Supremo Tribunal Federal • 6 julgados • 30 de jun. de 2023
É inconstitucional — por violar o art. 39, § 4º, da CF/1988, haja vista o caráter de indevido acréscimo remuneratório — norma estadual que prevê adicional de “auxílio-aperfeiçoamento profissional” aos seus magistrados. Essa vantagem remuneratória vai além do subsídio estipulado para os magistrados do estado, configurando adicional calculado sobre o valor do subsídio, em descompasso com a sistemática remuneratória disciplinada pela EC 19/1998 (1). Ademais, a verba não possui caráter indenizatório, pois não se destina a compensar o beneficiário de dispêndios suportados em decorrência do exercício do cargo. Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, conheceu parcialmente da ação e, nessa extensão, a julgou procedente para declarar a inconstitucionalidade do inciso IX do art. 114 da Lei Complementar 59/2001, com a redação dada pelo art. 46 da Lei Complementar 135/2014, ambas do Estado de Minas Gerais (2).
A ausência de disciplina objetiva e expressa dos objetivos, metas, programas e indicadores para acompanhamento de feminicídios e mortes decorrentes da intervenção de agentes de segurança pública no Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social II (PNSP II - Decreto 10.822/2021) configura retrocesso social em matéria de direitos fundamentais e proteção deficiente dos direitos à vida e à segurança pública (CF/1988, arts. 5º, “caput”; e 144). O PNSP II (2021-2030) retrocede em relação ao PNSP I (2018-2028), instituído pelo Decreto 9.630/2018, no sentido da necessária e especial atenção aos temas relativos à violência de gênero e desproporcionalidade/ilicitude frequente na atuação de agentes de segurança pública. Na espécie, os feminicídios passaram a ser incluídos no grupo “mortes violentas”, inviabilizando-se a classificação específica dos casos para atendimento eficiente da atuação estatal. Ademais, não há meta ou objetivo estabelecido para redução de mortes por intervenção de agentes de segurança pública no primeiro ciclo do PNSP II. O retrocesso social decorrente da substituição do PNSP de 2018 pelo de 2021 e a proteção insuficiente em face da omissão do Poder Executivo na inclusão de indicadores exatos de feminicídios e letalidade policial impõem a necessidade de restabelecimento do modelo anterior de definição das ações estratégicas relacionadas ao tema, a fim de dar cumprimento aos objetivos fundamentais da República (CF/1988, art. 3º, I, III e IV). Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, recebeu a ADI como ADO, (i) converteu o exame da medida cautelar em julgamento de mérito; e (ii) julgou procedente a ação para que seja suprida a omissão reconhecida, determinando-se o restabelecimento do cuidado antes adotado e ao qual se retrocedeu, com a inclusão, no Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, de disciplina objetiva e expressa dos objetivos, metas, programas e indicadores para acompanhamento de feminicídios e mortes decorrentes da intervenção de agentes de segurança pública, prevista no Decreto presidencial 9.630/2018, a ser cumprido no prazo máximo de 120 dias.
É inconstitucional — por exorbitar os limites outorgados ao Presidente da República (CF/1988, art. 84, IV) e vulnerar políticas públicas de proteção a direitos fundamentais — norma de decreto presidencial, editado com base no poder regulamentar, que inova na ordem jurídica e fragiliza o programa normativo estabelecido pela Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento). A aquisição de armas de fogo deve se pautar pelo caráter excepcional, razão pela qual se exige a demonstração concreta da efetiva necessidade, por motivos tanto profissionais quanto pessoais. É inconstitucional — por exorbitar os limites outorgados ao Presidente da República (CF/1988, art. 84, IV) e vulnerar políticas públicas de proteção a direitos fundamentais — norma de decreto presidencial, editado com base no poder regulamentar, que inova na ordem jurídica e fragiliza o programa normativo estabelecido pela Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento). Na espécie, os diversos atos normativos editados pelo Presidente da República com a finalidade de promover a chamada “flexibilização das armas” no País extrapolaram o conteúdo do referido Estatuto — que inaugurou uma política de controle responsável de armas de fogo e munições no território nacional — e substituíram os parâmetros legais por outras diretrizes estabelecidas unilateralmente. As medidas decorrentes das inovações normativas caracterizam manifesto retrocesso na construção de políticas voltadas à segurança pública e ao controle de armas no Brasil, vulnerando as diretrizes nucleares do Estatuto. Ademais, a livre circulação de cidadãos armados, carregando consigo múltiplas armas de fogo, atenta contra os valores da segurança pública e da defesa da paz, criando risco social incompatível com ideais constitucionalmente consagrados. A aquisição de armas de fogo deve se pautar pelo caráter excepcional, razão pela qual se exige a demonstração concreta da efetiva necessidade, por motivos tanto profissionais quanto pessoais. As espécies de necessidade ficta ou presumida, nas quais o índice de realidade torna-se secundário, não realizam o dever de diligência do Estado, e são, por conseguinte, contrárias à ordem constitucional. Nesse contexto, a única interpretação do art. 4º, caput, do Estatuto do Desarmamento compatível com a Constituição é aquela que vê na declaração de efetiva necessidade a conjugação de dois fatores: (a) a imperatividade da demonstração de que, no caso concreto, realmente exista a necessidade de adquirir uma arma de fogo, segundo os critérios legais; e (b) a obrigação do Poder Executivo de estabelecer procedimentos fiscalizatórios sólidos que permitam auferir a realidade da necessidade. Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário julgou diversas ações que tratam do tema e, conforme as respectivas atas de julgamento: conferiu interpretação conforme a Constituição: ao art. 4º do Estatuto do Desarmamento, fixando a orientação hermenêutica de que a posse de armas de fogo só pode ser autorizada às pessoas que demonstrem concretamente, por razões profissionais ou pessoais, possuírem efetiva necessidade; ao art. 4º, § 2º, do Estatuto do Desarmamento, e ao art. 2º, § 3º, do Decreto 9.847/2019, para fixar a tese de que a limitação dos quantitativos de munições adquiríveis se vincula àquilo que, de forma diligente e proporcional, garanta apenas o necessário à segurança dos cidadãos; ao art. 10, § 1º, inciso I, do Estatuto do Desarmamento, para fixar a tese hermenêutica de que a atividade regulamentar do Poder Executivo não pode criar presunções de efetiva necessidade outras além daquelas já disciplinadas em lei; e ao art. 27 do Estatuto do Desarmamento, a fim de fixar a tese hermenêutica de que aquisição de armas de fogo de uso restrito só pode ser autorizada no interesse da própria segurança pública ou da defesa nacional, não em razão do interesse pessoal do requerente; bem como declarou a inconstitucionalidade: da Portaria Interministerial 1.634/GM-MD, de 22 de abril de 2020; do art. 3º, § 1º, do Decreto 9.845/2019; do art. 3º, incisos I e II, e § 1º, do Decreto 9.846/2019; do art. 2º, incisos I e II, e § 1º, dos Decretos 9.845/2019, 9.846/2019, 9.847/2019; do § 11 do art. 12 do Decreto 9.847/2019 e do § 3º do art. 3º do Decreto 9.846/2019; dos incisos I e II do § 2º do art. 34 do Decreto 9.847/2019; dos incisos I, II, VI e VII do § 3º do art. 2º do Regulamento de Produtos Controlados (Decreto 10.030/2019), incluídos pelo Decreto 10.627/2021; do § 1º do art. 7º do Decreto 10.030/2019 (incluído pelo Decreto 10.627/2021); dos §§ 8º e 8º-A do art. 3º Decreto 9.845/2019, incluído pelo Decreto 10.628/2021; da expressão normativa “quando as quantidades excederem os limites estabelecidos nos incisos I e II do caput”, inscrita no inciso II do § 5º do art. 3º do Decreto 9.846/2021, na redação dada pelo Decreto 10.629/2021; dos incisos I e II do § 1º e do § 4º, caput e incisos I e II, todos do art. 4º do Decreto 9.846/2021, na redação dada pelo Decreto 10.629/2019; da expressão “por instrutor de tiro desportivo”, inscrita no inciso V do § 2º do art. 3º do Decreto 9.846/2019 (na redação dada pelo Decreto 10.629/2021) e “fornecido por psicólogo com registro profissional ativo em Conselho Regional de Psicologia” do inciso VI do § 2º do art. 3º do Decreto 9.846/2019 (na redação dada pelo Decreto 10.629/2021); do art. 7º do Decreto 9.846/2019 (na redação dada pelo Decreto 10.629/2021), restabelecendo-se, em consequência, a vigência do § 2º do art. 30 do Decreto 5.123/2004; do § 2º do art. 4º e do § 3º do art. 5º do Decreto 9.846/2019 (na redação dada pelo Decreto 10.629/2021); e do § 1º do art. 17 e da expressão normativa “em todo o território nacional”, prevista no caput do art. 17 do Decreto 9.847/2019 (na redação dada pelo Decreto 10.630/2021), fixando a exegese no sentido de que o âmbito espacial de validade do porte de arma de uso permitido concedido pela Polícia Federal deverá corresponder à amplitude do território (municipal, estadual ou nacional) onde se mostre presente a efetiva necessidade exigida pelo Estatuto, devendo o órgão competente fazer constar essa indicação no respectivo documento.
É constitucional — uma vez observadas as regras do sistema de repartição competências e a importância do princípio do desenvolvimento sustentável como justo equilíbrio entre a atividade econômica e a proteção do meio ambiente — norma estadual que proíbe a atividade de pesca exercida mediante toda e qualquer rede de arrasto tracionada por embarcações motorizadas na faixa marítima da zona costeira de seu território. Ao vedar tal atividade, o estado-membro atua no âmbito de sua competência concorrente suplementar em matéria de pesca e de proteção do meio ambiente (CF/1988, art. 24, VI), a qual é reforçada pela imposição de defesa e preservação conferida ao Poder Público (CF/1988, art. 225, § 1º, V e VII) (1). Nesse contexto, o mar territorial brasileiro, apesar de integrar o domínio da União (CF/1988, art. 20, VI), situa-se, simultaneamente, em seu próprio espaço territorial e no dos estados costeiros e municípios confrontantes, razão pela qual se sujeita, ao mesmo tempo, a três ordens jurídicas sobrepostas: a legislação federal (ou nacional), a estadual e a municipal (2). A lei estadual objeto de apreciação (Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável da Pesca riograndense) está em consonância com as diretrizes e normas gerais da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca (Lei 11.959/2009), na qual vedada expressamente a prática de toda e qualquer modalidade de pesca predatória no território marítimo brasileiro (art. 6º). Na espécie, os dispositivos impugnados se legitimam, também, em razão do conteúdo da Lei Complementar 140/2011. Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, julgou improcedente a ação para assentar a constitucionalidade do art. 1º, parágrafo único, e do art. 30, VI, e, ambos da Lei 15.223/2018 do Estado do Rio Grande do Sul (3). (1) Precedente citado: ADI 861. (2) Precedente citado: ADI 2.080. (3) Lei 15.223/2018 do Estado do Rio Grande do Sul: “Art. 1º Fica instituída a Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável da Pesca no Estado do Rio Grande do Sul, objetivando promover o desenvolvimento sustentável da atividade pesqueira como forma de promoção de programas de inclusão social, de qualidade de vida das comunidades pesqueiras, de geração de trabalho e renda e de conservação da biodiversidade aquática para o usufruto desta e das gerações futuras. Parágrafo único. Esta Lei é aplicável a toda atividade de pesca exercida no Estado do Rio Grande do Sul, incluindo a faixa marítima da zona costeira, em conformidade com o disposto no art. 3º, inciso I, do Decreto Federal 5.300, de 7 de dezembro de 2004, e no art. 1º da Lei Federal 8.617, de 4 de janeiro de 1993. (...) Art. 30. É proibida a pesca: (...) VI – mediante a utilização de: (...) e) toda e qualquer rede de arrasto tracionada por embarcações motorizadas, em todo território do Estado do Rio Grande do Sul, incluindo as 12 milhas náuticas da faixa marítima da zona costeira do Estado.”
“1. A Justiça Comum é competente para julgar ação ajuizada por servidor celetista contra o Poder Público, em que se pleiteia parcela de natureza administrativa, modulando-se os efeitos da decisão para manter na Justiça do Trabalho, até o trânsito em julgado e correspondente execução, os processos em que houver sido proferida sentença de mérito até a data de publicação da presente ata de julgamento.” Compete à Justiça Comum o julgamento de ação na qual servidor celetista demanda parcela de natureza administrativa contra o Poder Público. Por se tratar de parcela administrativa, a causa de pedir e o pedido da ação fundamentam-se em norma estatutária. Assim, embora o vínculo do servidor seja de natureza celetista, a apreciação do litígio não compõe a esfera de competência da Justiça do Trabalho, conforme entendimento fixado por esta Corte ao interpretar o art. 114, I, da Constituição Federal de 1988 (1). Ademais, por razões de segurança jurídica, os efeitos da decisão devem ser modulados, a fim de manter na Justiça trabalhista, até o trânsito em julgado e correspondente execução, os processos em que proferida sentença de mérito até a data de publicação da ata do presente julgamento (2). Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 1.143 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário. (1) Precedentes citados: RE 960.429 (Tema 992 RG); RE 655.283 (Tema 606 RG) e RE 846.854 (Tema 544 RG). (2) Precedentes citados: RE 600.091; RE 594.435 ED; RE 586.453 e RE 960.429 ED-segundos.
São inconstitucionais dispositivos da “Lei dos Caminhoneiros” (Lei 13.103/2015) que desrespeitam os direitos socias e as normas de proteção ao trabalhador (CF/1988, art. 7º), tais como os que preveem (a) a redução e/ou o fracionamento dos intervalos intrajornadas e do descanso semanal remunerado; e (b) a hipótese de descanso de motorista com o veículo em movimento; e aquele que (c) exclui do cômputo da jornada diária de trabalho do motorista profissional o tempo decorrido durante a carga ou a descarga do veículo, ou, ainda, a fiscalização da mercadoria. O gozo do período restante de descanso interjornada, durante os intervalos da jornada diária de labor ou no interior do veículo, além de impedir a completa recuperação física e mental do motorista — o que reflete diretamente na segurança das rodovias —, desnatura a própria finalidade do descanso entre jornadas, direito social indisponível. Da mesma forma, a previsão de descanso com o veículo em movimento, quando dois motoristas trabalharem em revezamento, desrespeita o que previsto constitucionalmente quanto à segurança e saúde do trabalhador. Não há que se cogitar que o devido descanso ocorra em um veículo em movimento, o qual, muitas das vezes, sequer possui acomodação adequada para o corpo repousar após a jornada diária ou semanal de trabalho. Ademais, o chamado “tempo de espera” não pode ser excluído da jornada normal de trabalho nem da jornada extraordinária, sob pena de causar efetivo prejuízo ao trabalhador, além de desvirtuar a própria relação jurídica trabalhista existente. Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário conheceu em parte da ação direta e, nessa extensão, a julgou parcialmente procedente para declarar a inconstitucionalidade: (i) por maioria, da expressão “sendo facultados o seu fracionamento e a coincidência com os períodos de parada obrigatória na condução do veículo estabelecida pela Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro, garantidos o mínimo de 8 (oito) horas ininterruptas no primeiro período e o gozo do remanescente dentro das 16 (dezesseis) horas seguintes ao fim do primeiro período”, prevista na parte final do § 3º do art. 235-C; (ii) por maioria, da expressão “não sendo computadas como jornada de trabalho e nem como horas extraordinárias”, prevista na parte final do § 8º do art. 235-C; (iii) por unanimidade, da expressão “e o tempo de espera”, disposta na parte final do § 1º do art. 235-C, por arrastamento; (iv) por unanimidade, do § 9º do art. 235-C, sem efeito repristinatório; (v) por maioria, da expressão “as quais não serão consideradas como parte da jornada de trabalho, ficando garantido, porém, o gozo do descanso de 8 horas ininterruptas aludido no § 3º”, do § 12 do art. 235-C; (vi) por maioria, da expressão “usufruído no retorno do motorista à base (matriz ou filial) ou ao seu domicílio, salvo se a empresa oferecer condições adequadas para o efetivo gozo do referido repouso”, constante do caput do art. 235-D; (vii) por unanimidade, dos §§ 1º, 2º e 5º do art. 235-D; (viii) por unanimidade, do inciso III do art. 235-E, todos da CLT, com a redação dada pelo art. 6º da Lei 13.103/2015; e (ix) por maioria, da expressão “que podem ser fracionadas, usufruídas no veículo e coincidir com os intervalos mencionados no § 1º, observadas no primeiro período 8 horas ininterruptas de descanso”, na forma como prevista no § 3º do art. 67-C do CTB, com redação dada pelo art. 7º da Lei 13.103/2015.