Competência da Justiça Federal para embargos de declaração contra acórdão estadual com União assistente simples
Trata-se de embargos de divergência que visam a compor o antagonismo de interpretações dadas quanto à necessidade ou não de seguimento do feito na Justiça Federal ante a intervenção da União na demanda, na qualidade de assistente simples pela Quarta e Segunda Turmas do Superior Tribunal de Justiça. No caso, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do agravo interno deu provimento ao recurso especial, acolhendo a alegação de violação do art. 535 do CPC/1973 (atual art. 1.022 do CPC/2015), determinando o retorno dos autos ao Tribunal de origem - Tribunal de Justiça do Estado. A União ingressou no processo na qualidade de assistente, logo após a interposição de agravo interno pela assistida, interpôs embargos de declaração objetivando reparo de ordem processual no que tange à determinação de retorno dos autos ao Tribunal de origem, uma vez que, ao reconhecer a União como assistente simples, a remessa dos autos deveria ser determinada ao Tribunal Regional Federal. À luz da interpretação dada pela Quarta Turma, no caso em comento seria aplicável o art. 43 do CPC, que estabelece a regra da perpetuatio jurisdictionis em favor do Tribunal de Justiça, para se evitar deslocamentos indesejáveis do foro, consignando ainda que, tendo as decisões de mérito sido proferidas pela Justiça Estadual, tanto no 1º como no 2º grau de jurisdição, não há que se falar em possibilidade revisional pela Justiça Federal. Por outro lado, entende a Segunda Turma, no julgamento do AgRg na RCDESP no REsp n. 556.382/DF, sendo relator para o acórdão o Ministro Herman Benjamin, que, havendo a intervenção da União na demanda, bem como o provimento do recurso por ofensa ao art. 535 do CPC, a remessa dos autos deve ser feita não mais ao Tribunal de Origem, mas sim ao Tribunal Regional Federal da circunscrição, de modo a respeitar efetivamente o art. 109, I, da Constituição Federal, sob pena de nulidade de qualquer ato decisório praticado em relação à União no foro estadual. No caso, deve prevalecer o entendimento da Segunda Turma. O art. 5º, parágrafo único, da Lei n. 9.469/1997 traz em sua redação a previsão legal da modalidade da intervenção anômala. Referida norma legal possibilita que, nas demandas que figurarem como parte - na qualidade de autoras ou rés - autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas, a União e demais pessoas jurídicas de direito público intervenham de maneira ampla, não sendo necessária a demonstração de interesse jurídico, bastando que os atos realizados no processo possam lhes gerar algum reflexo, ainda que meramente econômico. Outrossim, no que diz respeito à competência por ocasião da ocorrência da intervenção anômala, conforme entendimento desta Corte Superior, a intervenção anômala da União no processo não é causa para o deslocamento da competência para a Justiça Federal. A assistência simples, por seu turno, encontra previsão nos arts. 119 a 123 do Código de Processo Civil/2015. Nos termos do referido código, o assistente simples deve atuar como auxiliar da parte principal, na qual exercerá os mesmos poderes e sujeitar-se-á aos mesmos ônus processuais que o assistido, sendo ainda que do art. 119 extraem-se pressupostos de admissibilidade da assistência, quais sejam: i) a existência de uma relação jurídica entre uma das partes do processo e o terceiro e; ii) a possibilidade de a sentença influir na relação jurídica. Dessa forma, verifica-se que, na assistência simples, pela própria dicção do Código de Processo Civil, o terceiro interessado necessita ter interesse jurídico na causa, diferentemente do que ocorre na intervenção anômala, na qual basta, tão somente, o interesse meramente de natureza econômica. No caso em análise, no momento da admissão da habilitação da União na demanda, esta foi realizada na qualidade de assistente simples e em decisão que passou irrecorrida, sendo que, conforme anteriormente citado, nesses casos de intervenção, o interesse jurídico na causa deve estar presente e assim o fora reconhecido. O interesse jurídico específico da União a ser tutelado encontra-se presente, tendo em conta que reflete em evidente interesse público demonstrado - consubstanciado no abastecimento nacional de combustíveis, considerado de utilidade pública, conforme § 1º do art. 1º da Lei n. 9.847/1999, uma vez que, com a condenação da assistida, poderá ser afetada a continuidade das atividades desta e, consequentemente a atividade de distribuição de combustíveis no âmbito nacional, sendo que a alienação de participação societária noticiada não tem o condão de desconstituir tal interesse. Com efeito, o art. 109, I, da Constituição Federal dispõe que compete à Justiça Federal processar e julgar as causas em que a União for interessada na condição de autora, ré, assistente ou oponente, fato que implicaria a remessa dos autos ao Juízo federal. Assim, existindo o interesse da União no feito, na condição de assistente simples, a competência afigura-se como da Justiça Federal, conforme prevê o art. 109, I, da Constituição Federal, motivo pelo qual devem ser acolhidos os embargos de declaração opostos pela União para determinar a baixa não mais ao Tribunal de origem, mas ao Tribunal Regional Federal competente para a análise do feito, para o que desinfluente o fato de que o acórdão a ser integrado fora proferido no Juízo estadual, uma vez que se trata de matéria atinente à competência absoluta, não sujeita à perpetuatio jurisdictionis, consoante expresso no art. 43 do CPC, parte final, tudo nos termos do paradigma. Dessa forma, deve prevalecer o entendimento dado pela Segunda Turma do STJ, reconhecer a competência da Justiça Federal, sendo o Tribunal Regional Federal competente para novo julgamento dos embargos de declaração.
Indevidas gratificações de direção e cumulação a magistrado em licença de estudo no exterior
Nos termos dos arts. 1º da Lei Complementar Estadual 327/2019 e 1º da Lei Complementar Estadual 239/2014, c/c o art. 5º, II, b, c e d, da Resolução/CNJ n. 13/2006, as vantagens denominadas "Retribuição por Direção de Fórum" e "Gratificação pelo Exercício Cumulado de Jurisdição ou Acumulação de Acervo Processual" possuem caráter eventual e temporário, vinculando-se o seu pagamento ao efetivo exercício das atividades a elas relacionadas. Ora, em sendo inerente a tal espécie de vantagem que seu pagamento tem por pressuposto o efetivo "exercício cumulativo de jurisdição ou acumulação de acervo processual", a ser paga "para cada mês de atuação", conclui-se que a ausência desses requisitos legais autoriza a que Administração, de imediato, faça cessar seu pagamento, sem a necessidade da prévia abertura de processo administrativo. Por sua vez, também não há falar em ofensa ao princípio da legalidade, pois a cessação do pagamento da gratificação em tela não decorreu de eventual limitação imposta por portaria regulamentadora, mas do fato de que os pressupostos legais para seu pagamento não mais estavam presentes no caso concreto. De outra parte, não se extrai do art. 73 da LOMAN comando normativo capaz de assegurar a manutenção da gratificação pleiteada. Conquanto esse dispositivo legal estabeleça que o afastamento do magistrado para "frequência a cursos ou seminários de aperfeiçoamento e estudos" deverá ser concedido "sem prejuízo de seus vencimentos e vantagens", tal regra não tem o condão de alcançar as vantagens de caráter eventual e de natureza proper laborem, como é o caso da gratificação criada pela Lei Complementar Estadual 327/2019. Tal compreensão, inclusive, está em harmonia com o estabelecido pelo Conselho Nacional de Justiça, precisamente no art. 5º, II, b, c e d, da Resolução/CNJ n. 13/2006, que dispõe sobre a aplicação do teto remuneratório constitucional e do subsídio mensal dos membros da magistratura. Pela leitura da LCE 327/2019 pode-se inferir que a "Gratificação pelo exercício cumulativo de jurisdição ou acumulação de acervo processual", abrange algumas das verbas classificadas como de caráter eventual elencadas no inciso II do artigo 5º da Resolução n. 13/2006, enquadrando-se nas alíneas c (exercício cumulativo de atribuições) e d (substituições), o que também evidencia o indiscutível caráter de contraprestação à atividade suplementar atribuída ao magistrado. Da leitura do art. 1º da referida lei c/c o art. 5º, II, b, da Resolução/CNJ n. 13/2006 extrai-se que a retribuição financeira em questão também possui caráter eventual e temporário, na medida em que vinculada ao exercício da Direção do Fórum pelo magistrado designado. Ressalta-se, ainda, que, existindo previsão legal expressa no sentido de que o pagamento da referida vantagem somente seria devido nos casos de afastamentos vinculados a "férias, licença-maternidade, licenças para tratamento da própria saúde ou de pessoa da família, ou outros afastamentos inferiores a dez dias", torna-se inviável estender tal comando normativo à hipótese ali não contemplada, ante a necessidade de reverência ao princípio de hermenêutica segundo o qual "não compete ao intérprete distinguir onde o legislador, podendo, não o fez, sob pena de violação do postulado da separação dos poderes" (AgInt no REsp 1.609.787/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 10/11/2017).
Juros de mora em honorários sucumbenciais desde o dia seguinte ao término do prazo recursal
Conforme preceitua o art. 85, § 16, do CPC/2015, "quando os honorários forem fixados em quantia certa, os juros moratórios incidirão a partir da data do trânsito em julgado da decisão". Na hipótese, foi proferida sentença que extinguiu o feito sem resolução de mérito, condenando a recorrida ao pagamento de honorários sucumbenciais arbitrados no percentual de 10% sobre o valor da causa. Ao depois, a recorrida interpôs recurso de apelação, o qual não foi conhecido ante a intempestividade, resultando na majoração da verba honorária em 1%. Por sua vez, o recurso especial foi inadmitido. Nesse panorama, é certo que os honorários advocatícios não foram arbitrados em quantia certa, isto é, por apreciação equitativa (art. 85, § 8º, do CPC/2015), mas sim em percentual sobre o valor atribuído à causa. Isso significa que a hipótese não se subsome ao disposto no referido art. 85, § 16, do CPC/2015. Nada obstante, mesmo nas situações em que os honorários de sucumbência são fixados em percentual sobre o valor da causa, tem prevalecido nesta Corte o entendimento segundo o qual os juros de mora incidem a partir da exigibilidade da obrigação, o que se verifica com o trânsito em julgado da sentença. Outrossim, importa sublinhar que não há controvérsia, na espécie, acerca da incidência dos juros de mora a partir do trânsito em julgado da sentença. A questão controvertida diz respeito, exclusivamente, ao momento em que se operou o trânsito em julgado. "Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso" (art. 502 do CPC/2015). Ou seja, o trânsito em julgado é pressuposto para a formação da coisa julgada. A res iudicata concretiza o princípio da segurança jurídica, tratando-se, segundo a doutrina, de "uma qualidade da sentença, assumida em determinado momento processual. Não é efeito da sentença, mas a qualidade dela representada pela 'imutabilidade' do julgado e de seus efeitos, depois que não seja mais possível impugná-los por meio de recurso". Conforme elucida a doutrina processualista, "a interposição intempestiva de um recurso não impede o trânsito em julgado". Tal se justifica à medida em que, para a formação da coisa julgada, é necessário que todos os recursos já tenham sido interpostos e julgados ou não tenha sido interposto recurso contra a decisão. Da mesma forma, há precedentes desta Corte Superior asseverando que o recurso intempestivo não obsta a formação da coisa julgada, de modo que a decisão que atesta a sua intempestividade não posterga o termo final do trânsito em julgado, que ocorre imediatamente no dia seguinte após expirado o prazo para interposição do recurso intempestivo. Não é demais destacar que o entendimento consolidado do STF é no sentido de que os recursos extraordinários, quando declarados inadmissíveis, não obstam a formação da coisa julgada, retroagindo a data do trânsito em julgado ao momento em que esgotado o prazo legal para a interposição dos recursos inadmitidos. Desse modo, na hipótese de intempestividade do recurso, a coisa julgada forma-se no dia seguinte ao transcurso do prazo recursal, sendo esse o termo inicial dos juros de mora incidentes sobre os honorários sucumbenciais.
Valoração negativa da culpabilidade na dosimetria da pena por ameaça na presença de filho menor
A respeito da dosimetria da pena, vale anotar que sua individualização é uma atividade vinculada a parâmetros abstratamente cominados na lei, sendo, contudo, permitido ao julgador atuar discricionariamente na escolha da sanção penal aplicável ao caso concreto, após o exame percuciente dos elementos do delito, e em decisão motivada. Dessarte, às Cortes Superiores é possível, apenas, o controle da legalidade e da constitucionalidade na dosimetria. No caso, percebe-se que a pena-base do recorrente foi exasperada em razão do maior desvalor da vetorial culpabilidade. A culpabilidade, para fins do art. 59 do Código Penal, deve ser compreendida como juízo de reprovabilidade da conduta, apontando maior ou menor censura do comportamento do réu. Não se trata de verificação da ocorrência dos elementos da culpabilidade, para que se possa concluir pela prática ou não de delito, mas, sim, do grau de reprovação penal da conduta do agente, mediante demonstração de elementos concretos do delito. No caso, depreende-se que o Tribunal de origem apresenta argumento válido, no sentido de que as ameaças foram lançadas quando a vítima se encontrava com seu filho menor de idade, o que revela maior desvalor e censura na conduta do acusado, tratando-se de fundamento idôneo para análise negativa da culpabilidade.
Inoponibilidade a terceiros de condição resolutiva em doação verbal entre pai e filho
Na hipótese, a doação foi formalizada por meio de um documento impróprio, em que o doador retirou-se de uma sociedade limitada e declarou "nada ter a receber dela ou dos seus sócios, pelo que dá a todos eles plena, geral e irrevogável quitação", não tendo constado desse documento a cláusula resolutiva invocada. Optou o doador por deixar a empresa e, no mesmo instrumento, formalizar o ato de doação de sua participação societária para o seu filho, que passou a integrar a aludida sociedade limitada na proporção do capital social doado. Como é sabido, a doação é um negócio jurídico benéfico, e como tal, de acordo com o disposto no art. 114 do Código Civil, deve ser objeto de interpretação restritiva. Postos tais parâmetros, extrai-se, em primeiro lugar, que a doação formalizada em um instrumento de alteração de contrato social não corresponde à prática costumeira, haja vista a lei exigir a escrituração pública ou um documento particular, em regra, típico, com finalidade específica. Da mesma forma, não é usual a cisão de um contrato em duas partes: uma escrita e outra verbal. Mais do que isso: não é possível que um contrato seja formalizado, ao mesmo tempo, de forma escrita e, de outra, de forma oral; menos ainda, por tratar-se de um encontro de vontades, se os pólos, nas duas frações do ajuste, não forem rigorosamente as mesmas. Assim, claramente o que se observa é a existência de um ajuste formal, escrito, que reconhece a doação e oficializa a alteração societária; e outro, feito de forma verbal, que vincula apenas o filho donatário, que, com ele, segundo testemunhas, teria aquiescido de forma individual e apartada. Fixada, portanto, a moldura fática, resta definir o tratamento jurídico a ser aplicado aos fatos comprovados no processo, isto é, o estabelecimento das consequências jurídicas que devem ser aplicadas ao caso concreto. Inicialmente, deve ser considerado que, se a vontade real do doador era distinta daquela manifestada no instrumento de modificação societária, que também instrumentalizou a doação, é evidente a sua reserva mental. E ainda mais relevante: se as testemunhas comprovam, como, de fato, comprovaram, que o filho donatário sabia que a verdadeira intenção do pai era a de reaver a sua participação societária em momento futuro, pode-se concluir pela existência de claro indício de negócio simulado (art. 167, §1º, II, do Código Civil), pois os demais sócios não foram informados do verdadeiro propósito da transação entabulada, na surdina, apenas entre doador e donatário (pai e filho). De acordo com o inciso V do art. 1.071 do Código Civil, a modificação do contrato social depende da deliberação dos sócios, que, nos termos do art. 1.076, I, deve ser tomada pelos votos correspondentes a, no mínimo, três quartos do capital social. Logo, não tendo o doador retirante da sociedade manifestado de forma aberta e formal a sua verdadeira intenção no momento em que formalizou o negócio, não é possível afirmar se ele teria obtido a concordância dos demais sócios em relação àquela alteração societária, caso fosse revelado o real propósito do doador de reaver a sua condição de sócio após o implemento da condição por ele instituída, de forma verbal, unilateral e reservada, e aceita apenas pelo filho beneficiário, que o substituiu na sociedade. Nesse passo, oportuno ponderar que, embora não se admita - exceto para bens móveis de pequena monta -, que as cláusulas de um contrato de doação possam ser constituídas verbalmente, é possível, na esteira do art. 446, I, do CPC/2015, a utilização da prova testemunhal para comprovar a divergência entre a vontade real e a vontade declarada nos contratos simulados. Portanto, não pairam dúvidas acerca da existência da combinação entre pai e filho (doador e donatário), mas não é possível o reconhecimento de que o arranjo estabelecido entre os dois tenha o condão de atingir terceiros, que dele não participaram. Evidentemente, em que pese a existência de comprovação dos ajustes entabulados entre as diferentes partes, não é possível submeter aos demais sócios uma condição inserida num acordo verbal do qual eles não fizeram parte. Como se sabe, o contrato faz lei entre as partes, mas não produz efeitos na esfera juridicamente protegida de terceiros que não tomaram parte na relação jurídica de direito material.