Bem tombado: início de restauração não gera perda do objeto, exige cumprimento integral

STJ
859
Direito Administrativo
Direito Processual Civil
Geral
2 min de leitura
Atualizado em 25 de novembro de 2025

Este julgado integra o

Informativo STJ 859

Tese Jurídica

A mera intenção ou início das obras de restauração de bem tombado não configura perda de objeto nem extingue a demanda judicial, sendo indispensável o cumprimento integral da obrigação de fazer para a extinção do processo.

Comentário Damásio

Resumo

A mera intenção ou mesmo o início das obras de restauração de bem tombado não caracteriza por si só a perda de interesse processual, uma vez que o cumprimento integral da obrigação judicial é necessário para a A questão em discussão consiste em saber se o início das obras de restauração do bem tombado pelo município caracteriza perda de interesse processual, tornando desnecessária a continuidade da demanda. No caso, trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público contra um município, visando à restauração do Galpão da Oficina de Locomotivas, patrimônio tombado por Lei Municipal. A sentença condenou o ente federativo a executar as obras no prazo de seis meses, sob pena de multa e a apelação foi desprovida. A deterioração do bem é registrada desde a década de 1980, o tombamento ocorreu nos anos 1990, o imóvel está interditado desde 2009 e a municipalidade manifesta reiteradamente, ao longo de décadas, suas melhores intenções de devolver o bem à coletividade, sem efetivá-lo. No que tange ao interesse de agir do Ministério Público, o município recorrente defende sua inexistência porque teria conduzido a matéria administrativa de maneira adequada, com licitação e início das obras para restaurar o bem tombado. A pretensão de que seja reconhecida a perda de objeto dita unilateral depende de que a parte ré entregue ao autor o bem da vida integralmente demandado em juízo. No caso, a parte apenas manifesta a intenção de entregar parte do bem da vida demandado. Nas situações envolvendo o Poder Público, essa pretensão de reconhecimento da perda de objeto deve ser tratada com ainda maior critério. Isso porque, nos termos da doutrina, "Atores governamentais com frequência usam a perda de objeto para evadirem-se de precedentes desfavoráveis.". Por isso, a mera intenção ou mesmo início das obras de restauração não caracteriza perda de objeto, pois o cumprimento integral da obrigação judicial é necessário para a extinção do interesse processual. O cumprimento da obrigação disposta na sentença, portanto, somente poderá ser verificado na fase executória do provimento. É o juízo da execução que poderá considerar de modo efetivo os atos e esforços concretos da municipalidade que atendem de forma mais eficiente ao provimento judicial, inclusive com eventual modulação de prazos e multas, que não devem ser afastados de plano. Além disso, do cenário descrito, depreende-se a natureza estrutural da demanda. Assim, a abordagem da causa, ainda que tardiamente, já em sua fase executória, pode e deve ser feita pela lente dos processos estruturais. É certo que o caso trata de uma "nanoinstitucionalidade", uma situação de violação sistemática dos direitos da coletividade à cultura e à memória bastante delimitada, com um provimento jurisdicional bem específico, condição que nem sempre é entendida como matéria estrutural, dado seu limitado alcance. Mas isso não impede que, no momento da execução da sentença, práticas, métodos e princípios típicos do processo estrutural sejam adotados pelo juízo exequente, conforme necessários e adequados. Nesse sentido, recentemente o Conselho Nacional de Justiça - CNJ aprovou a Recomendação n. 163 de 16/6/2025, norma incentivadora da condução estrutural de processos judiciais. Ademais, considerando que se trata de patrimônio histórico e cultural de uma municipalidade, a adoção de técnicas estruturais de condução do feito atende, ainda, à concretização do princípio da participação comunitária, conforme reconhecido desde 1967 pelos Estados membros da Organização dos Estados Americanos - OEA, Nessa linha, e conforme disposto pelo Fórum Permanente de Processualistas Civis, como boa prática na condução do feito estrutural em instância recursal, afigura-se adequado dar indicações concretas ao juízo de execução sobre os parâmetros de atuação nessa circunstância (Boa Prática n. 22/FPPC), nos termos já adotados, inclusive como paradigmas desse agir, por esta Corte (REsp n. 1.854.842/CE, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 2/6/2020, DJe de 4/6/2020). Assim, recomenda-se ao magistrado encarregado da execução, resguardada sua independência funcional, a adoção de, entre outras, de medidas de natureza estruturante, tais como: i) estabelecimento de comitê de condução e monitoramento do projeto de restauração, inclusive com a participação de entidades da sociedade civil representantes do setor de cultura e memória, órgãos especializados de suporte, como o CREA, e representantes do Legislativo, além das partes e representante do juízo; ii) a eventual dilação do prazo de conclusão das obras, inclusive com suspensão temporária das multas condicionada ao cumprimento de eventual cronograma acordado pelas partes; iii) determinação de publicação no portal do Poder Executivo Municipal de relatórios periódicos, em intervalos de não mais que 45 dias, de execução do projeto de restauração, com os itens mínimos que entender necessários; e iv) realização de audiência pública prévia ao encerramento da obra, na sua iminência, para coleta de manifestações da sociedade sobre o alcance dos objetivos da sentença de conhecimento e prestação de contas pelos réus. Recomenda-se, ainda, ao Tribunal respectivo que providencie o apoio institucional necessário ao magistrado singular na implementação dessas medidas, tudo orientado pelo princípio maior de cooperação. Por fim, ao contrário do que alega a municipalidade, se a sentença confirma sua intenção administrativa, a imposição judicial pode destravar as diversas amarras burocráticas e políticas impostas a seus próprios gestores. A sentença não será vazia, mas catalisadora dos efeitos concretos da política pública de proteção ao patrimônio histórico-cultural que a própria Administração não só é obrigada por lei a implementar, como assim também o deseja há tantas décadas. Será, ainda, obrigação específica, decorrente de título judicial executivo, que vinculará não só a gestão atual como as futuras, de forma impessoal e para além de voluntarismos, como exige a situação degradante enfrentada pelo bem municipal tombado. Por isso, o provimento judicial resguardará tanto a pretensão do autor como as intenções do réu, de modo a concretizá-las a ambas as partes. Desse modo, o objeto jurídico, que deve ser entendido como a devolução à coletividade do bem histórico-cultural que verdadeiramente lhe pertence, permanece íntegro.

Conteúdo Completo

A mera intenção ou início das obras de restauração de bem tombado não configura perda de objeto nem extingue a demanda judicial, sendo indispensável o cumprimento integral da obrigação de fazer para a extinção do processo.

Informações Gerais

Número do Processo

REsp 2.218.969-SP

Tribunal

STJ

Data de Julgamento

19/08/2025

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