Supremo Tribunal Federal • 8 julgados • 16 de mai. de 2013
O Plenário, por maioria, julgou procedente pleito formulado em ação direta contra o art. 29 da Lei 6.555/2004, do Estado de Alagoas, na parte em que autoriza o parcelamento de débitos oriundos de multas de trânsito, inclusive os inscritos em dívidas ativas. Reputou-se que, na esteira da jurisprudência da Corte, a norma questionada estaria em conflito com o art. 22, XI, da CF, segundo o qual competiria privativamente à União legislar sobre trânsito e transporte. Vencido, em parte, o Min. Marco Aurélio, que julgava procedente o pedido em menor extensão. Admitia o parcelamento por entender tratar-se de receita do estado-membro. Sublinhava, no entanto, que o legislador alagoano teria adentrado no campo do direito processual, ao prever, no § 4º do art. 29 da norma impugnada, que “o pleito de parcelamento do débito implica, em si, a desistência, a renúncia a processo, a pretensão já submetida ao Judiciário”. Assentava, assim, a inconstitucionalidade do aludido preceito.
A Lei nº 11.464/07, que majorou o tempo necessário para progressão no cumprimento da pena, não se aplica a situações jurídicas que retratem crime hediondo ou equiparado cometido em momento anterior à respectiva vigência. Obs: Redação da tese aprovada nos termos do item 2 da Ata da 12ª Sessão Administrativa do STF, realizada em 09/12/2015. A exigência de cumprimento de um sexto da pena para a progressão de regime se aplica a crimes hediondos praticados antes da vigência da Lei 11.464/2007, que, ao alterar a redação do art. 2º da Lei 8.072/90, exigiria o cumprimento de dois quintos da pena, para condenado primário, e três quintos, para reincidente. Essa a conclusão do Plenário que desproveu o recurso extraordinário. Asseverou-se que a irretroatividade de lei seria condição da segurança jurídica e que, no âmbito penal, essa regra teria especificidades (CF, art. 5º, XL). Registrou-se que, no caso, a prática delituosa de crime hediondo teria ocorrido antes do advento da referida lei. O Min. Teori Zavascki rememorou o teor do julgamento do RHC 91300/DF (DJe de 3.4.2009), oportunidade em que decidido que o sistema jurídico anterior à edição da Lei 11.464/2007 seria mais benéfico ao condenado em matéria de requisito temporal. Ademais, nos autos do HC 94025/SP (DJe de 1º.8.2008), deliberara-se que, relativamente aos crimes hediondos perpetrados antes da vigência do aludido diploma, a progressão de regime deveria observar o critério previsto nos artigos 33 do CP e 112 da LEP, a preconizar a fração de um sexto. Nesse sentido, o art. 1º, § 2º, da Lei 8.072/90, na sua redação original, não poderia ser usado como parâmetro de comparação com a Lei 11.464/2007, porque declarado inconstitucional no julgamento do HC 82959/SP (DJU de 1º.9.2006). O Min. Luiz Fux lembrou, ainda, precedente firmado no AI 757480/RJ (DJe de 27.11.2009), no sentido de que a Lei 11.464/2007 apenas seria aplicável aos fatos cometidos após o início de sua vigência.
O Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 1º da Lei 13.145/97, do Estado de Goiás. Entendeu-se que o dispositivo questionado, ao permitir a nomeação, admissão ou permanência de até dois parentes das autoridades mencionadas no caput do preceito, além do cônjuge do Chefe do Poder Executivo, criaria hipóteses que excepcionariam a vedação ao nepotismo.
A Organização das Nações Unidas - ONU e sua agência Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD possuem imunidade de jurisdição e de execução relativamente a causas trabalhistas. Essa a conclusão do Plenário que, por votação majoritária, conheceu em parte de recursos extraordinários interpostos pela ONU e pela União, e, na parte conhecida, a eles deu provimento para reconhecer afronta à literal disposição contida na Seção 2 da Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, promulgada pelo Decreto 27.784/50 (“Seção 2 - A Organização das Nações Unidas, seus bens e haveres, qualquer que seja sua sede ou o seu detentor, gozarão da imunidade de jurisdição, salvo na medida em que a Organização a ela tiver renunciado em determinado caso. Fica, todavia, entendido que a renúncia não pode compreender medidas executivas”). Na espécie, a ONU/PNUD questionava julgado da justiça do trabalho que afastara a imunidade de jurisdição daquele organismo internacional, para fins de execução de sentença concessiva de direitos trabalhistas previstos na legislação pátria a brasileiro contratado pelo PNUD. A União ingressara no feito, na condição de assistente simples da ONU/PNUD, apenas na fase executiva — v. Informativo 545. Prevaleceu o voto da Min. Ellen Gracie, relatora. Considerou, em síntese, que o acórdão recorrido ofenderia tanto o art. 114 quanto o art. 5º, § 2º, ambos da CF, já que conferiria interpretação extravagante ao primeiro preceito, no sentido de que ele teria o condão de afastar toda e qualquer norma de imunidade de jurisdição acaso existente em matéria trabalhista. De igual forma, asseverou que esse entendimento desprezaria o teor de tratados internacionais celebrados pelo Brasil que assegurariam a imunidade de jurisdição e de execução da recorrente. Os Ministros Ricardo Lewandowski e Luiz Fux destacaram que eventuais conflitos de interesses seriam resolvidos mediante conciliação e arbitragem, nos termos do art. 29 da aludida convenção e do art. 8º do decreto que a internalizou. O Min. Teori Zavascki acrescentou que a não observância de tratados internacionais, já incorporados ao ordenamento pátrio, ofenderia a Súmula Vinculante 10 [”Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”]. Ademais, realçou que, se cláusula pertencente a sistema estabelecido em compromissos internacionais fosse reputada inconstitucional, seria indispensável, além de sua formal declaração interna de revogação ou de inconstitucionalidade, também a denúncia em foro internacional próprio. O Min. Gilmar Mendes salientou que não se trataria de concessão de bill de indenidade a esse ente e que a responsabilidade do governo brasileiro, no caso da União, seria de índole política. O Min. Dias Toffoli sublinhou que a relação firmada com o PNUD, entidade sem autonomia, não teria viés empregatício, mas configuraria convênio. Vencidos, em parte, os Ministros Cármen Lúcia e Marco Aurélio, que negavam provimento ao recurso da União (RE 578543/MT). A Min. Cármen Lúcia aduzia que, embora a imunidade de jurisdição da ONU pudesse ser aferida por critério objetivo concernente a existência de instrumento normativo internacional ratificado pelo Brasil, a União possuiria responsabilidade subsidiária relativamente aos direitos trabalhistas do recorrido. Enfatizava que essa obrigação decorreria de disposições firmadas no Acordo Básico de Assistência Técnica com a Organização das Nações Unidas, promulgado pelo Decreto 59.308/96. O Min. Marco Aurélio acrescia que o pano de fundo não revelaria litígio entre a União e o PNUD, porém envolveria trabalhador. A controvérsia diria respeito a questão que teria ficado estampada em acordo formalizado e introduzido no Brasil mediante o decreto, qual seja, a assunção, pela União, da responsabilidade quanto aos ônus trabalhistas.
Inexiste direito dos candidatos em concurso público à prova de segunda chamada nos testes de aptidão física, salvo contrária disposição editalícia, em razão de circunstâncias pessoais, ainda que de caráter fisiológico ou de força maior, mantida a validade das provas de segunda chamada realizadas até 15/5/2013, em nome da segurança jurídica. Obs: Redação da tese aprovada nos termos do item 2 da Ata da 12ª Sessão Administrativa do STF, realizada em 09/12/2015. Os candidatos em concurso público não têm direito à prova de segunda chamada nos testes de aptidão física em razão de circunstâncias pessoais, ainda que de caráter fisiológico ou de força maior, salvo contrária disposição editalícia. Com base nessa orientação, o Plenário, por maioria, negou provimento a recurso extraordinário. No caso, o recorrido não se submetera ao teste de aptidão física na data designada pelo edital do concurso, pois se encontraria temporariamente incapacitado em virtude de doença — epicondilite gotosa no cotovelo esquerdo — comprovada por atestado médico. O tribunal de origem, com fundamento no princípio da isonomia, afastara norma, também prevista em edital, que regulamentaria aplicação de prova de capacidade física em processo seletivo instituído pela Academia Nacional de Polícia [“os casos de alterações orgânicas (estados menstruais, indisposições, cãibras, contusões, etc.) que impossibilitem o candidato de submeter-se aos testes ou diminuam sua capacidade física e/ou orgânica não serão aceitos para fins de tratamento diferenciado por parte da Administração”]. Primeiramente, rememorou-se precedentes no sentido de que a remarcação de teste de aptidão física para data diversa daquela prevista em edital de certame, em virtude da ocorrência de caso fortuito que comprometesse a saúde de candidato, devidamente comprovado por atestado médico, não afrontaria o princípio da isonomia (RE 179500/RS, DJU de 15.10.99; AI 825545 AgR/PE, DJe 6.5.2011 e RE 584444/DF, DJe de 26.3.2010). Ressaltou-se que a discussão não se restringiria à eventual violação do princípio da isonomia pela mera remarcação de teste de aptidão física. Afirmou-se que, embora esta Corte tivesse considerado legítima a possibilidade de se remarcar teste físico em razão de casos fortuitos, a existência de previsão editalícia que prescrevesse que alterações corriqueiras de saúde não seriam aptas a ensejar a remarcação de teste físico não ofenderia o princípio da isonomia. Esse princípio implicaria tratamento desigual àqueles que se encontrassem em situação de desigualdade. Deste modo, aplicável em hipótese na qual verificado de forma clara que a atuação estatal tivesse beneficiado determinado indivíduo em detrimento de outro nas mesmas condições. Asseverou-se, portanto, que, em essência, o princípio da isonomia não possibilitaria, de plano, a realização de segunda chamada em etapa de concurso público decorrente de situações individuais e pessoais de cada candidato, especialmente, quando o edital estabelecesse tratamento isonômico a todos os candidatos que, em presumida posição de igualdade dentro da mesma relação jurídica, seriam tratados de forma igualitária. Aduziu-se que o concurso público permitiria não apenas a escolha dos candidatos mais bem qualificados, mas também que o processo de seleção fosse realizado com transparência, impessoalidade, igualdade e com o menor custo para os cofres públicos. Dessa maneira, não seria razoável a movimentação de toda a máquina estatal para privilegiar determinados candidatos que se encontrassem impossibilitados de realizar alguma das etapas do certame por motivos exclusivamente individuais. Consignou-se que, ao se permitir a remarcação do teste de aptidão física nessas circunstâncias, possibilitar-se-ia o adiamento, sem limites, de qualquer etapa do certame, pois o candidato talvez não se encontrasse em plenas condições para realização da prova, o que causaria tumulto e dispêndio desnecessário para a Administração. Aludiu-se que não seria razoável que a Administração ficasse à mercê de situações adversas para colocar fim ao certame, de modo a deixar os concursos em aberto por prazo indeterminado. Assinalou-se que, na espécie, entretanto, o recorrido realizara a prova de aptidão física de segunda chamada em razão de liminar concedida pelo Poder Judiciário, em 2002, confirmada por sentença e por acórdão de tribunal regional, tendo sido empossado há quase dez anos. Sublinhou-se que, em casos como este, em que se alteraria jurisprudência longamente adotada, seria sensato considerar a necessidade de se modular os efeitos da decisão com base em razões de segurança jurídica. Essa seria a praxe nesta Corte para as hipóteses de modificação sensível de jurisprudência. Destacou-se que não se trataria de declaração de inconstitucionalidade em controle abstrato, a qual poderia suscitar a modulação dos efeitos da decisão mediante a aplicação do art. 27 da Lei 9.868/99. Tratar-se-ia de substancial mudança de jurisprudência, decorrente de nova interpretação do texto constitucional, a impor ao STF, tendo em vista razões de segurança jurídica, a tarefa de proceder a ponderação das consequências e o devido ajuste do resultado, para adotar a técnica de decisão que pudesse melhor traduzir a mutação constitucional operada. Registrou-se que a situação em apreço não diria respeito a referendo à teoria do fato consumado, tal como pedido pelo recorrido, mas de garantir a segurança jurídica também nos casos de sensível mudança jurisprudencial. Por fim, conquanto o recurso tivesse sido interposto antes da sistemática da repercussão geral, atribuiu-se-lhe os efeitos dela decorrentes e assegurou-se a validade das provas de segunda chamada ocorridas até a data de conclusão do presente julgamento. Vencido o Min. Marco Aurélio, que também negava provimento ao recurso, mas com fundamentação diversa. Anotava que a pretensão do recorrido teria sido agasalhada pelo tribunal regional em observância aos princípios da acessibilidade aos cargos públicos, isonomia e razoabilidade, e seria socialmente aceitável. Explanava que em situações excepcionais, desde que demonstrada a justa causa, seria possível colocar em segundo plano o edital. Reputava que, considerada a aplicação da lei no tempo — haja vista que o interesse em recorrer surgira em 3.11.2003, antes, portanto, da introdução do instituto da repercussão geral pela EC 45/2004 — não se poderia emprestar a este julgamento as consequências próprias da admissibilidade da repercussão geral, a irradiar-se a ponto de ficarem os tribunais do país autorizados a declarar prejuízo de outros recursos.
O crime de patrocínio infiel pressupõe que o profissional da advocacia tenha recebido outorga de poderes para representar seu cliente. Com base nesse entendimento, a 1ª Turma julgou extinta a ordem de habeas corpus por inadequação da via processual, mas a concedeu, de ofício, por atipicidade da conduta. No caso, constatou-se a ausência de instrumento de mandato para constituir o paciente como representante técnico de determinado réu, tampouco se verificou o credenciamento em ata de audiência nos termos do art. 266 do CPP.
Em conclusão, a 2ª Turma, por maioria, concedeu, em parte, habeas corpus para declarar nulo o julgamento condenatório de tribunal do júri, mantida a custódia do paciente. Na espécie, designada a sessão de julgamento, esta não ocorrera em razão da ausência dos defensores constituídos, sem escusa legítima, motivo pelo qual o juiz-presidente determinara o adiamento para doze dias subsequentes, bem como a intimação da Defensoria Pública, nos termos do art. 456 do CPP [“Se a falta, sem escusa legítima, for do advogado do acusado, e se outro não for por este constituído, o fato será imediatamente comunicado ao presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, com a data designada para a nova sessão. § 1º Não havendo escusa legítima, o julgamento será adiado somente uma vez, devendo o acusado ser julgado quando chamado novamente. § 2º Na hipótese do § 1º deste artigo, o juiz intimará a Defensoria Pública para o novo julgamento, que será adiado para o primeiro dia desimpedido, observado o prazo mínimo de 10 (dez) dias”] — v. Informativo 692. Asseverou-se caracterizado o cerceamento de defesa. Destacou-se que, não obstante o Presidente do tribunal do júri tivesse cumprido estritamente o disposto na mencionada regra processual, ao determinar o adiamento da sessão de julgamento por doze dias, quando a lei estabeleceria um mínimo, para qualquer caso, de dez dias, o prazo fixado não teria se mostrado razoável. Pontuou-se que o magistrado dera ao caso em apreço tratamento similar aos feitos com os quais o Poder Judiciário se depararia no seu cotidiano. Frisou-se que a complexidade da causa, somada aos 26 volumes da ação penal demandariam fixação de maior prazo de adiamento. Aduziu-se que esse período de tempo mais elastecido estaria em conformidade com os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e, ainda, do devido processo legal substantivo, não o meramente formal. Concluiu-se que não estaria afrontado o princípio constitucional da razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII), tampouco caracterizado constrangimento ilegal a justificar a concessão da liberdade provisória, consideradas as vicissitudes do feito em comento. Vencidos os Ministros Cármen Lúcia e Celso de Mello, que denegavam a ordem. Assentavam que a circunstância questionada teria sido provocada pela própria defesa do réu, a criar artimanhas para protelar indefinidamente o desfecho do processo. Destacavam que não se poderia presumir que a condenação, por si, caracterizasse prova de ineficiência da defesa técnica.
Em conclusão, a 2ª Turma, por maioria, denegou ordem de habeas corpus, ao reconhecer, na espécie, a inaplicabilidade do princípio da insignificância ante a reprovabilidade e ofensividade da conduta do agente. O paciente, condenado pela prática de furto simples tentado, alegava a inexpressividade do valor do bem. Apontou-se que o reconhecimento da insignificância não poderia levar em conta apenas a expressão econômica da lesão. Ressaltou-se que o paciente possuiria acentuada periculosidade e faria do crime o seu meio de vida, a apostar na impunidade. Frisou-se que seria nesse contexto que se deveria avaliar a censurabilidade da conduta e não apenas na importância econômica dos bens subtraídos. Vencidos os Ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello, que concediam a ordem. Asseveravam ser certo não bastar apenas o ínfimo valor das coisas furtadas. Consignavam, contudo, que, embora o paciente tivesse registro de inquéritos policiais e ações penais, não haveria condenação penal transitada em julgado. Pontuavam que esse fato não seria suficiente a atribuir ao paciente o caráter de agente criminoso ou de alguém que fizesse do crime prática reiterada e habitual, considerada a presunção constitucional de inocência que a todos beneficiaria.