Supremo Tribunal Federal • 7 julgados • 18 de jun. de 2021
É inconstitucional a sistemática de incentivo fiscal de ICMS às indústrias paraenses de produtos industrializados derivados do trigo, prevista no Anexo I do Decreto 4.676/2001 do estado do Pará (Regulamento do ICMS). Com efeito, contraria o disposto nos §§ 6º e 7º do art. 150 da Constituição Federal (CF) (1) o estabelecimento, por Decreto estadual, de regime especial de recolhimento antecipado do ICMS, com substituição tributária e benefícios fiscais. Ademais, ao privilegiar as empresas produtoras de trigo e seus derivados localizadas no estado do Pará, as normas impugnadas ofendem tanto o princípio da isonomia (2) quanto a vedação de discriminações de qualquer natureza aos produtos em razão da procedência ou destino (3). Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente o pedido formulado em ação direta para reconhecer a inconstitucionalidade dos incs. I e II do caput do art. 118, do art. 119, do caput e dos §§ 1º e 2º do art. 119-A, do caput e dos §§ 1º e 2º do art. 119-C, do art. 119-D, do caput, dos incs. I, II e III do § 1º, dos incs. I e II do § 2º e do § 3º do art. 120, dos arts. 122-A e 123-A do Anexo I do Decreto 4.676/2001 do estado do Pará (Regulamento do ICMS), com as alterações dos Decretos 1.522/2009, 1.551/2009 e 360/2019.
Não afronta a competência legislativa da União o dispositivo de Constituição do estado de São Paulo (art. 240) (1) que proíbe a caça em seu respectivo território. Considerando as regras de repartição de competência previstas nos arts. 23, VI e VII, e 24, VI, da Constituição Federal (CF) (2), o constituinte estadual apenas reforçou a proibição de caça prevista no art. 1º da Lei 5.197/1967, norma geral editada pela União. No entanto, cabe destacar que, na interpretação do art. 240 da Constituição do estado de São Paulo, não devem ser incluídas a vedação às modalidades conhecidas como caça de controle e caça científica. Isso porque essas modalidades de caça destinam-se ao reequilíbrio do ecossistema, tendo, portanto, natureza protetiva em relação ao meio ambiente. Apesar de o caput do art. 1º da Lei 5.197/1967 também vedar o exercício da caça, os arts. 3º, § 2º, e 14 admitem as atividades de “destruição” para fins de controle e de “coleta” para fins científicos (3). Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, julgou parcialmente procedente o pedido formulado na ação direta, para tão somente conferir interpretação conforme à expressão “sob qualquer pretexto”, esclarecendo que não se incluem nessa vedação a destruição para fins de controle e a coleta para fins científicos, previstas, respectivamente, nos arts. 3º, § 2º, e 14, ambos da Lei federal 5.197/1967.
Cabe ao Estado fornecer, em termos excepcionais, medicamento que, embora não possua registro na Anvisa, tem a sua importação autorizada pela agência de vigilância sanitária, desde que comprovada a incapacidade econômica do paciente, a imprescindibilidade clínica do tratamento, e a impossibilidade de substituição por outro similar constante das listas oficiais de dispensação de medicamentos e os protocolos de intervenção terapêutica do SUS. Constatada a incapacidade financeira do paciente, o Estado deve fornecer medicamento que, apesar de não possuir registro sanitário, tem a importação autorizada pela Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Para tanto, devem ser comprovadas a imprescindibilidade do tratamento e a impossibilidade de substituição por outro similar constante das listas oficiais de dispensação e dos protocolos de intervenção terapêutica do Sistema Único de Saúde (SUS). No exame do Tema 6 (1) e do Tema 500 (2) da repercussão geral, o Tribunal estabeleceu algumas premissas consensuais para que o Poder Judiciário possa compelir o Estado a fornecer fármaco não constante das listas de dispensação do SUS, quais sejam: (i) a comprovação da imprescindibilidade do medicamento; (ii) a impossibilidade de substituição por outro similar; (iii) a incapacidade financeira do enfermo; e (iv) o impedimento de a demanda cuidar de medicamento experimental ou de uso não autorizado pela Anvisa. No caso concreto, a respeito da substância terapêutica pleiteada, além de não ser proibida a comercialização no País, a importação de produtos à base de canabidiol, para uso pessoal, tem autorização da Anvisa, se cumpridos critérios específicos. O recorrido, inclusive, possui autorização individual da Agência. Desse modo, o Plenário negou provimento a recurso extraordinário. Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator) e Edson Fachin, que fixaram tese diversa; e o ministro Nunes Marques, que não fixou tese.
São formalmente inconstitucionais dispositivos da Lei 10.001/2000 (1), de iniciativa do Poder Legislativo, que tratam de atribuições do Ministério Público (“caput” e parágrafo único do art. 2º e art. 4º). A Constituição Federal (CF) reserva ao Presidente da República (2) e ao Chefe do Ministério Público (3) o poder de iniciativa para deflagrar o processo legislativo no que concerne a normas de organização e atribuições do Ministério Público. Esses mesmos dispositivos são materialmente inconstitucionais por ofender a independência e a autonomia funcional e administrativa do Ministério Público (4). É constitucional o art. 3º da Lei 10.001/2000, que confere prioridade aos processos e procedimentos decorrentes de relatórios de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). As CPIs constituem importante mecanismo de controle da máquina pública, sendo um dos instrumentos para conferir concretude à competência fiscalizatória do Congresso Nacional (CF, art. 49, X). Além disso, elas apuram fatos determinados sobre os quais há presunção de interesse público. A importância do instituto, que tem previsão direta na CF, justifica a prioridade de tramitação aos procedimentos administrativos ou judiciais decorrentes da atuação das CPIs, o que denota a proporcionalidade e razoabilidade da previsão contida no art. 3º da Lei 10.001/2000. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade das expressões “no prazo de trinta dias” e “ou a justificativa pela omissão” contidas no caput do art. 2º; o parágrafo único do art. 2º e o art. 4º, todos da Lei 10.001/2000. Vencido o ministro Gilmar Mendes.
No âmbito do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), somente lei pode criar ou ampliar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão de extensão do auxílio da grande invalidez a todas as espécies de aposentadoria. Não é possível a extensão do auxílio contido no art. 45 da lei 8.213/1991 (1), também chamado de auxílio de grande invalidez ou auxílio-acompanhante, para todos os segurados aposentados que necessitem de ajuda permanente para o desempenho de atividades básicas da vida diária. Em observância aos princípios da legalidade/reserva legal, da distributividade e da regra da contrapartida, é imprescindível lei para criação e ampliação de benefícios ou vantagens previdenciárias, e nas leis 8.213/1991 e 8.742/1993, as quais tratam respectivamente, da previdência e assistência social, não há previsão do chamado auxílio de grande invalidez para outras espécies de aposentadoria que não seja a decorrente de invalidez. Assim, não obstante o louvável intuito de proteção às pessoas que precisam da ajuda permanente de terceiros, a extensão do “auxílio-acompanhante” para além da hipótese prevista em lei, ainda que sob à luz dos princípios da dignidade da pessoa humana e da isonomia, não encontra eco na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). Com efeito, a Corte Constitucional não tem legitimidade para suprir ou suplantar a atuação legislativa na seara da proteção aos riscos previdenciários (2). Outrossim, não prospera o argumento de que o adicional da grande invalidez teria natureza assistencial e que por isso poderia ser concedido às demais espécies de aposentadoria. Primeiro porque para o deferimento dos benefícios assistenciais deve-se observar os requisitos legais, segundo porque seu caráter supostamente assistencial não afasta a exigência de previsão legal. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, apreciando o Tema 1095 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário para: a) declarar a impossibilidade de concessão e extensão do “auxílio-acompanhante” para todas as espécies de aposentadoria; b) modular os efeitos da tese de repercussão geral, de forma a se preservarem os direitos dos segurados cujo reconhecimento judicial tenha se dado por decisão transitada em julgado até a data deste julgamento; c) declarar a irrepetibilidade dos valores alimentares recebidos de boa-fé por força de decisão judicial ou administrativa até a proclamação do resultado deste julgamento. Vencido o ministro Edson Fachin e, parcialmente, o ministro Marco Aurélio, que divergiu quanto à modulação dos efeitos da decisão.
É constitucional a inclusão do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza -ISS na base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta – CPRB. A receita bruta, para fins de determinação da base de cálculo da CPRB, compreende os tributos sobre ela incidentes. Inaugurando nova ordem previdenciária, a Emenda Constitucional (EC) 42/2003, ao inserir o parágrafo 13 no art. 195 da Constituição Federal (1) (CF), atualmente revogado pela EC 103/2019, permitiu a instituição de contribuição previdenciária substitutiva daquela incidente sobre a folha de salários e pagamentos. Diante da autorização constitucional, foi editada a Lei 12.546/2011, instituindo contribuição substitutiva (CPRB), com o escopo de desonerar a folha de salários/pagamentos e reduzir a carga tributária. Quando de sua instituição, a contribuição era obrigatória às empresas listadas nos artigos 7º e 8º da Lei 12.546/2011 (2). Todavia, após alterações promovidas pela Lei 13.161/2015, o novo regime passou a ser facultativo, podendo as empresas a ele aderir apenas se concluíssem que a sistemática da CPRB seria, no seu contexto, mais benéfica do que a contribuição sobre a folha de pagamentos. Diante disso, não é possível à empresa optar pelo novo regime de contribuição por livre vontade e, ao mesmo tempo, se beneficiar de regras que não lhe sejam aplicáveis. Abater do cálculo da CPRB o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) sobre ela incidente ampliaria demasiadamente o benefício fiscal, pautado em amplo debate de políticas públicas tributárias, em grave violação ao artigo 150, § 6º, da CF (3), que determina a edição de lei específica para tratar sobre redução de base de cálculo de tributo. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, apreciando o Tema 1135 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário. Vencidos os ministros Marco Aurélio (Relator), Rosa Weber e Cármen Lúcia.
A natureza do ato de demissão de empregado público é constitucional-administrativa e não trabalhista, o que atrai a competência da Justiça comum para julgar a questão. A concessão de aposentadoria aos empregados públicos inviabiliza a permanência no emprego, nos termos do art. 37, § 14, da Constituição Federal (CF), salvo para as aposentadorias concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) até a data de entrada em vigor da Emenda Constitucional (EC) 103/09, nos termos do que dispõe seu art. 6º (1). A justiça comum é competente para processar e julgar ação em que se discute a reintegração de empregados públicos dispensados em face da concessão de aposentadoria espontânea. Isso porque não se debate relação de trabalho, mas somente a possibilidade de reintegração ao emprego público na eventualidade de se obter aposentadoria administrada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A concessão de aposentadoria, com utilização do tempo de contribuição, leva ao rompimento do vínculo trabalhista nos termos do art. 37, § 14 da CF (2). Entretanto, é possível a manutenção do vínculo trabalhista, com a acumulação dos proventos com o salário, se a aposentadoria se deu pelo RGPS antes da promulgação da EC 103/2019. Após a inserção do art. 37, § 14, pela EC 103/2019, a Constituição Federal, de modo expresso, definiu que a aposentadoria faz cessar o vínculo ao cargo, emprego ou função pública cujo tempo de contribuição embasou a passagem do servidor/empregado público para a inatividade, inclusive quando feita sob o RGPS. Porém, a referida Emenda Constitucional eximiu da observância ao § 14 do art. 37 da CF as aposentadorias já concedidas pelo RGPS até a data de entrada em vigor da Emenda. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 606 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário e reputou lícita a reintegração com a acumulação de proventos com os salários, já que, no caso concreto, a aposentadoria se deu antes da EC 103/2019. Quanto ao mérito, ficaram vencidos parcialmente os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Roberto Barroso, que deram parcial provimento ao recurso. Em relação à tese de repercussão geral, o ministro Marco Aurélio ficou vencido e a ministra Rosa Weber ficou vencida em parte.