Acordo de Não Persecução Penal: aplicação retroativa para processos iniciados antes de sua criação pelo “Pacote Anticrime”

STF
1151
Direito Constitucional
Direito Processual Penal
Geral
2 min de leitura
Atualizado em 14 de novembro de 2025

Este julgado integra o

Informativo STF 1151

Tese Jurídica

“1. Compete ao membro do Ministério Público oficiante, motivadamente e no exercício do seu poder-dever, avaliar o preenchimento dos requisitos para negociação e celebração do ANPP, sem prejuízo do regular exercício dos controles jurisdicional e interno; 2. É cabível a celebração de Acordo de Não Persecução Penal em casos de processos em andamento quando da entrada em vigência da Lei nº 13.964, de 2019, mesmo se ausente confissão do réu até aquele momento, desde que o pedido tenha sido feito antes do trânsito em julgado; 3. Nos processos penais em andamento na data da proclamação do resultado deste julgamento, nos quais, em tese, seja cabível a negociação de ANPP, se este ainda não foi oferecido ou não houve motivação para o seu não oferecimento, o Ministério Público, agindo de ofício, a pedido da defesa ou mediante provocação do magistrado da causa, deverá, na primeira oportunidade em que falar nos autos, após a publicação da ata deste julgamento, manifestar-se motivadamente acerca do cabimento ou não do acordo; 4. Nas investigações ou ações penais iniciadas a partir da proclamação do resultado deste julgamento, a proposição de ANPP pelo Ministério Público, ou a motivação para o seu não oferecimento, devem ser apresentadas antes do recebimento da denúncia, ressalvada a possibilidade de propositura, pelo órgão ministerial, no curso da ação penal, se for o caso.”

Comentário Damásio

Resumo

É constitucional — por versar norma mais benéfica ao acusado (CF/1988, art. 5º, XL) — a aplicação retroativa do instituto do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) nos processos penais sem decisão definitiva ou com pedido de celebração de acordo formulado antes do trânsito em julgado.

Conteúdo Completo

“1. Compete ao membro do Ministério Público oficiante, motivadamente e no exercício do seu poder-dever, avaliar o preenchimento dos requisitos para negociação e celebração do ANPP, sem prejuízo do regular exercício dos controles jurisdicional e interno; 2. É cabível a celebração de Acordo de Não Persecução Penal em casos de processos em andamento quando da entrada em vigência da Lei nº 13.964, de 2019, mesmo se ausente confissão do réu até aquele momento, desde que o pedido tenha sido feito antes do trânsito em julgado; 3. Nos processos penais em andamento na data da proclamação do resultado deste julgamento, nos quais, em tese, seja cabível a negociação de ANPP, se este ainda não foi oferecido ou não houve motivação para o seu não oferecimento, o Ministério Público, agindo de ofício, a pedido da defesa ou mediante provocação do magistrado da causa, deverá, na primeira oportunidade em que falar nos autos, após a publicação da ata deste julgamento, manifestar-se motivadamente acerca do cabimento ou não do acordo; 4. Nas investigações ou ações penais iniciadas a partir da proclamação do resultado deste julgamento, a proposição de ANPP pelo Ministério Público, ou a motivação para o seu não oferecimento, devem ser apresentadas antes do recebimento da denúncia, ressalvada a possibilidade de propositura, pelo órgão ministerial, no curso da ação penal, se for o caso.”

É constitucional — por versar norma mais benéfica ao acusado (CF/1988, art. 5º, XL) — a aplicação retroativa do instituto do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) nos processos penais sem decisão definitiva ou com pedido de celebração de acordo formulado antes do trânsito em julgado. 

A previsão do ANPP — introduzida no Código de Processo Penal (CPP/1941, art. 28-A) pela Lei nº 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”) — consiste em norma de direito processual com inequívoco conteúdo material, de modo que, por ser norma mais benéfica ao acusado, impõe-se a sua retroatividade (1). 

A prerrogativa de avaliar e de realizar o acordo configura um poder-dever do Ministério Público, a quem cabe se manifestar, motivadamente, na primeira oportunidade em que falar nos processos penais em curso nos quais a negociação, em tese, seja cabível, nos exatos termos em que fixado neste pronunciamento. Relativamente às investigações e aos processos penais iniciados após a proclamação deste julgamento, a proposição ou a motivação para o não oferecimento do acordo deve, em regra, ser apresentada antes do recebimento da denúncia. A decisão objetiva possibilitar a celebração do ANPP onde ele não tenha sido proposto e, em princípio, seja cabível.

Nesse contexto, o acusado não possui direito subjetivo à celebração do ANPP, mas à devida motivação e fundamentação quanto à sua eventual negativa. Ademais, uma vez celebrado o ANPP, ocorre a suspensão da ação e da prescrição até a extinção da punibilidade pelo cumprimento dos termos do acordo.

Na espécie, trata-se de paciente que — antes da vigência do “Pacote Anticrime” — foi condenado, pela prática do crime de tráfico de drogas privilegiado, a uma pena de 1 ano, 11 meses e 10 dias de reclusão, em regime aberto, e que manifestou — após a criação do instituto —, interesse em celebrar o acordo, no curso do processo penal sem decisão transitada em julgado.

Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, concedeu a ordem de habeas corpus para determinar a suspensão do processo e de eventual execução da pena até a manifestação motivada do órgão acusatório sobre a viabilidade de proposta do ANPP, conforme os requisitos previstos na legislação, passível de controle nos termos do art. 28-A, § 14, do CPP/1941 (2). Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por unanimidade, fixou a tese anteriormente mencionada e definiu que (i) este pronunciamento não afeta as decisões já proferidas; e (ii) a deliberação sobre o cabimento, ou não, do ANPP deverá ocorrer na instância em que o processo se encontrar.


(1) CF/1988: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;”
(2) CPP/1941: “Art. 28. Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o órgão do Ministério Público comunicará à vítima, ao investigado e à autoridade policial e encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial para fins de homologação, na forma da lei. § 1º Se a vítima, ou seu representante legal, não concordar com o arquivamento do inquérito policial, poderá, no prazo de 30 (trinta) dias do recebimento da comunicação, submeter a matéria à revisão da instância competente do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva lei orgânica. § 2º Nas ações penais relativas a crimes praticados em detrimento da União, Estados e Municípios, a revisão do arquivamento do inquérito policial poderá ser provocada pela chefia do órgão a quem couber a sua representação judicial. Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente: (...) § 14. No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código.”

Legislação Aplicável

CF/1988: art. 5º, XL.
CPP/1941: art. 28-A.
Lei nº 13.964/2019 ("Pacote Anticrime”).

Informações Gerais

Número do Processo

185913

Tribunal

STF

Data de Julgamento

18/09/2024

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