.653.347/RS de relatoria do Ministro Og Fernandes, o "mesmo entendimento pelo descabimento do procedimento fiscalizatório tem sido aplicado pelas Turmas que compõem a Primeira Seção desta Corte Superior, nas hipóteses em que a autarquia pretendia ver declarada a legalidade da cobrança da taxa de serviços metrológicos decorrentes da fiscalização de balanças e esfigomomanômetros utilizados nos postos de saúde da municipalidade".
Inexistência de responsabilidade civil do banco por roubo em via pública
A controvérsia consiste em definir se a instituição financeira deve ou não ser responsabilizada por roubo contra cliente, após este transitar por via pública e chegar ao seu destino, no caso estacionamento do prédio onde se situa o escritório da empresa do correntista, pelo fato de estar de posse de valores, em espécie, recentemente sacados diretamente no caixa bancário. No julgamento do Recurso Especial Repetitivo n. 1.197.929/PR, a Segunda Seção do STJ assentou a tese de que as instituições bancárias respondem de forma objetiva pelos danos causados aos correntistas, decorrentes de fraudes praticadas por terceiros, caracterizando-se como fortuito interno. Ademais, a matéria se encontra sumulada neste Tribunal Superior, no Verbete n. 479, in verbis: "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias". Nessa senda, constata-se que o referido entendimento se aplica tão somente nos casos de fortuito interno, razão pela qual a jurisprudência do STJ admite a responsabilidade objetiva dos bancos por crimes ocorridos no interior de suas agências, em razão do risco inerente à atividade, que abrange guarda e movimentação de altos valores em espécie. Todavia, esse entendimento jurisprudencial não se aplica à hipótese presente, em que, a vítima, após sacar uma quantia na agência bancária, supostamente teria sido seguida por todo o percurso pelos criminosos até o estacionamento do prédio onde se situa o escritório de sua empresa e, só após chegar a este local, fora anunciado o assalto. Dessa forma, tendo em conta os contornos fáticos delineados pela instância de origem, em um cenário em que o correntista é vítima de crime de roubo em local distante das dependências do banco onde, anteriormente, efetivara saque de dinheiro em espécie, não se revela a responsabilidade da instituição financeira pela ocorrência do crime contra o correntista tempos depois e quilômetros de distância. Com efeito, cuida-se de evidente fortuito externo, o qual afasta o nexo de causalidade e, portanto, afasta a responsabilidade civil objetiva da instituição financeira, especialmente pela razão de que o crime não foi praticado no interior do estabelecimento bancário. Em casos semelhantes à hipótese, o Superior Tribunal de Justiça já firmou jurisprudência no sentido de que o banco não pode ser responsabilizado por crime ocorrido em via pública, tendo em vista que o risco inerente à atividade exercida pela instituição financeira não a torna responsável pelo crime sofrido pelo correntista fora das suas dependências.