Supremo Tribunal Federal • 9 julgados • 20 de ago. de 2021
“Os atos ilícitos praticados por Estados estrangeiros em violação a direitos humanos não gozam de imunidade de jurisdição.” A imunidade de jurisdição de Estado estrangeiro não alcança atos de império ofensivos ao direito internacional da pessoa humana praticados no território brasileiro, tais como aqueles que resultem na morte de civis em período de guerra. A imunidade de jurisdição de Estado soberano em razão de ato de império tem fonte no direito costumeiro. Este, ainda que tenha status elevado no direito internacional, nem sempre deve prevalecer. É que atos de império que resultem na morte de cidadãos brasileiros não combatentes, ainda que praticados num contexto de guerra, são atos ilícitos, seja por ofenderem as normas que regulamentam os conflitos armados (1), seja por ignorarem os princípios que regem os direitos humanos (2). Ademais, em hipóteses como essa, devem prevalecer os direitos humanos tal como determina o art. 4º, II, da Constituição Federal de 1988 (CF/1988) (3), quando se fez a explícita opção normativa por um paradigma novo nas relações internacionais, no qual são preponderantes, não mais a soberania dos Estados, mas os seres humanos. No caso, trata-se de ação de ressarcimento de danos materiais e morais de autoria de netos ou de viúvas de netos de cidadão brasileiro não combatente que morreu em decorrência de ataque feito por submarino alemão a barco pesqueiro localizado no mar territorial brasileiro, durante a II Guerra Mundial. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, apreciando o Tema 944 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário para, afastando a imunidade de jurisdição da República Federal da Alemanha, anular a sentença que extinguiu o processo sem resolução de mérito. Vencidos os ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Nunes Marques, Luiz Fux (Presidente) e Marco Aurélio. (1) Estatuto do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg: “Artigo 6 - O Tribunal instituído pelo Acordo mencionado no Artigo 1 acima, para julgamento e punição dos principais criminosos de guerra dos países do Eixo Europeu, é competente para julgar e punir pessoas que, agindo no interesse dos países do Eixo Europeu tenham cometido, quer a título individual ou como membros de organizações, algum dos seguintes crimes: (...) b) Crimes de Guerra: nomeadamente, violações das leis ou costumes de guerra. Tais violações incluem, mas não se limitam a assassínio, maus-tratos ou deportação para trabalhos forçados ou qualquer outro fim, da população civil do ou no território ocupado, assassínio ou maus-tratos dos prisioneiros de guerra ou de pessoas no mar, execução de reféns, pilhagem dos bens públicos ou privados, destruição sem motivo de cidades, vilas ou aldeias ou devastação não justificada por necessidade militar;” (2) Decreto 592/1992 (Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos): “ARTIGO 6 - 1. O direito à vida é inerente à pessoa humana. Esse direito deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida.” (3) CF/1988: “Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: (...) II - prevalência dos direitos humanos;”
“Os recursos públicos vinculados ao orçamento de estatais prestadoras de serviço público essencial, em regime não concorrencial e sem intuito lucrativo primário, não podem ser bloqueados ou sequestrados por decisão judicial para pagamento de suas dívidas, em virtude do disposto no art. 100 da CF/1988, e dos princípios da legalidade orçamentária (art. 167, VI, da CF/1988), da separação dos poderes (arts. 2º, 60, § 4º, III, da CF/1988) e da eficiência da administração pública (art. 37, caput, da CF/1988).” São inconstitucionais atos de constrição, por decisão judicial, do patrimônio de estatais prestadoras de serviço público essencial, em regime não concorrencial e sem intuito lucrativo primário, para fins de quitação de suas dívidas. Com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a inconstitucionalidade dos bloqueios e sequestros de verba pública de estatais por decisões judiciais, exatamente por estender o regime constitucional de precatórios às estatais prestadoras de serviço público em regime não concorrencial e sem intuito lucrativo (1). Da mesma forma, a Corte já assentou orientação no sentido de que, salvo em situações excepcionais, não é possível que, por meio de decisões judiciais constritivas, se altere a destinação de recursos públicos previamente direcionados para a promoção de políticas públicas, sob pena de afronta ao art. 167, VI, da CF (2) (3). Ressalte-se que a exigência de lei para a modificação da destinação orçamentária de recursos públicos visa resguardar o planejamento chancelado pelos Poderes Executivo e Legislativo no momento de aprovação da lei orçamentária anual. Por isso, a interferência do Judiciário na organização orçamentária dos projetos da Administração Pública — salvo, excepcionalmente, como fiscalizador — ofende o princípio da separação dos Poderes (CF, art. 2º) (4) (5). Por fim, no caso analisado, o princípio da eficiência da Administração Pública (CF, art. 37, caput) (6) é igualmente relevante para a solução da controvérsia. Isso porque os atos jurisdicionais impugnados, ao bloquearem verbas orçamentárias da empresa pública estadual para o pagamento de suas dívidas, atuaram como obstáculo ao exercício eficiente da gestão pública, subvertendo o planejamento e a ordem de prioridades na execução de políticas públicas de saúde, em momento dramático de combate à pandemia da COVID-19. Com base nesse entendimento, o Plenário confirmou a cautelar anteriormente deferida e julgou procedente o pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito fundamental para: (i) suspender as decisões judiciais nas quais se promoveram constrições patrimoniais por bloqueio, penhora, arresto, sequestro; (ii) determinar a sujeição da Empresa Maranhense de Serviços Hospitalares – EMSERH ao regime constitucional de precatórios; e (iii) determinar a imediata devolução das verbas subtraídas dos cofres públicos, e ainda em poder do Judiciário, para as respectivas contas de que foram retiradas. (1) Precedentes citados: ADPF 556; ADPF 485. (2) CF: “Art. 167. São vedados: (...) VI - a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa;” (3) Precedentes citados: ADPF 620; ADPF 275; ADPF 556. (4) CF: “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.” (5) Precedente citado: ADPF 114. (6) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)”
Não caracteriza afronta à vedação imposta pelo art. 62, § 1º, IV, da Constituição Federal (CF) (1) a edição de medida provisória no mesmo dia em que o Presidente da República sanciona ou veta projeto de lei com conteúdo semelhante. Isso porque projeto de lei — aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo Presidente da República — não mais se encontra “pendente de sanção ou veto”. São constitucionais os decretos presidenciais expedidos em conformidade com a competência privativa conferida ao chefe do Poder Executivo pelo art. 84, VI, “a”, da CF (2). No caso examinado, as alterações introduzidas pelo ato impugnado (3) não extrapolaram a competência privativa conferida ao chefe do Poder Executivo para disciplinar, por decreto, sobre a organização e funcionamento da Administração Federal. A jurisprudência do Supremo Tribunal já concluiu que esse tipo de decreto possui natureza autônoma, revestindo-se de abstração, generalidade e impessoalidade, que possibilita seja desafiado por meio do controle concentrado de constitucionalidade (4). Com base nesses entendimentos, o Plenário, por maioria, julgou improcedente o pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade. Vencido o ministro Edson Fachin, que julgou o pedido parcialmente procedente. (1) CF: art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. (Redação dada pela EC 32/2001) § 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: (Incluído pela EC 32/2001) (...) IV - já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República. (Incluído pela EC 32/2001) (2) CF: “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...) VI - dispor, mediante decreto, sobre: (Redação dada pela EC 32/2001) a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; (Incluída pela EC 32/2001).” (3) Decreto 3.995/2001: “Altera e acresce dispositivos à Lei no 6.385, de 7 de dezembro de 1976, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários, nas matérias reservadas a decreto.” (4) Precedentes: ADI 2.950 AgR e ADI 3.936 MC
“É inconstitucional norma de constituição estadual que estende o foro por prerrogativa de função a autoridades não contempladas pela Constituição Federal de forma expressa ou por simetria.” As constituições estaduais não podem instituir novas hipóteses de foro por prerrogativa de função além daquelas previstas na Constituição Federal. As normas que estabelecem o foro por prerrogativa de função são excepcionais e devem ser interpretadas restritivamente, não cabendo ao legislador constituinte estadual estabelecer foro por prerrogativa de função a autoridades diversas daquelas listadas na Constituição Federal, a qual não cita defensores públicos nem procuradores. Em atenção ao princípio republicano, ao princípio do juiz natural e ao princípio da igualdade, a regra geral é que todos devem ser processados pelos mesmos órgãos jurisdicionais. Apenas a fim de assegurar a independência e o livre exercício de alguns cargos, admite-se a fixação do foro privilegiado. Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, julgou procedentes pedidos formulados em ações diretas para declarar, com efeitos ex nunc, a inconstitucionalidade da expressão “e da Defensoria Pública”, constante do art. 161, I, a, da Constituição do Estado do Pará; das expressões “o Defensor Público-Geral” e “e da Defensoria Pública”, constante do art. 87, IV, a e b, da Constituição do Estado de Rondônia; da expressão “Procuradoria Geral do Estado e da Defensoria Pública”, constante do art. 72, I, a, da Constituição do Estado do Amazonas; e das expressões “bem como os Procuradores de Estado e os Defensores Públicos”, constante do art. 133, IX, a, da Constituição do Estado de Alagoas.
A sanção abstratamente prevista para o crime de “divulgação de ato objeto de denunciação caluniosa eleitoral” está em consonância com os princípios da proporcionalidade e da individualização da pena. A pena cominada ao delito previsto no § 3º do art. 326-A do Código Eleitoral (1) não se mostra desproporcional aos bens jurídicos tutelados em face das consequências da conduta. Em seu patamar mínimo, a reclusão é de dois anos. Não há como equiparar a reprovabilidade do delito em questão com as infrações contra a honra previstas no Código Penal ou no Código Eleitoral. O objeto jurídico tutelado pelo § 3º do art. 326-A não se refere apenas à honra subjetiva ou objetiva do acusado, mas abrange, principalmente, a legitimidade do processo eleitoral. Com base nesse entendimento, o Plenário julgou improcedente o pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade. (1) Código Eleitoral: “Art. 326-A. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade eleitoral: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa. § 1º A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve do anonimato ou de nome suposto. § 2º A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção. § 3º Incorrerá nas mesmas penas deste artigo quem, comprovadamente ciente da inocência do denunciado e com finalidade eleitoral, divulga ou propala, por qualquer meio ou forma, o ato ou fato que lhe foi falsamente atribuído.”
O teto remuneratório aplicável aos servidores municipais, excetuados os vereadores, é o subsídio do prefeito municipal. O art. 37, XI, da Constituição Federal (CF) (2) estabelece um teto único para os servidores municipais, não havendo motivo para se cogitar da utilização do art. 37, § 12, da CF (3) para fixação de teto único diverso, pois essa previsão é direcionada apenas para servidores estaduais, esfera federativa na qual existem as alternativas de fixação de teto por poder ou de forma única. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou procedente o pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade da expressão “e Municípios”, constante do art. 97, § 6º, da Constituição do Estado de Pernambuco, na redação conferida pela EC 35/2013. (1) Precedente citado: ADI 6.221 MC (2) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;” (3) CF: “Art. 37. (...) § 12. Para os fins do disposto no inciso XI do caput deste artigo, fica facultado aos Estados e ao Distrito Federal fixar, em seu âmbito, mediante emenda às respectivas Constituições e Lei Orgânica, como limite único, o subsídio mensal dos Desembargadores do respectivo Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, não se aplicando o disposto neste parágrafo aos subsídios dos Deputados Estaduais e Distritais e dos Vereadores.”
É inconstitucional lei estadual que inclui o pagamento de pessoal inativo nas despesas consideradas como de manutenção e desenvolvimento do ensino. O legislador estadual, ao fazê-lo, usurpa a competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional [Constituição Federal (CF), art. 22, XXIV (1)]. Constata-se que, no caso analisado, o ato normativo impugnado também está em desconformidade com o que disposto na Lei 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB). Ademais, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), o pagamento de inativos, ainda que eventualmente possa ser considerado gasto com educação, não pode ser contabilizado para fins do percentual de investimento exigido pelo art. 212 da CF (2), pois os inativos, por estarem afastados de suas atividades, não contribuem para a manutenção nem para o desenvolvimento do ensino (3). Além disso, é importante saber que, após o ajuizamento desta ação e o deferimento da cautelar, o § 7º foi incluído no art. 212 da CF (4), que passou a vedar expressamente o uso dos recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino para o pagamento de aposentadorias e pensões. A norma impugnada afronta, ainda, os arts. 167, IV (5), e 212, caput, da CF, porquanto vincula parte das receitas provenientes de impostos ao pagamento de despesas com inativos, os quais deveriam ser, em princípio, custeados pelas receitas do regime previdenciário. Com esses entendimentos, o Plenário, confirmando a medida liminar deferida, julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade da Lei Complementar (LC) 147/2018, que acrescentou o inciso VIII no art. 99 da LC 26/1998 (6), ambas do estado de Goiás. (1) CF: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...) XXIV – diretrizes e bases da educação nacional;” (2) CF: “Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.” (3) Precedente: ACO 2.799 AgR. (4) CF: “Art. 212. (...) § 7º É vedado o uso dos recursos referidos no caput e nos §§ 5º e 6º deste artigo para pagamento de aposentadorias e de pensões.” (5) CF: “Art. 167. São vedados: (...) IV – a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo;” (6) LC 26/1998-GO: “Art. 99 - Considerar-se-ão como de manutenção e desenvolvimento do ensino as despesas realizadas com vistas à consecução dos objetivos básicos das instituições educacionais de todos os níveis, compreendendo as que se destinam a: (...) VIII – pagamento de pessoal inativo.”
São inconstitucionais normas regimentais de tribunal local que, no processo de progressão na carreira da magistratura, complementam a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) com critérios de desempate estranhos à função jurisdicional. A matéria somente poderia ser disciplinada por lei complementar federal, mediante a iniciativa do Supremo Tribunal Federal. O autogoverno dos tribunais e a competência para edição de seus regimentos [Constituição Federal (CF), art. 96, I, a (1)] não permitem a complementação da disciplina da Loman como feita pelos dispositivos questionados. Sob o ponto de vista material, os critérios de progressão estabelecidos não se qualificam como fatores válidos de discrímen entre sujeitos em situação idêntica. A utilização do tempo de serviço público como decisivo para o desempate favoreceria injustamente o magistrado com trajetória profissional exercida preponderante no setor público, em detrimento do juiz com maior experiência pretérita em atividades próprias da iniciativa privada (2). Já a aplicação do critério que considera o tempo de serviço prestado no âmbito de um estado-membro específico dar-se-ia em detrimento dos magistrados oriundos dos demais estados federados, inclusive em desacordo com o art. 19, III, da CF (3), que veda o estabelecimento de distinções entre brasileiros com base na origem ou procedência. Ademais, não é cabível, como critério de desempate — entre os concorrentes à promoção por antiguidade — condições estranhas à função jurisdicional (4). Com esses entendimentos, o Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade do art. 164, IV, e e f, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (RITJ/RO) (5). (1) CF: “Art. 96. Compete privativamente: I – aos tribunais: a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;” (2) Precedente: MS 28.494. (3) CF: “Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.” (4) Precedente: ADI 3.698. (5) RITJ/RO: “Art. 164. Anualmente, na primeira quinzena de fevereiro, o Departamento do Conselho da Magistratura e de Gestão de Desenvolvimento Institucional organizará o quadro geral de antiguidade dos magistrados, com a indicação da ordem de antiguidade na carreira e da antiguidade na entrância, incluindo, também, os nomes dos juízes que se encontrem em disponibilidade ou sem exercício, tendo em vista as regras seguintes: (...) IV – se diversos juízes contarem o mesmo tempo de serviço na entrância, terá precedência aquele que primeiro satisfizer um dos seguintes critérios, em ordem de prioridade: (...) e) maior tempo de serviço público; f) maior tempo de serviço público prestado ao Estado;”
O instituto da “candidatura nata” é incompatível com a Constituição Federal de 1988 (CF), tanto por violar a isonomia entre os postulantes a cargos eletivos como, sobretudo, por atingir a autonomia partidária (CF, arts. 5º, “caput”, e 17). A denominada “candidatura nata” — entendida como um direito potestativo de detentor de mandato eletivo à indicação pelo partido para as próximas eleições, independentemente de aprovação em convenção partidária — é absolutamente incompatível com a atual atmosfera de liberdade de ação partidária. A imunização pura e simples do detentor de mandato eletivo contra a vontade colegiada do partido acaba sendo um privilégio completamente injustificado, que contribui tão-só para a perpetuação de ocupantes de cargos eletivos, em detrimento de outros pré-candidatos, sem qualquer justificativa plausível para o funcionamento do sistema democrático, e sem que haja meios para que o partido possa fazer imperar os objetivos fundamentais inscritos no seu estatuto. Num contexto em que a fidelidade partidária é um princípio fundamental da dinâmica dos partidos políticos, especialmente no que diz respeito aos titulares de cargos eletivos obtidos pelo sistema proporcional (2), cabe ao candidato submeter-se à vontade coletiva do partido, e não o contrário. A “candidatura nata” contrasta profundamente com esse postulado e, por esse aspecto, esvazia toda a ideia de fidelidade partidária em favor de um suposto “direito adquirido” à candidatura dos detentores de mandato eletivo pelo sistema proporcional. Com base nesse entendimento, o Plenário julgou procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade do § 1º do art. 8º da Lei 9.504/1997, com modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade. (1) CF/1988: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...) Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos: I - caráter nacional; II - proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes; III - prestação de contas à Justiça Eleitoral; IV - funcionamento parlamentar de acordo com a lei.” (2) Precedente: ADI 3.999