Supremo Tribunal Federal • 5 julgados • 24 de mar. de 2010
Em conclusão de julgamento, o Tribunal proveu parcialmente agravo regimental interposto pela União contra decisão do Min. Marco Aurélio, então Presidente do Supremo Tribunal Federal, que julgara improcedentes os pedidos por ela formulados em embargos à execução de acórdão que julgara procedente, em parte, pedido formulado em ação cível originária. Alegava a agravante a nulidade da decisão impugnada, porque prolatada monocraticamente, ao fundamento de que os embargos opostos à execução do julgado consubstanciariam nova ação de conhecimento, a atrair a competência do Plenário, a teor do disposto nos artigos 5º, IV, e 247 a 251 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal - RISTF. Reiterava, ainda, os argumentos de nulidade da execução e excesso de execução — v. Informativo 310. Preliminarmente, o Tribunal decidiu que o Min. Dias Toffoli, sucessor do Min. Sepúlveda Pertence, impedido, poderia participar do julgamento. Considerou-se, no ponto, a natureza intuitu personae do instituto do impedimento, asseverando não haver comunicação nem do impedimento, nem da suspeição, àquele que sucede. Em seguida, afastou-se a alegada nulidade da decisão impugnada, por se entender ser da competência do Presidente do STF executar e fazer executar as ordens e decisões do Tribunal, ressalvadas as atribuições dos Presidentes das Turmas e dos relatores, nos termos do art. 13 do RISTF. Ressaltou-se que a União estaria a evocar dispositivos do RISTF que estariam a disciplinar não a execução, mas causas originárias da competência do Tribunal. Observou-se que, conquanto os embargos à execução consubstanciem ação, ter-se-ia que o ajuizamento revelaria incidente da execução, surgindo, então, a competência do Presidente da Corte. No mérito, concluiu-se pela existência de excesso na execução, haja vista a incidência de juros de mora desde 1985 relativamente a parcelas que teriam sido retidas pela União, indevidamente, somente nos anos de 1988 e 1989.
Os delitos previstos no art. 1º da Lei 8.137/90 são de natureza material, exigindo para sua tipificação a constituição definitiva do crédito tributário para o desencadeamento da ação penal. Tendo em conta essa orientação, a Turma deferiu habeas corpus para reconhecer a nulidade de ação penal instaurada contra acusados pela suposta prática de crimes contra a ordem tributária (Lei 8.137/90, art. 1º, III), por vislumbrar, no caso, falta de justa causa para o desencadeamento da ação penal. Alegava a impetração que a persecução penal iniciara-se antes mesmo de haver qualquer ato de fiscalização, e que o processo administrativo tendente a constituir o crédito tributário somente se encerrara pouco antes de prolatado acórdão pelo TRF da 3ª Região, em virtude de decisão do Conselho de Contribuintes, que negara provimento aos recursos interpostos pela empresa da qual os pacientes são sócios. Sustentava, assim, que a materialidade do crime não estaria configurada por ocasião do recebimento da denúncia e, em conseqüência, inexistiria justa causa apta a autorizar o desencadeamento da ação penal. Asseverou-se que careceria de justa causa qualquer ato investigatório ou persecutório judicial antes do pronunciamento definitivo da administração fazendária no tocante ao débito fiscal e responsabilidade do contribuinte. Considerou-se que o parquet não teria a faculdade de decidir subjetivamente sobre o que seria, numa visão prospectiva, “definitivo” em termos de lançamento tributário, autorizando, destarte, o oferecimento da denúncia antes de constituído o crédito em favor do Fisco. Ressaltou-se, ademais, que tal entendimento encontrar-se-ia, já por ocasião do recebimento da denúncia, pacificado no STF, e consubstanciada na Súmula Vinculante 24 (“Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.”).
Em conclusão de julgamento, a Turma deferiu habeas corpus para cassar acórdão proferido pelo STJ e convalidar vício processual que dera origem a writ impetrado naquela Corte. No caso, a impetração alegava que acórdão do STJ — que anulara processo penal, desde o recebimento da denúncia, por inobservância do art. 38 da Lei 10.409/2002 — causaria prejuízo ao paciente, haja vista que prolatado após mais de 2 anos da impetração, quando este já teria cumprido mais de 2/3 da pena e obtido o livramento condicional — v. Informativo 547. Considerou-se que, se o próprio paciente não teria mais interesse na decisão que lhe fora favorável, não haveria dúvida de que a nulidade outrora existente teria sido superada. Além disso, aduziu-se ser necessária a observância da utilidade das decisões proferidas no processo penal, bem como do princípio constitucional da razoável duração do processo.
A Turma, superando o óbice do Enunciado 691 da Súmula do STF, por maioria, concedeu, de ofício, habeas corpus para permitir que condenado pela prática dos crimes descritos nos artigos 33 e 35, c/c o art. 40, V, todos da Lei 11.343/2006 aguarde em liberdade o julgamento de idêntica medida no STJ. No caso, o juiz sentenciante, após condenar o paciente, mantivera a prisão cautelar ao fundamento de que nessa condição ele permanecera durante toda a instrução criminal. Aduziu-se que o magistrado, quando da prolação da sentença penal condenatória, tem um duplo dever: o de fundamentar o decreto de condenação penal e o de justificar a decretação da custódia cautelar ou a sua manutenção. Enfatizou-se que essa orientação fora positivada pela Lei 11.719/2008 (“Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória: ... Parágrafo único. O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta.”). Entendeu-se que, na espécie, o magistrado não motivara nem sequer indicara as razões pelas quais mantivera a segregação. Estenderam-se os efeitos da decisão aos co-réus. Vencida a Min. Ellen Gracie, relatora, que não conhecia do writ.
A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus no qual se pleiteava o trancamento de investigação ou qualquer persecução criminal iniciada com base exclusivamente em denúncias anônimas. Tratava-se, na espécie, de procedimento investigatório — que culminara com a quebra de sigilo telefônico dos pacientes — instaurado com base em delação apócrifa para apurar os crimes de associação para o tráfico de entorpecentes (Lei 6.368/76, art. 14) e de corrupção passiva majorada (CP, art. 317, § 1º), supostamente praticados por oficiais de justiça que estariam repassando informações sobre os locais de cumprimento de mandados de busca e apreensão e de prisão. Destacou-se, de início, entendimento da Corte no sentido de que a denúncia anônima, por si só, não serviria para fundamentar a instauração de inquérito policial, mas que, a partir dela, poderia a polícia realizar diligências preliminares para apurar a veracidade das informações obtidas anonimamente e, então, instaurar o procedimento investigatório propriamente dito. Salientou-se que, no caso, a partir de informações obtidas por colaboradores, e, posteriormente, somadas às mencionadas ligações anônimas, policiais — ainda sem instaurar o pertinente inquérito policial — diligenciaram no sentido de apurar as identidades dos investigados e a veracidade das respectivas ocupações funcionais, tendo eles confirmado tratar-se de oficiais de justiça, cujos nomes eram os mesmos fornecidos pelos “denunciantes”. Asseverou-se que, somente após essas explicitações, o delegado representara ao Judiciário local pela necessidade de quebra do sigilo telefônico dos investigados, considerando-se, no ponto, que os procedimentos tomados pela autoridade policial estariam em perfeita consonância com a jurisprudência do STF. Registrou-se, ademais, que o juízo monocrático, em informações prestadas, comunicara o devido recebimento da denúncia, porquanto demonstrada a existência da materialidade dos crimes imputados e indícios suficientes de autoria, não sendo o caso de rejeição sumária. Vencido o Min. Marco Aurélio, que deferia o writ para trancar a ação penal em curso contra os pacientes. Afirmava estar-se diante de um ato de constrição maior, a afastar a privacidade quanto às comunicações telefônicas, que é inviolável (CF, art. 5º, XII), não se podendo ter a persecução criminal simplesmente considerada denúncia anônima. Frisava que, no caso, simplesmente se buscara saber se aqueles indicados como a beneficiarem, quanto a cumprimento de mandados, delinqüentes seriam, ou não, oficiais de justiça. Aduzia ser muito pouco para se chegar a este ato extremo, saindo-se da estaca zero para o ponto de maior constrição, que é o da interceptação telefônica, na medida em que não se investigara coisa alguma. Considerava que, se assim o fosse, bastaria um ofício ao tribunal local para que este informasse sobre a identidade dos oficiais de justiça.