Supremo Tribunal Federal • 12 julgados • 14 de mai. de 2021
Por usurpar a competência da União para legislar privativamente sobre direito civil e política de seguros, é formalmente inconstitucional lei estadual que estabelece a possibilidade de o Poder Executivo proibir a suspensão ou o cancelamento de planos de saúde por falta de pagamento durante a situação de emergência do novo coronavírus (Covid-19). O cuidado jurídico inaugurado pela Lei 8.811/2020 do estado do Rio de Janeiro ultrapassa o escopo de proteção ao consumidor em situação de vulnerabilidade, autorizando, de modo geral e indiscriminado, o sobrestamento do dever de adimplemento de obrigação contratual. Além disso, a norma impugnada adentra campo jurídico de institutos de direitos civil sobre tempo e modo de pagamento. Impõe às operadoras de planos de saúde o recebimento do pagamento parcelado de débitos anteriores a março de 2020 e regulamenta juros e multas ao vedar a cobrança desses encargos sobre dívidas consolidadas no período de aplicação das medidas restritivas na pandemia. Agrega-se a isso o fato de a Constituição Federal atribuir à União a disciplina sobre seguros e a fiscalização das operações relacionadas a essa matéria. Tais previsões alcançam os planos de saúde, tendo em vista a sua íntima afinidade com a lógica dos contratos de seguro, notadamente por conta do componente atuarial (1). Convertido o exame da cautelar em pronunciamento de mérito, o Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade da Lei 8.811/2020 do estado do Rio de Janeiro. Vencidos os ministros Marco Aurélio, Edson Fachin e Rosa Weber.
É constitucional a expressão ‘de forma não cumulativa’ constante do ‘caput’ do art. 20 da Lei 8.212/1991. É compatível com a Constituição Federal (CF) a progressividade simples estipulada no art. 20 da Lei 8.212/1991 (1), ou seja, a apuração das contribuições previdenciárias devidas pelo segurado empregado, inclusive o doméstico, e pelo trabalhador avulso mediante a incidência de apenas uma alíquota — aquela correspondente à faixa de tributação — sobre a íntegra do salário de contribuição mensal. O preceito questionado não incidiu em inconstitucionalidade ao utilizar-se da progressividade tributária no âmbito das contribuições previdenciárias devidas pelo empregado, inclusive o doméstico, e pelo trabalhador avulso. Além de a progressividade ser compatível com a aludida exação, não se vislumbra, no texto constitucional, qualquer restrição a seu uso na disciplina do tributo. A expressão “de forma não cumulativa” traduz a opção do legislador pela progressividade simples, portanto, não foi eleita a progressividade gradual, tradicionalmente presente, por exemplo, na tabela adotada para a apuração do imposto de renda. Ademais, não há que se falar que o aumento na contribuição previdenciária seja inconstitucional por eventualmente acarretar “decréscimo remuneratório”. De um lado, a cláusula da irredutibilidade não se estende aos tributos, porque não implica imunidade tributária. Do outro, os aumentos da carga tributária resultantes da passagem de uma faixa para outra podem ser suportados pelo contribuinte, haja vista o aumento de sua capacidade contributiva — não há efeito confiscatório, tampouco os aumentos são irrazoáveis ou desproporcionais. Ao apreciar o Tema 833 da repercussão geral, o Plenário deu provimento a recurso extraordinário, declarando, incidentalmente, a constitucionalidade da expressão “de forma não cumulativa” constante do caput art. 20 da Lei 8.212/1991.
É dos Estados e Distrito Federal a titularidade do que arrecadado, considerado Imposto de Renda, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por si, autarquias e fundações que instituírem e mantiverem. Pertence aos estados e ao Distrito Federal o produto da arrecadação do Imposto de Renda incidente sobre os rendimentos, quando pagos, por si, respectivas autarquias e fundações. Nos termos do que disposto no art. 157, I, da Constituição Federal (CF) (1), depreende-se haver o constituinte estabelecido distinção considerados o ente competente e o beneficiado pela receita tributária. Embora a competência impositiva tenha sido atribuída à União (CF, art. 153, III) (2), cabe aos estados e ao Distrito Federal a arrecadação, na fonte, do tributo sobre os rendimentos pagos. No ato de retenção dos valores, dá-se a incorporação, ao patrimônio estadual ou distrital, do produto arrecadado. Frise-se que, ao disciplinar a entrega de recursos a ser realizada pela União, considerada fração do montante arrecadado a título de Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI e Imposto de Renda - IR, o constituinte decotou, para efeito de cálculo, o importe versado no art. 157, I, da CF, o que revela a disponibilidade originária e efetiva dos valores pelos estados e Distrito Federal. Por fim, sendo as unidades federativas destinatárias do tributo retido, cumpre reconhecer-lhes a capacidade ativa para arrecadar o imposto. Por esse motivo, na linha de precedente da Corte (3), cabe à Justiça comum estadual julgar controvérsia envolvendo Imposto de Renda retido na fonte, na forma do art. 157, I, da CF, ante a ausência do interesse da União sobre ação de repetição de indébito relativa ao tributo. Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, ao apreciar o Tema 364 da repercussão geral, deu provimento a recurso extraordinário para determinar a conversão, em renda do estado do Rio de Janeiro, dos depósitos judiciais realizados no processo.
É compatível com a Constituição Federal controle judicial a tornar obrigatória a observância, tendo em conta recursos orçamentários destinados à saúde, dos percentuais mínimos previstos no artigo 77 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, considerado período anterior à edição da Lei Complementar nº 141/2012. O controle judicial da exigência de aplicação de um percentual mínimo de recursos orçamentários em ações e serviços públicos de saúde, previsto no art. 77 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), é compatível com a Constituição Federal (CF) desde a edição da Emenda Constitucional (EC) 29/2000. Apesar de o Plenário do STF já ter se manifestado pela impossibilidade de aplicação, antes do advento da Lei Complementar (LC) 141/2012, da sanção de restrição de transferência voluntária federal a estado-membro em razão do descumprimento do percentual mínimo de gastos em saúde (1), isso não conduz à impossibilidade do controle judicial do cumprimento dos percentuais mínimos de aplicação de recursos, previstos no art. 198, § 2º, II, da Constituição c/c o art. 77, § 1º, do ADCT (2). A regra instituidora da sanção imputável ao ente federativo que descumpre o mínimo constitucional só sobreveio com a edição da LC 141/2012, mas a exigência de aplicação de um percentual mínimo em ações e serviços públicos de saúde decorre diretamente da Constituição, desde a edição da EC 29/2000. Com efeito, o art. 77, III e § 1º, do ADCT (4) indica expressamente os percentuais mínimos a serem observados pelos municípios desde o ano 2000, deixando claro o caráter autoaplicável da previsão, que deveria ser obedecida desde a sua promulgação. Com base nesse entendimento, ao apreciar o Tema 818 da repercussão geral, o Plenário, por maioria, deu parcial provimento ao recurso extraordinário. Vencidos o ministro Marco Aurélio (relator), que deu provimento ao recurso, e o ministro Alexandre de Moraes, que lhe negou provimento.
Compete ao Supremo Tribunal Federal (STF), processar e julgar, com base no art. 102, I, “f”, da Constituição Federal (CF) (1), ação cível originária que questiona a inércia da Administração Pública federal relativamente à organização, ao planejamento e à execução do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A controvérsia deduzida no caso — relativa ao não implemento dos atos administrativos e da alocação de recursos destinados à realização do censo demográfico no ano de 2021 — apresenta fator de potencial desestabilização do pacto federativo, de maneira a atrair a competência originária do STF e a legitimidade de cada uma das unidades federativas afetadas para desafiar a higidez da decisão política tomada pela União. Configura-se ilegítima a escolha política que, esvaziando as dotações orçamentárias vocacionadas às pesquisas censitárias do IBGE, inibe a produção de dados demográficos essenciais ao acompanhamento dos resultados das políticas sociais do Estado brasileiro. O Poder Legislativo, ao editar a Lei 8.184/1991, reconheceu a essencialidade do Censo Demográfico para a formulação e acompanhamento de políticas públicas, assim como para o planejamento de investimentos privados e, por conseguinte, para o desenvolvimento da economia nacional. Embora o legislador tenha conferido certo grau de discricionariedade ao gestor público para definição da periodicidade das pesquisas censitárias, há o limite temporal de dez anos que deve ser sempre observado (2). Ademais, a não realização do recenseamento pelo IBGE impede o levantamento de indicadores necessários para a atualização dos coeficientes de partilha do Fundo de Participação dos Estados (FPE), Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e salário-educação, mecanismos necessários para a garantia da autonomia política e financeira dos entes subnacionais menos favorecidos economicamente. Ela inviabiliza, igualmente, o acompanhamento dos resultados das políticas sociais dos governos federal, estadual e municipal, de maneira a permitir o contínuo aprimoramento do sistema de proteção social brasileiro. Na hipótese, tendo em conta que as falhas estatais não se resumem a uma conduta meramente omissiva, e, ainda, as preocupações externadas pela Coordenadora Operacional de Censos do IBGE quanto à possibilidade da execução do censo ainda em 2021, adotou-se posicionamento recente do STF (3) no sentido de, nos casos em que as instâncias políticas dispuserem de ampla margem de discricionariedade, a Corte atuar na defesa de direitos negligenciados pelo Estado, sem, contudo, invadir o domínio dos representantes democraticamente eleitos ou assumir compromisso com a conformação das políticas públicas. Determinou-se, por conseguinte, que o Poder Executivo implemente a referida política pública no exercício financeiro subsequente. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, confirmou parcialmente a medida liminar deferida pelo ministro Marco Aurélio (relator), para determinar a adoção de medidas administrativas e legislativas necessárias à realização do Censo Demográfico do IBGE no exercício financeiro seguinte ao da concessão da tutela de urgência (2022), observados os parâmetros técnicos preconizados pelo IBGE, devendo a União adotar todas as medidas legais necessárias para viabilizar a pesquisa censitária, inclusive no que se refere à previsão de créditos orçamentários para a realização das despesas públicas. Vencidos os ministros Marco Aurélio e Edson Fachin, que propuseram o referendo da medida liminar, e o ministro Nunes Marques, que negou o pedido liminar.
A inadimplência do usuário não afasta a incidência ou a exigibilidade do ICMS sobre serviços de telecomunicações. As vendas inadimplidas não podem ser excluídas da base de cálculo do tributo, pois a inadimplência do consumidor final — por se tratar de evento posterior e alheio — não obsta a ocorrência do fato gerador do ICMS-comunicação. Uma vez prestado o serviço de comunicação ao consumidor, de forma onerosa, incidirá necessariamente o imposto, independentemente de a empresa ter efetivamente auferido receita com a realização do serviço. Ressalte-se, nesses termos, a existência de duas relações jurídicas distintas e independentes entre si, regidas por normas específicas: uma entre a empresa (contribuinte de direito) e o respectivo consumidor/usuário (contribuinte de fato) de natureza civil; e outra, de caráter estritamente tributário, entre a empresa (sujeito passivo) e o Fisco (sujeito ativo). Além disso, não possui qualquer respaldo constitucional, sendo, portanto, absolutamente inadmissível, repassar ao Erário os riscos próprios da atividade econômica em face de eventual inadimplemento dos consumidores/usuários, a pretexto de fazer valer os princípios da não-cumulatividade, da capacidade contributiva e da vedação ao confisco. Por fim, a inadimplência do usuário não constitui excludente legal do tributo, de modo que admitir que as vendas inadimplidas pudessem ser excluídas da base de cálculo do ICMS implicaria violação direta ao princípio da legalidade tributária, bem como ao disposto nos artigos 150, § 6º (1), e 155, § 2º, XII, g, da Constituição Federal (CF) (2). Nessa hipótese, o Supremo Tribunal Federal (STF) estaria atuando como legislador positivo, modificando as normas tributárias inerentes ao ICMS para instituir benefício fiscal em favor dos contribuintes, o que ensejaria violação também ao princípio da separação dos Poderes (3). Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, apreciando o Tema 705 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário. Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator) e Edson Fachin.
Na apuração do imposto sobre a renda de pessoa física, a pessoa com deficiência que supere o limite etário e seja capacitada para o trabalho pode ser considerada como dependente quando a sua remuneração não exceder as deduções autorizadas por lei. As pessoas com deficiência, capacitadas para o trabalho, podem ser consideradas dependentes para efeito de imposto de renda, mesmo quando superado o limite etário previsto em lei, desde que sua remuneração não exceda as deduções autorizadas. O art. 35, III e V, da Lei 9.250/1995 (1) introduziu discriminação indireta contra as pessoas com deficiência, já que a aparente neutralidade do critério da capacidade física ou mental para o trabalho oculta o efeito anti-isonômico produzido. Para a generalidade dos indivíduos, pode fazer sentido que a aptidão laborativa seja o critério definidor da condição de dependente em relação aos ganhos do genitor ou responsável, tendo em vista que, sob essa circunstância, eles possuem chances de se alocarem no mercado de trabalho e proverem o próprio sustento. Tal probabilidade se reduz de forma drástica quando se trata de pessoas com deficiência, cujas condições físicas ou mentais restringem de forma mais ou menos intensa as oportunidades profissionais. A Constituição veda que o tratamento tributário (i) cause discriminação indireta, em ofensa à isonomia, (ii) prejudique o direito ao trabalho das pessoas com deficiência e (iii) afronte o conceito constitucional de renda e a capacidade contributiva de quem arca com as despesas. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido formulado em ação direta para dar interpretação conforme à Constituição ao art. 35, III e V, da Lei 9.250/1995. Vencido o ministro Marco Aurélio (relator).
Está em desconformidade com a Constituição Federal (CF) a delegação a cada Poder para definir, por norma interna, as hipóteses pelas quais a divulgação de ato, programa, obra ou serviço públicos não constituirá promoção pessoal. O agente público não pode se valer do cargo que exerce ou dos recursos públicos que gere para a autopromoção política, sob pena de incorrer em desvio de finalidade e contrariar os princípios da impessoalidade e da probidade. O princípio estabelecido pelo § 1º do art. 37 da CF (1), sobre a finalidade legitimadora e os pressupostos da publicidade dos atos e das campanhas de órgãos públicos, não admite flexibilização por norma infraconstitucional ou regulamentar. O § 5º do art. 22 da Lei Orgânica do Distrito Federal (LODF) (2) — no qual se atribui a cada Poder a edição dos critérios pelos quais a divulgação de ato, programa, obra ou serviço públicos não será considerada promoção pessoal — abriu espaço indevido de regulamentação não previsto na CF, tornando deficiente a proteção contra eventuais desvios de finalidade. Não cabe a órgão ou Poder fixar critérios, pressupostos ou requisitos para a incidência de norma autoaplicável da Constituição. A divulgação de atos e iniciativas de parlamentares é considerada legítima quando efetuada — com a finalidade exclusiva de informar ou educar — nos ambientes de divulgação do mandatário ou do partido político, não se havendo de confundi-la com a publicidade do órgão público ou entidade. A divulgação feita pelo parlamentar de seus atos e iniciativas pode não constituir promoção pessoal indevida por não se confundir com a publicidade estatal prevista no § 1º do art. 37 da CF. Mas, para que não incorra em publicidade pessoal constitucionalmente vedada, há que se limitar ao que seja descrição informativa de sua conduta e com limites em sua atuação. Ademais, a propaganda relacionada especificamente à prestação de contas pelo parlamentar ao cidadão não constitui situação vedada pela Constituição, desde que realizada nos espaços próprios do mandatário ou do partido político e seja assumida com os seus recursos, não devendo ser confundida com a publicidade do órgão público ou entidade. Com base nesse entendimento, o Plenário julgou procedente o pedido formulado em ação direta de constitucionalidade para: a) declarar a inconstitucionalidade do § 5º do art. 22 da LODF; e b) atribuir interpretação conforme à Constituição ao § 6º do art. 22 da LODF (3).
A tese, com repercussão geral, fixada no julgamento do RE 574706 (“O ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da Cofins”) produz efeitos a partir de 15.3.2017 (data da sessão de julgamento), ressalvadas as ações judiciais e administrativas protocoladas até essa data. A atual incidência da sistemática de repercussão geral, com efeitos erga omnes e vinculante aos órgãos da Administração Pública e ao Poder Judiciário, recomenda o balizamento dos efeitos do que decidido no processo, para preservar a segurança jurídica dos órgãos fazendários, ressalvados os casos ajuizados até a data da sessão de julgamento, em 15.3.2017. A boa-fé, a confiança e a segurança jurídica são princípios fundamentais subjacentes à prospecção dos efeitos das decisões judiciais modificadoras da jurisprudência até então dominante (v. Informativos STF 856 e 857). Por isso, a modulação também pode ser aplicada a casos em que a modificação na orientação jurisprudencial ocorre em desfavor da Fazenda Pública. O planejamento fazendário deu-se dentro de legítimas expectativas traçadas de acordo com a interpretação até então consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive em sede de recurso repetitivo. Com esse entendimento, o Plenário, por maioria, acolheu, em parte, os embargos de declaração, para modular os efeitos do julgado, vencidos os ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Marco Aurélio. O Plenário, também por maioria, rejeitou os embargos quanto à alegação de omissão, obscuridade ou contradição. No ponto referente ao ICMS excluído da base de cálculo das contribuições PIS-Cofins, prevaleceu o entendimento de que se trata do ICMS “destacado” nas notas fiscais, vencidos os ministros Nunes Marques, Roberto Barroso e Gilmar Mendes.
É inconstitucional o parágrafo único do art. 40 da Lei 9.279/1996 (1), segundo o qual os prazos de vigência de patentes e de modelos de utilidade podem ser prorrogados na hipótese de o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior. A norma impugnada contraria a segurança jurídica, a temporalidade da patente, a função social da propriedade intelectual, a duração razoável do processo, a eficiência da administração pública, a livre concorrência e a defesa do consumidor e o direito à saúde. A indeterminação do prazo contido no parágrafo único do art. 40 da Lei 9.279/1996 gera insegurança jurídica e ofende o próprio Estado Democrático de Direito. Com efeito, a previsibilidade quanto ao prazo de vigência das patentes é essencial para que os agentes de mercado (depositantes, potenciais concorrentes e investidores) possam fazer escolhas racionais. A ausência de regras claras dá margem ao arbítrio e à utilização oportunista e anti-isonômica das regras do jogo, tais como as estratégias utilizadas pelos depositantes para prolongar o período de exploração exclusiva dos produtos. Para além de representar ofensa à segurança jurídica, a norma questionada subverte a própria essência do art. 5º, XXIX, da Constituição Federal (CF), que determina que seja assegurada por lei a proteção à propriedade industrial mediante um privilégio temporário, com observância do interesse social e do desenvolvimento tecnológico e econômico do País. Nesse sentido, o dispositivo questionado não observa o quesito da temporariedade, pois, ao se vincular a vigência da patente à data de sua concessão, ou seja, indiretamente, ao tempo de tramitação do respectivo processo no INPI, se indetermina o prazo de vigência do benefício, o que concorre para a extrapolação dos prazos previstos no caput do art. 40 da Lei de Propriedade Industrial (LPI) e para a falta de objetividade e previsibilidade de todo o processo. A norma questionada também enseja violação da função social da propriedade intelectual. Bens incorpóreos não são exceção à imposição constitucional de observância à função social da propriedade e, como tais, demandam a harmonização de interesses individuais e coletivos. A temporariedade da patente permite a harmonização da proteção à inventividade com o cumprimento da função social da propriedade, pois, apesar de resguardar os direitos dos autores de inventos ou modelos de utilidade por um período determinado, incentivando e remunerando os investimentos em inovação, garante, ao restante da indústria e à sociedade, a possibilidade de se apropriar dos benefícios proporcionados pelos produtos da criatividade, a partir da extinção dos privilégios de sua exploração. Se por um lado a CF concede o privilégio da proteção à propriedade industrial, por outro, garante que, a partir de determinado prazo, os demais agentes da indústria venham a se igualar ao titular da patente na possibilidade de exploração do objeto protegido, liberando-o à lógica concorrencial do mercado. O prolongamento arbitrário do privilégio vem em prejuízo do mercado como um todo, pois proporciona justamente o que a Constituição buscou reprimir, ou seja, a dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros, aprofundando a desigualdade entre os agentes econômicos e transformando o que era justificável e razoável em inconstitucional. Além disso, a falta de justa limitação temporal das patentes evidencia contrariedade à livre concorrência e à defesa do consumidor, pois o adiamento da entrada da concorrência no mercado possui sérios impactos sobre os preços dos produtos e, consequentemente, sobre o acesso dos consumidores a tais produtos. De fato, a CF, ao promover uma ordem econômica em que haja competição entre os agentes do mercado de forma igualitária, busca garantir, também, a liberdade de escolha dos consumidores, cujo exercício depende da multiplicidade de opções. Observa-se, ademais, que a prorrogação do prazo de vigência da patente prevista no parágrafo único do art. 40 da LPI, ao tempo em que não contribui para a solução do atraso crônico dos processos submetidos ao INPI, acaba por induzir o descumprimento dos prazos previstos no caput do dispositivo. A norma ameniza as consequências da mora administrativa e prolonga o período de privilégio usufruído pelos depositantes, em prejuízo dos demais atores do mercado, além da Administração Pública, incorrendo, assim, em direta afronta aos princípios da razoável duração do processo e da eficiência administrativa. Por fim, digno de atenção é o impacto da extensão do prazo de vigência de patentes no Sistema Único de Saúde (SUS), pois, sendo ele um dos maiores sistemas de saúde pública do mundo e contando com uma rede de atendimento que visa universalizar o acesso à saúde gratuita, demanda recursos públicos compatíveis com sua amplitude e complexidade, os quais, todavia, esbarram em problemas financeiros e orçamentários típicos de um país em desenvolvimento como o Brasil. O domínio comercial proporcionado pela patente por períodos muito longos tem impacto no acesso da população a serviços públicos de saúde, uma vez que onera o sistema ao eliminar a concorrência e impor a aquisição de itens farmacêuticos por preço estipulado unilateralmente pelo titular do direito, acrescido do pagamento de royalties sobre os itens patenteados que o Poder Público adquire e distribui. Consequentemente, a extensão do prazo de vigência das patentes afeta diretamente as políticas públicas de saúde do País e obsta o acesso dos cidadãos a medicamentos, ações e serviços de saúde, dando concretude aos prejuízos causados não apenas a concorrentes e consumidores, mas principalmente àqueles que dependem do SUS para garantir sua integridade física e sua sobrevivência. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, conheceu da ação direta e julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 40 da Lei 9.279/1996. Vencidos os ministros Roberto Barroso e Luiz Fux (Presidente). Além disso, o Plenário, por maioria, modulou os efeitos da decisão de declaração de inconstitucionalidade. Vencidos os ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Marco Aurélio. Os ministros Roberto Barroso e Luiz Fux (Presidente) modularam os efeitos da decisão em maior extensão.
É constitucional a imposição tributária de diferencial de alíquota do ICMS pelo Estado de destino na entrada de mercadoria em seu território devido por sociedade empresária aderente ao Simples Nacional, independentemente da posição desta na cadeia produtiva ou da possibilidade de compensação dos créditos. É constitucional a cobrança antecipada de diferencial de alíquota de ICMS de sociedade empresária optante pelo Simples Nacional, independentemente de o contribuinte estar na condição de consumidor final no momento da aquisição. A cobrança do diferencial de alíquota não viola a sistemática do Simples Nacional, uma vez que há previsão expressa no art. 13, § 1º, XIII, g, da Lei Complementar (LC) 123/2002 (1). Além disso, não há ofensa à regra da não cumulatividade, haja vista que o art. 23 da LC 123/2002 (2) veda explicitamente a apropriação ou compensação de créditos relativos a impostos ou contribuições abrangidos pelo Simples Nacional. O diferencial de alíquota consiste em recolhimento pelo estado de destino da diferença entre as alíquotas interestadual (menor) e interna (maior), de maneira a equilibrar a partilha do ICMS em operações entre entes federados. Complementa-se o valor do ICMS devido na operação. Ocorre, portanto, a cobrança de um único imposto (ICMS) calculado de duas formas distintas, de modo a alcançar o valor total devido na operação interestadual. Cabe ao legislador ordinário excepcionar a norma-regra da não cumulatividade mesmo em situação de plurifasia, impedindo a formação do direito ao abatimento, desde que em prol da racionalidade do regime diferenciado e mais favorável ao micro e pequeno empreendedor, bem como lastreado em finalidades com assento constitucional, como é o caso da promoção do federalismo fiscal cooperativo de equilíbrio e da continuidade dos pilares do Estado Fiscal (3). Cabe destacar, por fim, que a opção pelo Simples Nacional é facultativa no âmbito da livre conformação do planejamento tributário, arcando-se com bônus e ônus decorrentes dessa escolha empresarial que, em sua generalidade, representa um tratamento tributário sensivelmente mais favorável à maioria das sociedades empresárias de pequeno e médio porte. Nesse contexto, não há como prosperar uma adesão parcial ao regime simplificado, adimplindo-se obrigação tributária de forma centralizada e com carga menor, simultaneamente ao não recolhimento de diferencial de alíquota nas operações interestaduais. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 517 da repercussão geral, negou provimento a recurso extraordinário.
O Poder Judiciário não pode impor ao Ministério Público (MP) a obrigação de ofertar acordo de não persecução penal (ANPP). Não cabe ao Poder Judiciário, que não detém atribuição para participar de negociações na seara investigatória, impor ao MP a celebração de acordos (1). Não se tratando de hipótese de manifesta inadmissibilidade do ANPP, a defesa pode requerer o reexame de sua negativa, nos termos do art. 28-A, § 14, do Código de Processo Penal (CPP) (2), não sendo legítimo, em regra, que o Judiciário controle o ato de recusa, quanto ao mérito, a fim de impedir a remessa ao órgão superior no MP. Isso porque a redação do art. 28-A, § 14, do CPP determina a iniciativa da defesa para requerer a sua aplicação. Com base nesse entendimento, a Segunda Turma concedeu parcialmente a ordem, para determinar a remessa dos autos à Câmara de Revisão do Ministério Público Federal, a fim de que seja apreciado o ato que negou a oferta de ANPP. Vencido, parcialmente, o ministro Ricardo Lewandowski, que concedia a ordem em maior extensão.