Supremo Tribunal Federal • 10 julgados • 19 de out. de 2006
O Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta proposta pelo Governador do Estado do Mato Grosso do Sul para declarar a inconstitucionalidade do § 1º do art. 105 da Lei 2.207/2000, na redação que lhe foi dada pelo art. 1º da Lei 2.417/2002, ambas do referido Estado-membro, que exclui os aposentados, pensionistas, militares reformados e reservistas do custeio do plano de saúde dos segurados do regime de previdência social estadual. Inicialmente, afastou-se a alegação de vício formal, ao fundamento de que, embora se tenha, por iniciativa parlamentar, redimensionado o orçamento do custeio desse plano, a matéria não é orçamentária em si, de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, nos termos da alínea b do § 1º do art. 61 da CF, e ainda que fosse, este dispositivo não é de observância obrigatória aos Estados, pois destinado exclusivamente aos Territórios. Por outro lado, entendeu-se que a norma impugnada viola o art. 195, § 5º, da CF, que estabelece que nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.
Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, rejeitou embargos de declaração opostos pelo Governador do Estado do Amazonas contra acórdão que julgara parcialmente procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei 2.749/2002, do Estado do Amazonas, que dispõem sobre a apuração e distribuição de parcelas do produto de arrecadação do ICMS destinadas aos Municípios. Sustentava-se, na espécie, a ocorrência de omissão, ao fundamento de não se ter levado em conta a impossibilidade material de retroação dos efeitos do acórdão embargado a período anterior a sua prolação, haja vista a incapacidade financeira dos Municípios de restituir ou compensar os valores que receberam a maior. Pretendia-se, assim, fossem atribuídos efeitos ex nunc ao referido julgado — v. Informativos 310 e 434. Entendeu-se não estar caracterizada a omissão apontada, e que o recurso visaria, na verdade, dirimir casos concretos relacionados com a conjuntura de Municípios do Estado do Amazonas. Vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Carlos Britto e Ellen Gracie, presidente, que acolhiam os embargos de declaração por considerar que a manutenção da eficácia ex tunc à declaração acarretaria sérios problemas de recomposição dos valores, salientando que a aplicação do art. 27 da Lei 9.868/99, ao caso, justificar-se-ia diante do princípio constitucional da segurança jurídica.
O Tribunal, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho - ANAMATRA para declarar a inconstitucionalidade do § 2º do art. 3º do Provimento 8/2001 do TRT da 20ª Região, que considera ato atentatório à dignidade do Tribunal a repetição verbo ad verbum de decisão anulada ou manutenção dos mesmos fundamentos quanto ao objeto da nulidade, quando retornem os autos à Vara de origem para prolação de nova sentença. Entendeu-se que a Corte requerida, ao criar, por meio de Provimento, infração própria de magistrado nova e destacada, atribuindo-lhe o desvalor “atentatória à dignidade do Tribunal”, cujas conseqüências de seu cometimento serão disciplinares, violou o art. 93, caput, da CF, por tratar de matéria reservada a lei complementar federal (LC 35/79 - LOMAN). Vencidos os Ministros Marco Aurélio, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Gilmar Mendes e Nelson Jobim que julgavam improcedente o pedido por considerar que a norma impugnada seria mera orientação interna do TRT, que explicitaria o que já está contido na LOMAN.
O Tribunal julgou parcialmente procedente ação direta ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT para declarar a inconstitucionalidade da expressão “cinqüenta por cento do” contida no art. 5º, § 2º, I, da Lei 7.249/98, do Estado da Bahia, com a redação que lhe foi dada pela Lei 9.003/2004, que, dispondo sobre o Sistema de Seguridade Social dos Servidores Públicos Estaduais, estabelece que o custeio da previdência social será feito por meio de contribuições dos órgãos e entidades da Administração direta e indireta do Estado, dos servidores públicos ativos, inativos e pensionistas. Adotou-se o entendimento fixado pela Corte no julgamento da ADI 3105/DF e da ADI 3128/DF (DJU de 18.2.2005), no sentido da constitucionalidade da cobrança da contribuição previdenciária sobre os proventos de aposentadoria e pensões, e da inconstitucionalidade, por ofensa ao princípio da igualdade, da adoção de tratamento diferenciado entre contribuintes, quanto à sujeição do tributo, em razão de o gozo do benefício ou o cumprimento das exigências para a sua obtenção se darem antes ou depois da publicação da EC 41/2003. O Tribunal também deu interpretação conforme a Constituição ao inciso I do art. 3º da Lei 7.249/98 para assentar que o custeio da seguridade social incumbe aos servidores públicos ativos e inativos da Administração direta e indireta do Estado, sujeitos ao regime estatutário.
A redução do prazo prescricional pela metade ocorre, nos termos do art. 115 do CP, quando o agente contar com 70 anos na data da sentença condenatória. Com base nesse entendimento e afirmando que o mencionado dispositivo não foi derrogado pela Lei 10.741/2003, que define como idoso aquele que possui idade igual ou superior a 60 anos, a Turma indeferiu habeas corpus em que se pretendia o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva de condenado que completara 70 anos de idade após o julgamento da apelação e antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. Considerou-se que a prolação de acórdão somente deve ser reputada como marco temporal para a redução da prescrição quando: a) tiver o agente sido julgado diretamente por um colegiado; b) houver reforma da sentença absolutória em julgamento de recurso para condenar o réu e c) ocorrer a substituição do decreto condenatório em sede de recurso no qual reformada parcialmente a sentença. Assim, não seria possível a aplicação do referido art. 115 do CP às hipóteses em que se confirma a condenação em sede de recurso, como ocorrera no caso. Por fim, asseverou-se que a idade prevista no Estatuto do Idoso foi fixada como parâmetro para direitos e obrigações nele definidos.
A Turma deferiu habeas corpus para trancar processo-crime instaurado contra denunciado pela suposta prática do delito previsto no art. 22 da Lei 7.492/86, consistente na realização de operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover a evasão de divisas do país. No caso, o paciente, na qualidade de advogado de jogador de futebol, teria recebido determinada quantia em dinheiro por auxiliar a transferência do “passe” de seu cliente, sem que a transação se realizasse por intermédio de instituição financeira brasileira e sem que houvesse a comprovação da internação desse montante. Entendeu-se, a teor do disposto no art. 43, I, do CPP, que o fato narrado evidentemente não constitui crime, uma vez que a venda ou cessão de “passe” de atleta profissional a clube internacional não se converte em moeda ou divisa, de modo a configurar objeto material do crime atribuído ao paciente. Desta forma, o valor negocial do “passe” de um jogador não poderia ser reduzido ao conceito de mercadoria e caracterizar ativo financeiro de operação de câmbio. Ressaltou-se, ainda, que a denúncia suscitara dúvida de que toda a quantia recebida pelo paciente teria sido internada no país. Asseverou-se, no ponto, que não fora imputada ao paciente a prática ou a cooperação na prática de infração penal tributária e sim crime contra o sistema financeiro, conduta essa que não se enquadraria no caput e no parágrafo único do mencionado art. 22 da Lei 7.492/86.
A falsificação de documento público, por si só, configura infração penal praticada contra interesse da União, a justificar a competência da Justiça Federal (CF, art. 109, IV), ainda que os documentos falsos tenham sido utilizados perante particular. Com base nesse entendimento, a Turma deferiu habeas corpus para fixar a competência da Justiça Federal para processar e julgar denunciado pela suposta prática dos crimes de uso de documento falso e de falsificação de documento público (CP, art. 304 e art. 297, respectivamente), consistentes na utilização de falsa certidão negativa de débito do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS junto à instituição financeira privada para obtenção de financiamento. Entendeu-se que a credibilidade, a fé pública e a presunção de veracidade dos atos da Administração foram diretamente atingidas. Asseverou-se, ademais, que, no caso, objetiva-se a proteção dos interesses da referida autarquia, de forma a compelir o devedor da previdência a saldar sua dívida antes de adquirir qualquer empréstimo.
Por ofensa ao princípio do devido processo legal, a Turma deu provimento a agravo de instrumento interposto pelo INSS, para, convertendo-o em recurso extraordinário e dando-lhe provimento, determinar o retorno dos autos para a Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Rio Grande do Sul. No caso, os Juizados Especiais Federais julgaram procedente, em parte, pedido formulado em ação ordinária em que se discutia matéria previdenciária relativa à aplicação do IGP-DI, referente aos reajustes realizados em determinados meses. Todavia, no dispositivo desta sentença ficara registrado que as partes poderiam recorrer com a simples aposição da expressão “apelo”, sendo remetidas ao juízo de 2º grau as argumentações da peça inicial ou da contestação. Em razão disso, o ora agravante consignara tão-somente a referida expressão, mas o seu recurso não fora conhecido ao fundamento de que essa prática seria contrária aos princípios dos Juizados Especiais Federais. Inicialmente, salientou-se que, por determinação expressa do art. 13 da Lei 10.259/2001, não incidiria, na espécie, o reexame necessário previsto no art. 475, II, do CPC [“Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição... a sentença:... II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI)”]. Em seguida, considerou-se que o curso do pro¬cesso deveria ser corrigido pelo STF, em razão da concretização do princípio do devido processo legal, o qual lastreia um rol de garantias constitucionais voltadas para a efetividade dos processos jurisdicionais e administrativos, assegurando que todo julgamento seja realizado com a observância das regras procedimentais previamente estabelecidas, e, além disso, representa uma exigência de fair trail, no sentido de garantir a participação equânime, justa, leal, sempre imbuída pela boa-fé e pela ética dos sujeitos processuais. Asseverou-se que, não obstante a decisão singular tenha admitido mera cota de “apelo” com base na ponderação entre os valores constitucionais da ampla defesa e o da garantia de razoável duração do processo, tal opção gerara discussão paralela no tocante à realização de audiência bilateral. Recurso provido para que se intime o representante legal da mencionada autarquia para emendar o recurso inominado, devolvendo-lhe o prazo legal.
Compete à Justiça Comum julgar causa relativa à complementação de aposentadoria, a cargo de entidade de previdência privada, cuja responsabilidade não decorre do contrato de trabalho. Com base nesse entendimento, a Turma conheceu de agravo de instrumento interposto por entidade de previdência privada, convertendo-o em recurso extraordinário e dando-lhe provimento para reformar acórdão que declarara a competência da justiça trabalhista para processar e julgar a presente causa ao fundamento de se tratar de relação decorrente de contrato de trabalho. Inicialmente, aduziu-se a existência de duas situações: 1) a aposentadoria paga por fundo de previdência fechado possui um contrato de trabalho como causa remota e o ex-empregador é geralmente o garantidor da entidade previdenciária; 2) o segurado não possui relação de emprego com o fundo de previdência, nem com o ex-empregador, enquanto garantidor da entidade pagadora de complementações. Ademais, ressaltou-se que o art. 202, § 2º, da CF passou a estabelecer que as condições contratuais previstas nos planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho. Entendeu-se que, no caso, a competência deveria ser verificada em face da extinção do contrato de trabalho e da nova relação criada em decorrência da aposentadoria.
Em conclusão de julgamento, a Turma, diante do empate na votação, deferiu habeas corpus para excluir, da sentença de pronúncia proferida contra o paciente, o crime de fraude processual (CP, Art. 347: “Inovar artificiosamente, na pendência de processo civil ou administrativo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito:... Parágrafo único: Se a inovação se destina a produzir efeito em processo penal, ainda que não iniciado, as penas aplicam-se em dobro.”). Sustentava a impetração a atipicidade do delito, a caracterização da conduta como ato de execução ou de exaurimento do crime de ocultação de cadáver, bem como a presença de desistência voluntária ou de arrependimento eficaz — v. Informativo 443. Inicialmente, afastou-se a alegação de que o disposto no parágrafo único do art. 347 do CP exprimiria apenas causa de aumento de pena do delito previsto no caput. Asseverou-se, no ponto, a existência de duas modalidades de fraude processual: a fraude em processo extrapenal (caput) e a ocorrente em processo penal, ainda que não iniciado (parágrafo único), sendo a segunda espécie autônoma e mais grave que a primeira. Por outro lado, entendeu-se indevida a imputação ao paciente do cometimento, em concurso, dos delitos de ocultação de cadáver e de fraude processual, sob o risco de bis in idem, uma vez que esta, consistente, no caso, na limpeza do local do crime, poderia ser inserida no iter criminis daquela. Salientou-se, por fim, o caráter subsidiário da fraude processual, o fato de a ocultação de cadáver representar forma especialíssima dessa fraude e a possibilidade desta ser realizada de diversos modos, desde que artificiosos. Vencidos os Ministros Gilmar Mendes, relator, e Joaquim Barbosa que indeferiam o writ ao fundamento de que a sua análise envolveria o reexame de elementos fáticos relacionados ao crime de homicídio qualificado e, superada esta questão, o fato descrito configurar, em tese, crime de fraude processual.