Supremo Tribunal Federal • 6 julgados • 27 de mar. de 2018
A Segunda Turma, por maioria, denegou a ordem em “habeas corpus”, no qual se discutia a existência de “reformatio in pejus” em recurso exclusivo da defesa. O juízo “a quo” condenou os pacientes às penas do art. 4º, “caput”, da Lei 7.492/1986 (1) e do art. 1º, VI, da Lei 9.613/1998 (2). O Ministério Público Federal não recorreu da decisão. Entretanto, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em recurso exclusivo da defesa, reclassificou a conduta para os artigos 16 (3) e 22, parágrafo único (4), da Lei 7.492/1986. O Superior Tribunal de Justiça endossou o acórdão do TRF 4ª, concluiu que não houve “reformatio in pejus”, pois aquela Corte Regional teria apenas adequado a imputação ao quadro fático dos autos, em típica situação de “emendatio libelli”. O Colegiado afirmou que o Supremo Tribunal Federal considera possível a realização de “emendatio libelli” em segunda instância mediante recurso exclusivo da defesa, contanto que não gere “reformatio in pejus”, nos termos do art. 617 do CPP (5). No caso, o acórdão do TRF 4ª não agravou a situação dos pacientes, tendo em vista que o “quantum” de pena aplicado em 1º grau teria sido respeitado. Ademais, a reclassificação jurídica dos fatos imputados e a redução operada nas suas reprimendas deram causa à extinção da punibilidade dos pacientes no que se refere ao delito do art. 16 da Lei 7.492/1986, tendo em vista à consumação da prescrição, reconhecida em sede de embargos. Vencido o Ministro Celso de Mello, que deferia o pedido de “habeas corpus” por entender que houve ofensa à autoridade da coisa julgada, bem como “reformatio in pejus”.
A Turma, por maioria, conheceu da impetração e concedeu a ordem de habeas corpus para converter a custódia preventiva do paciente em prisão domiciliar humanitária, na forma do art. 318, II, do Código de Processo Penal (CPP). Determinou, ainda, que a prisão domiciliar deferida seja reavaliada pelo juízo processante a cada dois meses, enquanto perdurar a necessidade da custódia preventiva decretada (CPP, art. 312). Os impetrantes sustentaram que as circunstancias do caso autorizam a mitigação do Enunciado 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal (STF), tendo em vista que o paciente foi operado de tumor maligno e carece de tratamento pós-operatório adequado, circunstância incompatível com a condição de preso preventivo. O Colegiado reconheceu a possibilidade de superação excepcional do Enunciado 691 para assegurar ao paciente a prisão domiciliar humanitária (CPP, art. 318, inciso II). Enfatizou que, tendo em vista o alto risco de saúde, a grande possibilidade de desenvolver infecções no cárcere e a impossibilidade de tratamento médico adequado na unidade prisional ou em estabelecimento hospitalar — tudo demostrado satisfatoriamente no laudo pericial —, a concessão do “writ” se faz necessária para preservar a integridade física e moral do paciente, em respeito à dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III). Vencido o ministro Edson Fachin, que denegava a ordem. Considerou incabível o habeas corpus, pois constava do laudo pericial que o preso estava em bom estado geral, nutricional e psicológico, embora levemente deprimido.
O Plenário, por maioria, julgou procedente o pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade da expressão "sem individualização dos doadores", constante da parte final do § 12 do art. 28 da Lei 9.504/1997 (Lei das Eleições), acrescentada pela Lei 13.165/2015 (1), para considerar que a indicação dos doadores deve ser feita tanto na prestação de contas dos partidos quanto dos candidatos. No julgamento da medida cautelar, o Plenário havia suspendido, até o julgamento final da ação, a eficácia da referida expressão, com efeitos “ex tunc” (Informativo 807). A norma impugnada dispõe sobre regras para a prestação de contas de partidos e candidatos com relação a valores oriundos de doações. De um lado, os valores transferidos pelos partidos aos candidatos serão registrados na prestação de contas dos candidatos como “transferência dos partidos”. De outro, essas mesmas operações serão registradas na prestação de contas dos partidos como “transferência aos candidatos”. Em ambas, a legislação prevê que os registros serão realizados “sem individualização dos doadores”. Para o Tribunal, no entanto, o estabelecimento da chamada “doação eleitoral oculta” implica violação aos princípios republicano e democrático (CF, art. 1º, caput), além de representar afronta aos postulados da moralidade e da transparência. O princípio republicano repele peremptoriamente a manutenção de expedientes ocultos no que concerne ao funcionamento da máquina estatal em suas mais diversas facetas. Especificamente sob o prisma do processo eleitoral, a divulgação dos nomes dos doadores de campanha e dos respectivos destinatários viabiliza uma fiscalização mais eficaz da necessária lisura dos processos de escolha dos detentores de mandato político. O sistema democrático e o modelo republicano consagram, como fórmula legitimadora do exercício do poder, o direito do cidadão à plena informação sobre a origem dos recursos utilizados nas campanhas eleitorais, especialmente nas hipóteses de escolha, em processo eleitoral, daqueles que irão, como membros do Poder Legislativo ou do Poder Executivo, coparticipar da regência e da direção superior do Estado. O anonimato, o sigilo e a confidencialidade são práticas incompatíveis com os princípios democrático e republicano. Ademais, a transparência das doações serve também para se verificar a ocorrência de eventual vício que macule a atuação do próprio candidato eleito, pois será possível analisar a existência de relações não republicanas entre os doadores e o agora detentor de cargo público. O aprimoramento da democracia representativa exige que o financiamento eleitoral tenha como base a transparência de seus métodos e protocolos de atuação, para se garantir a legitimidade do processo político. Daí a essencialidade de se estabelecer um sistema eficaz de controle destinado a conferir visibilidade às doações eleitorais, tornando-as transparentes e acessíveis ao conhecimento geral dos cidadãos. Por fim, o caráter oculto das doações eleitorais importa violação ao art. 17, inciso III, da CF (2), segundo o qual a gestão dos partidos políticos pressuporá “a prestação de contas à Justiça Eleitoral”. É imprescindível a individualização dos doadores tanto na prestação de contas dos partidos quanto na dos candidatos, como exigência de transparência e efetividade da própria prestação de contas. Nesse contexto, o Colegiado ressaltou que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao regular as eleições de 2014 pela Resolução TSE 23.406/2014, já havia reconhecido a exigência de identificação dos doadores de forma individualizada, com fundamento na Lei 12.527/2011 (Lei do Acesso à Informação). Desse modo, a inovação legislativa que permitiu a “doação oculta” teve nítido propósito de contrariar a jurisprudência do TSE. Vencidos, em parte, o Ministro Marco Aurélio, para quem a inconstitucionalidade da expressão "sem individualização dos doadores" se refere exclusivamente à prestação de contas do partido, e não do candidato; e, em maior extensão, o Ministro Edson Fachin, que declarou inconstitucional todo o § 12 do art. 28 da Lei 9.504/1997.
As causas entre o Poder Público e servidores estatutários não são oriundas de relação de trabalho. As causas entre o Poder Público e servidores estatutários não são oriundas de relação de trabalho. Com base nessa orientação, a 1ª Turma, por maioria, deu provimento a agravo regimental em reclamação para assentar a competência da justiça comum para o julgamento de demandas propostas por ferroviários pensionistas e aposentados das antigas ferrovias do Estado de São Paulo, que foram absorvidas pela Ferrovia Paulista S/A, sucedida pela extinta Rede Ferroviária Federal, com vistas à complementação de suas pensões e aposentadorias em face da União. Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator) e Rosa Weber, que negaram provimento ao agravo.
A 2ª Turma, por maioria, concedeu a ordem de “habeas corpus” para determinar o trancamento de inquérito instaurado perante o STJ em desfavor de governador. A investigação foi instaurada para apurar a suposta prática de crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica eleitoral. O procedimento investigatório foi inaugurado com base em depoimentos colhidos em sede de colaboração premiada celebrada com o Ministério Público estadual e homologada pelo respectivo juízo. A defesa sustentou que houve usurpação de competência e de jurisdição da Procuradoria-Geral da República e do STJ, o que teria acarretado a nulidade das provas dele derivadas. A Turma asseverou que, nos termos da lei, o acordo de colaboração premiada deve ser remetido ao juiz para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade. Muito embora a lei fale apenas em juiz, é possível que a homologação de delações seja da competência de tribunal. O colaborador admite seus próprios delitos e delata outros crimes. Assim, quanto à prerrogativa de função, será competente o juízo mais graduado, observadas as prerrogativas de função do delator e dos delatados. Essa prática vem sendo observada no STF. No caso, o investigado celebrou acordo de colaboração com o Ministério Público estadual, o qual foi homologado pelo juiz. O acordo foi rescindido e outro foi firmado e homologado, com os mesmos sujeitos. O colaborador imputou delitos ao governador. Sustentou que um grupo de auditores da Receita estadual cobrava de empresários vantagem indevida para deixar de apurar ou reduzir tributos. Durante o período eleitoral de 2014, parte dos recursos teria sido repassada à campanha do paciente para o cargo de governador. Como corroboração, o colaborador apresentou nota de compra de compensados, com endereço de entrega na sede do comitê eleitoral da campanha do paciente. A despeito de terem sido imputados delitos ao governador, a colaboração não foi realizada pela Procuradoria-Geral da República, tampouco foi submetida à homologação pelo STJ. Posteriormente, o STJ analisou a validade do acordo, em sede de reclamação. Reconheceu a usurpação da própria competência, mas apenas após a homologação do acordo. Conforme a decisão, até os depoimentos do colaborador, não havia elementos contra autoridades com prerrogativa de foro. Como os elementos que atraíram a competência do STJ teriam surgido com o acordo, teria sido correto homologar o acordo e, em seguida, remeter os autos ao STJ. Essa interpretação, contudo, está em descompasso com o entendimento do STF, segundo o qual a delação de autoridade com prerrogativa de foro atrai a competência do tribunal competente para a respectiva homologação e, em consequência, do órgão do Ministério Público respectivo. Após a instauração do inquérito, a defesa do paciente impugnou a utilização das declarações do colaborador. O STJ decidiu, então, que o paciente não tinha legitimidade para impugnar o acordo. O STF entende que o delatado não tem legitimidade para impugnar o acordo, por se tratar de negócio jurídico personalíssimo. O contraditório em relação aos delatados seria estabelecido nas ações penais instruídas com as provas produzidas pelo colaborador. A impugnação quanto à competência para homologação do acordo, porém, diz respeito às disposições constitucionais quanto à prerrogativa de foro. Assim, ainda que seja negada ao delatado a possibilidade de impugnar o acordo, esse entendimento não se aplica em caso de homologação sem respeito à prerrogativa de foro. Portanto, o caso é de reconhecimento da ineficácia, em relação ao governador, dos atos de colaboração premiada, decorrentes de acordo de colaboração homologado em usurpação de competência do STJ. Por essa razão, as provas devem ser excluídas do inquérito. Tento em vista que a instauração se deu com base exclusivamente nos atos de colaboração, o inquérito deve ser trancado. O Colegiado enfatizou, ainda, a necessidade de estrito cumprimento da lei quanto aos benefícios passíveis de negociação e quanto à competência jurisdicional para dosar a sanção premial. O estabelecimento de balizas legais para o acordo é uma opção do nosso sistema jurídico, para assegurar a isonomia e evitar a corrupção dos imputados, mediante incentivos desmesurados à colaboração, e dos próprios agentes públicos, aos quais se daria um poder sem limite sobre a vida dos imputados. As sanções premiais previstas na lei para acordos fixados até a sentença são o perdão judicial, a redução da pena privativa de liberdade e sua substituição por restritiva de direito. Além disso, a lei prevê que, mesmo que não acordado, o perdão pode ser requerido ao juiz, considerando a relevância da colaboração prestada. O perdão pode ser instrumentalizado por dispensa de ação penal, se o colaborador não for o líder da organização criminosa e for o primeiro a prestar a efetiva colaboração. Na colaboração posterior à sentença, a lei prevê a redução da pena até a metade e a relevação de requisitos objetivos para a progressão do regime prisional. De toda forma, compete ao STJ ratificar ou não a homologação dos acordos, avaliando a validade de suas cláusulas. Eventual juízo sobre a validade dos acordos deverá ser baseado na decisão do STJ. Vencido, em parte, o ministro Edson Fachin, que não determinou o trancamento do inquérito, por considerar competir ao STJ a deliberação a respeito, uma vez avaliado o acordo por aquele tribunal.
A 1ª Turma, em conclusão de julgamento, indeferiu a ordem em mandado de segurança no qual se pretendia a cassação de decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que alterou a contagem de títulos realizada por comissão de concurso público de provas e títulos para outorga de delegações de atividades notariais e/ou registrais do Estado do Rio de Janeiro. No caso, discute-se a adequada interpretação dos incisos I e II do item 16.3 do edital, os quais reproduzem integralmente os incisos I e II do item 7.1 da minuta que acompanha a Resolução 81/2009 do CNJ (1) (Informativo 862). Os impetrantes argumentaram que a autoridade coatora, ao fixar entendimento no sentido da impossibilidade de contabilizar o exercício de atividade notarial e registral por bacharel em Direito, teria violado o princípio da isonomia. Destacaram o acerto da óptica adotada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, sublinhando que o citado preceito sempre foi interpretado de forma a abranger o cômputo de pontos em três situações: o exercício a) da advocacia; b) de delegação de notas e de registro; e c) de cargo, emprego ou função privativa de bacharel em Direito. A Turma salientou que o CNJ, assim como o próprio Poder Judiciário, no exercício da atividade jurisdicional, não pode substituir a banca na questão valorativa, na questão de correção. Pode, no entanto, substituir, anular ou reformar decisões que firam os princípios da razoabilidade, da igualdade, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade. Pontuou que a interpretação conferida pelo CNJ à Resolução 81/2009 é anterior ao edital do concurso público em discussão. Nesse contexto, os candidatos já sabiam previamente como os títulos seriam avaliados. Não houve ilegalidade porque a mudança não ofendeu o princípio da impessoalidade. A segurança jurídica, portanto, está preservada com a observância da interpretação do CNJ. Vencido o ministro Marco Aurélio (relator), que deferiu a ordem.