Supremo Tribunal Federal • 6 julgados • 17 de mai. de 2012
Em conclusão, o Plenário, por maioria, concedeu mandado de segurança impetrado por juiz substituto contra ato do CNJ, para anular decisão, que julgara improcedente pedido de providências por ele formulado, sob o fundamento de que o instituto da inamovibilidade (CF, art. 95, II) não alcançaria juízes substitutos, ainda que assegurados pela vitaliciedade. Ademais, também por votação majoritária, invalidou ato da Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, ao qual vinculado o magistrado, que determinara sua remoção e que resultara no pedido de providências respectivo, mantidos os atos já praticados até a data da anulação. Na espécie, o juiz alegava que, ao ingressar na magistratura estadual, fora lotado em determinada comarca, mas, posteriormente, tivera sua lotação alterada, várias vezes, para comarcas distintas — v. Informativo 614. Asseverou-se que a Constituição, ao tratar de juízes, faria referência às garantias da magistratura, condicionando apenas a vitaliciedade, no primeiro grau, a dois anos de exercício. Dessa forma, a irredutibilidade de subsídio e a inamovibilidade estariam estabelecidas desde o ingresso do magistrado na carreira, ou seja, aplicar-se-iam imediatamente. Em seguida, tendo em conta o que disposto na Loman (LC 35/79) quanto à inamovibilidade (“Art. 30 - O Juiz não poderá ser removido ou promovido senão com seu assentimento, manifestado na forma da lei, ressalvado o disposto no art. 45, item I. Art. 31 - Em caso de mudança da sede do Juízo será facultado ao Juiz remover-se para ela ou para Comarca de igual entrância, ou obter a disponibilidade com vencimentos integrais. ... Art. 45 - O Tribunal ou seu órgão especial poderá determinar, por motivo de interesse público, em escrutínio secreto e pelo voto de dois terços de seus membros efetivos: I - a remoção de Juiz de instância inferior;”), reputou-se que a regra seria o juiz que ostentasse o predicamento da inamovibilidade ser removido apenas com seu assentimento, consistindo exceção isso ocorrer quando, por escrutínio secreto, o tribunal ou seu órgão especial assim o determinar por motivo de interesse público. Acrescentou-se que a inamovibilidade seria garantia da magistratura para assegurar independência e imparcialidade do próprio Poder Judiciário. Aduziu-se, por outro lado, ser possível que a substituição fosse exercida por meio de escala sem que se removesse compulsoriamente o magistrado de sua comarca ou vara, de modo que respondesse temporariamente pelo serviço nos casos em que o juiz titular estivesse afastado ou sobrecarregado, nos termos do art. 50, § 1º, do Código de Organização do Estado de Mato Grosso (“Art. 50. Em suas faltas ou impedimentos, os Juízes de Direito serão substituídos, uns pelos outros, segundo escala anual aprovada pelo Conselho da Magistratura. § 1º Cada Juiz terá três substitutos sucessivos”). Em voto-vista, o Min. Ayres Britto, Presidente, registrou a distinção entre inamovibilidade e vitaliciedade. Assim, esta ocorreria após dois anos de exercício no cargo de juiz, a significar que a perda da função se daria apenas por trânsito em julgado de decisão judicial; aquela garantiria a permanência do juiz na unidade judiciária em que formalmente lotado, salvo por motivo de interesse público, reconhecido em decisão da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do CNJ. Explicitou que o contraponto ao juiz substituto seria o titular, e não o vitalício. Frisou que o concurso público se faria para cargo de juiz de determinado ramo do Poder Judiciário, e para que ele, juiz substituto, fosse designado para atuar em determinada unidade de competência judicante. A lotação alcançaria, portanto, tanto o titular quanto o substituto. Ressaltou não se confundir nomeação com lotação, visto que esta adstringir-se-ia a certa base físico-judiciária; aquela vincular-se-ia ao cargo. Anotou a possibilidade de alteração da lotação inicial do magistrado substituto por motivo de interesse público, devidamente justificada, sem necessidade de decisão colegiada do tribunal. Ocorre que a decisão plural impenderia somente no caso de remoção, de ofício, de juiz titular. Logo, seria possível que a designação compulsória de substituto se desse por decisão de presidente de tribunal, vice-presidente ou corregedor. A decisão administrativa, entretanto, deveria ser motivada, nos termos do art. 93, X, da CF. Pontuou que essa fundamentação deveria ser limitada pelos princípios do art. 37 da CF, bem como pelo do juiz natural (CF, art. 5º, LIII) e da vedação de tribunal de exceção (CF, art. 5º, XXXVII), a evitar que o substituto se transformasse em juiz itinerante. O Min. Cezar Peluso frisou que a competência desse magistrado em relação ao cargo compreenderia base territorial predefinida, fora da qual ele não seria substituto. O Min. Celso de Mello apontou que esse juiz teria a função de substituir ou de auxiliar, mas ocuparia seu cargo em área territorialmente delimitada. Vencido o Min. Marco Aurélio, que denegava a ordem por considerar que a inamovibilidade não guardaria pertinência com o cargo de juiz substituto, haja vista que o juiz seria assim nomeado para atender às necessidades de substituição. Ressaltava que assentar que o juiz substituto gozaria da prerrogativa inerente à inamovibilidade descaracterizaria o próprio cargo por ele ocupado e que eventual abuso do poder se resolveria em outro campo, sendo que cada Estado-membro poderia ter a própria organização judiciária, a limitar a movimentação do juiz substituto. Ademais, não admitia o mandado de segurança contra o ato do tribunal local.
O Plenário reafirmou jurisprudência no sentido da desnecessidade de lei complementar para dar efeitos ao art. 93, X, da CF, em face de sua autoaplicabilidade e, em consequência, denegou mandado de segurança impetrado contra decisão do CNJ, que revogara atos administrativos do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina — remoção voluntária de magistrados — por terem sido editados em sessão secreta e desprovidos de motivação. Aquele conselho determinara que os atos fossem revogados e repetidos em conformidade com o ordenamento jurídico vigente. Afastou-se o argumento de que a decisão impugnada fundamentara-se na Resolução 6/2005, do CNJ, que disporia sobre promoção, enquanto a situação de fato constituir-se-ia em remoção de juízes. Asseverou-se que a referência a norma mencionada — que estabelecera obrigatoriedade de sessão pública e votação nominal, aberta e fundamentada para a promoção por merecimento de magistrados —, apresentar-se-ia como argumento de reforço à afirmação da necessidade dos mesmos parâmetros para as deliberações a respeito das remoções voluntárias dos membros do Poder Judiciário. Precedentes citados: ADI 189/DF (DJU de 22.5.92); ADI 1303 MC/SC (DJU de 1º.9.2000); RE 235487/RO (DJU de 21.6.2002).
Em conclusão, o Plenário, por maioria, acolheu embargos declaratórios, opostos pelo Procurador-Geral da República, para assentar que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do art. 84 do CPP, inseridos pelo art. 1º da Lei 10.628/2002 (“§ 1º A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública. § 2º A ação de improbidade, de que trata a Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1º”) tenham eficácia a partir de 15.9.2005 — v. Informativos 543 e 664. Na espécie, alegava-se que a norma declarada inconstitucional teria vigido por três anos — com alterações nas regras de competência especial por prerrogativa de função quanto às ações de improbidade, inquéritos e ações penais — a exigir fossem modulados os efeitos do julgado. Destacou-se a necessidade de se preservar a validade dos atos processuais praticados no curso das mencionadas ações e inquéritos contra ex-ocupantes de cargos públicos e de mandatos eletivos julgados no período de 24.12.2002, data de vigência da Lei 10.628/2002, até a data da declaração de sua inconstitucionalidade, 15.9.2005. Pontuou-se que inúmeras ações foram julgadas com fundamento na Lei 10.628/2002 e, por segurança jurídica, necessário adotar-se a modulação, assegurada a eficácia ex nunc, nos termos do art. 27 da Lei 9.868/99. Asseverou-se que os processos ainda em tramitação não teriam sua competência deslocada para esta Corte. Vencidos os Ministros Menezes Direito, relator originário, e Marco Aurélio, que rejeitavam os embargos. Este realçava que o Supremo, ao declarar um ato normativo em conflito com a Constituição, o faria com eficácia retroativa, por ser lei natimorta. Assentava que a Corte estaria a modular na contramão de seus pronunciamentos anteriores, preservando-se situações que já se mostrariam, à época, conflitantes com a legislação, segundo o que proclamado quando retirado do cenário jurídico o Verbete 394 da Súmula do STF (“Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício”). Frisava que a modulação pretendida implicaria retrocesso inconcebível. Aquele, ao fundamento de inexistir pedido de modulação dos efeitos na petição inicial da ação direta.
Ao reafirmar entendimento no sentido de que a condição de militar da ativa não seria suficiente, por si só, para atrair a excepcional competência da justiça castrense, a 2ª Turma, por maioria, deferiu habeas corpus para invalidar ação penal instaurada em desfavor de sargento da Marinha perante a justiça militar da União, desde a denúncia, inclusive. No caso, o paciente fora condenado por crime de atentado violento ao pudor praticado contra menor de catorze anos (CPM, art. 233 c/c o art. 236, I), conduta esta perpetrada em complexo naval onde o militar ministrava aulas de karatê para garotos. Ressaltou-se, de início, que do art. 9º, II, b, do CPM [“Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: ... II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados: ... b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil”], poder-se-ia depreender a predominância do critério do lugar do crime (ratione loci). Consignou-se, entretanto, a dificuldade em se definir os contornos do que poderia ser considerado “lugar sujeito à administração militar”. Observou-se que o local em que supostamente cometido o delito seria uma associação civil de direito privado e que o fato teria ocorrido no exercício de atividade estranha à função militar, a afastar a configuração de crime dessa espécie. Asseverou-se que a simples circunstância de a Marinha haver disponibilizado instalações para a referida entidade não transformaria esta em “lugar sujeito à administração militar”. Ademais, destacou-se que a competência da justiça castrense não poderia ser ampliada indevidamente, a ponto de equiparar-se clube social a organização militar. Assinalou-se que por mais grave que tivesse sido a eventual prática criminosa, ela não teria reflexo na ordem e na disciplina militares, cuja tutela seria a razão maior de ser dessa justiça. Por fim, ressalvou-se a possibilidade de renovação da persecutio criminis perante o órgão competente da justiça comum, desde que ainda não consumada a prescrição da pretensão punitiva do Estado. Vencido o Min. Ricardo Lewandowski, que indeferia a ordem ao fundamento de tratar-se de crime militar, porque executado por militar, em dependência de igual natureza, em entidade que congregaria militares e seus familiares, contra menor, filho de militar subordinado ao paciente.
A 1ª Turma, por maioria, deferiu, em parte, habeas corpus para reduzir, da pena imposta, a causa de aumento prevista no art. 40, III, da Lei 11.343/2006 (“As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos”). No caso, a paciente fora presa em flagrante delito quando trazia consigo, dentro de ônibus coletivo público intermunicipal, maconha proveniente do Paraguai, para ser entregue na cidade de São Paulo. Diante deste fato, com aplicação das causas de aumento de pena previstas no art. 40, I e III, da Lei de Drogas, fora condenada a 6 anos e 8 meses de reclusão. Entendeu-se que, com base em interpretação teleológica, o disposto no art. 40, III, do mencionado diploma, referir-se-ia a comercialização em transporte público, não alcançando a situação de o agente ter sido surpreendido quando trazia consigo droga em ônibus intermunicipal, sem que nele a tivesse vendido. Por fim, fixou-se em 5 anos e 10 meses a reprimenda e indeferiu-se o pedido de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, em razão de a condenação superar 4 anos (CP, art. 44, I e II). Vencido o Min. Luiz Fux, relator, que indeferia a ordem, por reputar correto o acórdão do STJ, que considerava que a causa de aumento de pena prevista no art. 40, III, da Lei 11.343/2006 deveria incidir nos casos em que o agente utilizasse transporte público com grandes aglomerações de pessoas para passar desapercebido, a tornar a traficância mais fácil e ágil, o que bastaria, para sua incidência, o simples uso desse tipo de transporte.
A 2ª Turma indeferiu habeas corpus em que se alegava nulidade de interceptação telefônica realizada pela polícia militar em suposta ofensa ao art. 6º da Lei 9.296/96 (“Deferido o pedido, a autoridade policial conduzirá os procedimentos de interceptação, dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua realização”). Na espécie, diante de ofício da polícia militar, dando conta de suposta prática dos crimes de rufianismo, manutenção de casa de prostituição e submissão de menor à exploração sexual, a promotoria de justiça requerera autorização para interceptação telefônica e filmagens da área externa do estabelecimento da paciente, o que fora deferida pelo juízo. Asseverou-se que o texto constitucional autorizaria interceptação telefônica para fins de investigação criminal ou de instrução processual penal, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma da lei (CF, art. 5º, XII). Sublinhou-se que seria típica reserva legal qualificada, na qual a autorização para intervenção legal estaria submetida à condição de destinar-se à investigação criminal ou à instrução processual penal. Reconheceu-se a possibilidade excepcional de a polícia militar, mediante autorização judicial, sob supervisão do parquet, efetuar a mera execução das interceptações, na circunstância de haver singularidades que justificassem esse deslocamento, especialmente quando, como no caso, houvesse suspeita de envolvimento de autoridades policias da delegacia local. Consignou-se não haver ilicitude, já que a execução da medida não seria exclusiva de autoridade policial, pois a própria lei autorizaria o uso de serviços e técnicos das concessionárias (Lei 9.296/96, art. 7º) e que, além de sujeitar-se ao controle judicial durante a execução, tratar-se-ia apenas de meio de obtenção da prova (instrumento), com ela não se confundindo.