Supremo Tribunal Federal • 5 julgados • 03 de out. de 2025
É constitucional — pois não usurpa a competência da União para legislar sobre normas gerais de concessões de serviços públicos (CF/1988, art. 175) nem extrapola a competência concorrente dos estados para legislar sobre consumo (CF/1988, art. 24, V) — norma estadual que proíbe a exclusividade na exploração dos serviços de transporte rodoviário intermunicipal de passageiros. Conforme a jurisprudência desta Corte, compete aos estados legislar sobre a prestação de serviços públicos de transporte intermunicipal (1). A União, ao estabelecer normas gerais sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos (Lei nº 8.987/1995), autorizou a exclusividade de exploração de serviços públicos apenas nos casos de inviabilidade técnica ou econômica justificada (2). Além disso, a legislação federal não proibiu que os estados, no exercício de sua competência concorrente para legislar sobre consumo e observando as peculiaridades locais, criem regras mais rígidas para proteger os usuários dos serviços públicos. Na espécie, a norma estadual impugnada está de acordo com o federalismo cooperativo e com o princípio da subsidiariedade. Com base nesses entendimentos, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente prejudicada a ação e, na parte remanescente, a julgou improcedente para assentar a constitucionalidade do parágrafo único do art. 19 da Lei Complementar nº 432/2011 do Estado do Mato Grosso (3). (1) Precedente citado: ADI 845. (2) Lei nº 8.987/1995: “Art. 16. A outorga de concessão ou permissão não terá caráter de exclusividade, salvo no caso de inviabilidade técnica ou econômica justificada no ato a que se refere o art. 5o desta Lei.” (3) Lei Complementar nº 432/2011 do Estado do Mato Grosso: “Art. 19. O edital de licitação será elaborado pela AGER/MT, após a aprovação dos planos de outorga pelo Poder Concedente, observados, no que couber, os critérios e as normas gerais da legislação própria sobre licitações e contratos, e conterá, obrigatoriamente: (...) Parágrafo único. Os serviços serão explorados por, no mínimo, 02 (duas) empresas por região (mercado), e cada empresa operará, no máximo, em 02 (duas) regiões (mercado).”
“É inconstitucional a eleição do credor fiduciário como contribuinte ou responsável tributário do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) incidente sobre veículo alienado fiduciariamente, ressalvada a hipótese da consolidação de sua propriedade plena sobre o bem.” É inconstitucional — por violar o conceito de propriedade da regra-matriz de incidência do imposto e os limites da sujeição passiva tributária (CF/1988, art. 146, III, a c/c art. 155, III) — atribuir ao credor fiduciário, seja como contribuinte ou responsável tributário, a obrigação de recolher o IPVA incidente sobre veículo alienado fiduciariamente, ressalvada a hipótese de consolidação da propriedade plena do bem em nome do credor, decorrente do inadimplemento do devedor fiduciante. Conforme jurisprudência desta Corte (1), a sujeição passiva do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) recai sobre quem detém a posse direta e exerce os poderes de uso, gozo e fruição do veículo — ou seja, o devedor fiduciante — e não sobre o credor fiduciário, que possui apenas direito real de garantia. Nesse sentido, a atribuição da condição de contribuinte ou de responsável tributário ao credor fiduciário, sem previsão legal de repasse ou de ressarcimento do ônus tributário configura afronta à competência do legislador complementar para disciplinar normas gerais sobre sujeição passiva tributária (2). Além disso, desvirtua a finalidade da propriedade fiduciária (CC/2002, arts. 1.361 a 1.368-B) e pode gerar distorções no mercado de crédito com garantia real e na arrecadação tributária. Por outro lado, o credor fiduciário passa a responder pelos encargos, inclusive tributos, incidentes sobre o bem alienado quando, em razão do inadimplemento contratual do devedor, ocorre a execução da garantia e a consolidação da propriedade plena, com sua imissão na posse direta do bem (3). Na espécie, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais reconheceu a legitimidade passiva da instituição financeira credora fiduciária para responder como contribuinte pelo pagamento do IPVA relativo a veículos alienados fiduciariamente, nos termos da legislação estadual (4). Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, ao apreciar o Tema 1.153 da repercussão geral, (i) deu provimento ao recurso extraordinário para reformar o acórdão e restabelecer a sentença que, em embargos à execução fiscal, extinguiu o feito com relação ao credor fiduciário; e (ii) fixou a tese anteriormente citada. Por fim, o Tribunal conferiu eficácia prospectiva à decisão, para que a tese produza efeitos a contar da publicação da ata deste julgamento do mérito, com ressalva somente das ações judiciais e processos administrativos pendentes de conclusão. (1) Precedentes citados: ADI 4.612, RE 727.851 (Tema 685 RG), RE 562.276 (Tema 13 RG) e RE 603.191 (Tema 302 RG). (2) CF/1988: “Art. 146. Cabe à lei complementar: (...) III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes (...) Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) III - propriedade de veículos automotores. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)” (3) CC/2002: “Art. 1.368-B. A alienação fiduciária em garantia de bem móvel ou imóvel confere direito real de aquisição ao fiduciante, seu cessionário ou sucessor. Parágrafo único. O credor fiduciário que se tornar proprietário pleno do bem, por efeito de realização da garantia, mediante consolidação da propriedade, adjudicação, dação ou outra forma pela qual lhe tenha sido transmitida a propriedade plena, passa a responder pelo pagamento dos tributos sobre a propriedade e a posse, taxas, despesas condominiais e quaisquer outros encargos, tributários ou não, incidentes sobre o bem objeto da garantia, a partir da data em que vier a ser imitido na posse direta do bem.” (4) Lei nº 14.937/2003 do Estado de Minas Gerais: “Art. 4º – Contribuinte do IPVA é o proprietário de veículo automotor. Art. 5º – Respondem solidariamente com o proprietário pelo pagamento do IPVA e dos acréscimos legais devidos: I – o devedor fiduciante, em relação a veículo objeto de alienação fiduciária;”
É constitucional — na medida que configura instrumento legítimo de incentivo ao servidor e de aprimoramento dos serviços, no exercício da discricionariedade administrativa decorrente da autonomia dos Tribunais — norma estadual que concede gratificação aos servidores do Poder Judiciário que desempenhem atividades diferenciadas das atribuições originais de seus cargos. Na espécie, o dispositivo impugnado prevê que os servidores do Poder Judiciário do Estado do Maranhão que optarem pela percepção mensal da Gratificação de Atividade Judiciária (GAJ) ficarão sujeitos à execução de atividades diferenciadas de suas funções. Essa gratificação objetiva recompensar o desempenho de atribuições específicas do próprio cargo, mas que possuem maior complexidade, ainda que distintas das rotinas habituais, e que, por sua natureza, demandam mais tempo, qualificação e dedicação para a sua fiel execução. Ela funciona como incentivo à eficiência, à boa gestão e à celeridade administrativa. Ademais, a expressão “execução de atividades diferenciadas de suas funções” não configura desvio de função nem dispõe sobre o ingresso no serviço público sem prévia aprovação em concurso. Com base nesses entendimentos, o Plenário, por maioria, julgou improcedente a ação para confirmar a constitucionalidade da expressão “a execução de atividades diferenciadas de suas funções”, contida no § 1º do art. 7º-D da Lei nº 8.715/2007 do Estado do Maranhão, acrescentado pelo art. 5º da Lei maranhense nº 9.326/2010 (1). (1) Lei nº 8.715/2007 do Estado do Maranhão: “Art. 7º-D O Poder Judiciário disporá, por resolução do Tribunal de Justiça, sobre a concessão mensal da Gratificação de Atividade Judiciária - GAJ e anual da Gratificação por Produtividade Judiciária - GPJ, que terão a seguinte composição: I - 20% (vinte por cento) sobre o vencimento do cargo efetivo, a título de Gratificação de Atividade Judiciária - GAJ; II - até o limite de 100% (cem por cento) do vencimento base do cargo efetivo, a título de Gratificação de Produtividade Judiciária - GPJ, pelo alcance de metas de produtividade fixadas pelo Tribunal de Justiça; III - até o limite de 100% (cem por cento) do vencimento base do cargo de técnico judiciário, para os cargos comissionados de simbologia CDAI; e do vencimento base do cargo de analista judiciário, para os cargos comissionados de simbologias CDAS, CDGA e CNES; em ambos os casos a título de Gratificação de Produtividade Judiciária - GPJ, pelo alcance de metas de produtividade fixadas pelo Tribunal de Justiça. §1º A opção pela Gratificação de Atividade Judiciária – GAJ implicará obrigatoriedade ao regime de trabalho de oito horas diárias ou sete ininterruptas e a execução de atividades diferenciadas de suas funções.” (Acrescido pela Lei nº 9.326 de 30 de dezembro de 2010)
A Súmula Vinculante 9 (SV 9) — que admite a perda integral dos dias remidos em caso de falta grave — é incompatível com a atual redação do artigo 127 da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984) e deve ser cancelada diante da existência de precedente vinculante do STF sobre a matéria. A constitucionalidade do referido dispositivo (1), que prevê o limite máximo de um terço para a perda dos dias remidos em caso de falta grave, já foi apreciada pelo Plenário desta Corte, oportunidade na qual este proferiu decisão de mérito em repercussão geral sobre o assunto (2). Como a finalidade de uniformizar a jurisprudência já foi atendida, não é preciso atribuir uma nova redação à SV 9 (3). Nesse contexto, não há utilidade em proposta de súmula vinculante sobre o mesmo tema, ao passo que há interesse no cancelamento da SV 9, a fim de evitar a manutenção de súmula cuja redação não está em consonância com precedente vinculante da Corte. Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, em apreciação conjunta e por unanimidade, acolheu a proposta formulada na PSV 60/DF e deixou de acolher o pedido da PSV 64/DF, cancelando a SV 9. (1) LEP/1984: “Art. 127. Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar. (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011)” (2) Precedente citado: RE 1.116.485 (Tema 477 RG). (3) Enunciado sumular citado: SV 9.
“O tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006) não configura crime hediondo, afastando-se a aplicação dos parâmetros mais rigorosos de progressão de regime e de livramento condicional”. O tráfico privilegiado não se harmoniza com a hediondez do tráfico de entorpecentes definido no caput e no § 1º do art. 33 da Lei de Drogas. A Lei de Execução Penal prevê o cumprimento de quarenta por cento da pena para a progressão de regime de condenados por crimes hediondos (1). A Lei nº 11.343/2006, por sua vez, estabelece que o livramento condicional pressupõe o cumprimento de dois terços da pena, vedada sua concessão ao reincidente específico (2). Contudo, conforme jurisprudência desta Corte (3), esses parâmetros mais rigorosos de regime prisional e livramento condicional não se aplicam às condutas configuradoras do tráfico privilegiado, pois este não possui natureza hedionda (4). Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, acolheu a proposta de edição de súmula vinculante, com o ajuste na redação para adequá-la ao quadro normativo atualmente vigente, e aprovou o enunciado nos termos da tese acima citada. (1) LEP/1984: “Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos: (...) V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário;” (2) Lei nº 11.343/2006: “Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos. Parágrafo único. Nos crimes previstos no caput deste artigo, dar-se-á o livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena, vedada sua concessão ao reincidente específico.” (3) Precedentes citados: HC 118.533, RE 1.542.482 (Tema 1.400 RG) e RE 1.531.661. (4) Lei nº 11.343/2006: “Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. § 1º Nas mesmas penas incorre quem: I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas; III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas. IV – vende ou entrega drogas ou matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 2º Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa. § 3º Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28. § 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.”