Supremo Tribunal Federal • 4 julgados • 17 de jun. de 2021
A Corte apontou, por fim, que seriam improcedentes a alegações da Fazenda Nacional segundo as quais: a) o Sincor não poderia ser considerado um banco de dados de caráter público, pois se trataria de sistema informatizado de controle interno do órgão; b) os chamados pagamentos “não alocados (disponíveis ou não vinculados)” requeridos pelo contribuinte seriam, na verdade, dinâmicos, efêmeros e temporários, destituídos de caráter definitivo por conta de falta de análise e depuração por Auditor-Fiscal; c) as informações seriam inúteis como prova de eventual pagamento indevido, a ser utilizada no âmbito de ação de repetição de indébito, em face de seu caráter provisório; d) o “habeas data” seria desnecessário para a obtenção das informações acerca dos seus débitos tributários e pagamentos realizados, posto que o contribuinte deveria tê-los em sua contabilidade; e e) o risco para a ordem administrativa decorrente do efeito multiplicador de eventual precedente no sentido do cabimento do “habeas data” na hipótese. Na realidade, e em contraponto a essas alegações da Fazenda, a validade jurídica das informações e seu peso probatório deveriam ser aquilatados pelo contribuinte, à luz de sua contabilidade e perspectivas de êxito em eventual ação de repetição do indébito. Mesmo que ainda não estivessem depuradas pela Receita Federal do Brasil, a informações obtidas poderiam auxiliar os contribuintes quanto ao controle de seus pagamentos. O juízo de valor sobre o teor probante dessas informações não seria objeto do recurso em comento. Outrossim, a classificação dos pagamentos como “não alocados’, “disponíveis” ou “não vinculados”, interessaria em especial à Fazenda Nacional, como instrumento de aferição dos dados do sistema informatizado, de forma a obter controle da arrecadação e do adimplemento das obrigações tributárias principais e acessórias pelos contribuintes. A conclusão do “status” definitivo desses pagamentos seria responsabilidade do contribuinte quando em confronto com os livros contábeis e fiscais de escrituração obrigatória. A transparência dessas informações, por si só, não geraria direito subjetivo à repetição do indébito, que deveria ser corroborada por suporte probatório idôneo. Porém, a transparência dessas informações se justificaria em razão das múltiplas inconsistências que poderiam advir do controle e tratamento informatizado desses dados. O contribuinte não postularia diretamente prova de eventual pagamento indevido, a ser utilizada em futura ação de repetição de indébito, mas a possibilidade de controlar, via transparência das informações fiscais, os pagamentos implementados. Ou seja, permitir o acesso ao sistemas de controle de pagamentos não significaria criar obrigação jurídica para a Fazenda Nacional ou, ainda, direito subjetivo do contribuinte a utilizar essa informação bruta em futura ação de repetição de indébito. Sob outro aspecto, um direito subjetivo do contribuinte, amparado em dispositivo constitucional, não poderia ser negado sob a argumentação de que a administração fazendária não estaria preparada para atendê-lo. Na verdade, a solução reclamaria lógica inversa, ou seja, a Fazenda Nacional deveria adaptar-se para cumprir os comandos constitucionais, ainda que isso a onerasse administrativamente. Ademais, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade seriam violados pelo próprio Estado, por meio da administração fazendária, ao não se permitir ao contribuinte o acesso a todas as informações fiscais inerentes aos seus deveres e ao cumprimento de suas obrigações tributarias principais e acessórias. No Centro Virtual de Atendimento da Receita Federal do Brasil/E-CAC já se poderia ver na internet, por meio do sítio da Receita Federal do Brasil, as informações decorrentes de processamento de declarações, pagamentos de imposto de renda retido na fonte, entre outras informações que seriam cada vez mais controladas por esse órgão. Por esse viés, bastaria permitir o acesso do contribuinte ao Sincor pela mesma via eletrônica disponibilizada para ele cumprir as suas obrigações. Na nova ordem constitucional instaurada pela CF/1988 o contribuinte teria deixado de ser o objeto da tributação para tornar-se sujeito de direitos.
O Plenário, confirmando medida cautelar (noticiada no Informativo 603), julgou procedente pedido formulado em ação direta e assentou a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 15.215/2010 do Estado de Santa Catarina, que dispõe sobre a criação de gratificações para os servidores da Procuradoria-Geral do Estado, da Secretaria de Estado da Administração e do Instituto de Previdência do Estado de Santa Catarina. Na espécie, a norma impugnada, que trata de matéria de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, fora acrescida por meio de emenda parlamentar em projeto de conversão de media provisória. A Corte declarou a inconstitucionalidade formal do referido dispositivo legal por entender que a emenda parlamentar teria implicado o aumento da despesa pública originalmente prevista, bem como por não haver pertinência entre o dispositivo inserido pela emenda parlamentar e o objeto original da medida provisória submetida à conversão em lei.
Somente lei em sentido formal pode instituir o regime de recolhimento do ICMS por estimativa. Esse o entendimento do Plenário, que reconheceu a existência de repercussão geral do tema e deu provimento a recurso extraordinário para declarar a inconstitucionalidade dos Decretos 31.632/2002 e 35.219/2004, ambos do Estado do Rio de Janeiro, que dispõem sobre o pagamento do ICMS no âmbito do referido Estado-Membro. No caso, discutia-se a possibilidade de se disciplinar, mediante decreto, forma de recolhimento de tributo diferentemente do que prevista na LC 87/1996. A Corte afirmou que, apesar de o fato gerador do ICMS acontecer no momento da saída do estabelecimento, a circunstância de ser um imposto não-cumulativo (CF, art. 155, § 2º, I) impediria a cobrança após cada operação, salvo excepcionalmente, conforme estatuído na LC 87/1996. Por isso, o recolhimento deveria ocorrer ao término de certo lapso de tempo, cabendo à legislação estadual fixar o período de apuração do imposto (LC 87/1996: “Art. 24 - A legislação tributária estadual disporá sobre o período de apuração do imposto. As obrigações consideram-se vencidas na data em que termina o período de apuração e são liquidadas por compensação ou mediante pagamento em dinheiro como disposto neste artigo”). Findo o prazo designado pela lei estadual, ao contribuinte incumbiria recolher o tributo, já efetuado o encontro entre créditos e débitos. A citada lei complementar, entretanto, admitiria exceção à regra (“Art. 26. Em substituição ao regime de apuração mencionado nos arts. 24 e 25, a lei estadual poderá estabelecer: ... III - que, em função do porte ou da atividade do estabelecimento, o imposto seja pago em parcelas periódicas e calculado por estimativa, para um determinado período, assegurado ao sujeito passivo o direito de impugná-la e instaurar processo contraditório. ... § 1º Na hipótese do inciso III, ao fim do período, será feito o ajuste com base na escrituração regular do contribuinte, que pagará a diferença apurada, se positiva; caso contrário, a diferença será compensada com o pagamento referente ao período ou períodos imediatamente seguintes”). Portanto, a adoção do regime previsto no transcrito inciso III pressuporia a edição de lei estadual específica, por configurar excepcionalidade. Assim, não seria cabível, no caso, a alegação segundo a qual o art. 39 da Lei fluminense 2.657/1996 seria o fundamento dos decretos em questão (“Art. 39 - O imposto é pago na forma e no prazo fixados pelo Poder Executivo”). A criação de nova maneira de recolhimento do tributo — na espécie, com respaldo em estimativas do mês anterior — revelar-se-ia em descompasso com o poder regulamentar do qual investido o governador do Estado por força do mencionado dispositivo. A determinação de que fosse antecipado o imposto devido valendo-se de base de cálculo ficta, com posterior ajuste, como na hipótese em comento, olvidaria o poder atribuído pela lei para disciplinar “forma” e “prazo” de pagamento. A prova do excesso de poder regulamentar estaria no fato de que a LC 87/1996 exigiria a edição de lei estadual visando nova sistemática de apuração, diploma esse inexistente. O art. 150 da CF veda a exigência de tributo sem lei que o estabeleça. Se não houvesse informação quanto à ocorrência do fato gerador, mostrar-se-ia impossível reconhecer a existência da obrigação tributária, como almejado pelo Estado do Rio de Janeiro. Os decretos impugnados modificariam o modo de apuração do ICMS e, assim, implicaram afronta ao princípio constitucional da legalidade estrita. Vencidos os Ministros Marco Aurélio (relator), Cármen Lúcia e Luiz Fux, apenas quanto ao reconhecimento da repercussão geral.
Em conclusão de julgamento, o Plenário, por maioria, reformando medida cautelar (noticiada no Informativo 225), julgou improcedente pedido formulado em ação direta ajuizada em face do inciso X do parágrafo único do art. 118 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, que confere “status” de lei complementar à Lei Orgânica da Polícia Civil do Estado-Membro — v. Informativos 376 e 526. O Colegiado entendeu que, na espécie, se trataria de matéria para a qual a Constituição prevê a competência legislativa concorrente (CF, art. 24, XVI), salientando ser demasia recusar à Constituição estadual a faculdade para eleger determinados temas como exigentes de uma aprovação legislativa mais qualificada. Vencidos os Ministros Joaquim Barbosa (relator), Eros Grau, Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Carlos Velloso, que julgavam procedente o pleito.