Inconstitucionalidade de desclassificação vitalícia por conduta pretérita em concurso da PM
Inicialmente, salienta-se que a jurisprudência do STJ já sedimentou o entendimento de que, tratando-se da fase de investigação social para cargos sensíveis, como são os da área policial, a análise realizada pela autoridade administrativa não deve se restringir à constatação de condenações penais transitadas em julgado, englobando o exame de outros aspectos relacionados à conduta moral e social do candidato, a fim de verificar sua adequação ao cargo pretendido. Por seu turno, destaca-se que a discricionariedade administrativa não se encontra imune ao controle judicial, mormente diante da prática de atos que impliquem restrições de direitos dos administrados, como se afigura a eliminação de um candidato a concurso público, cumprindo ao órgão julgador reapreciar os aspectos vinculados do ato administrativo, a exemplo da competência, forma, finalidade, bem como a observância dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça, ao examinar casos envolvendo a eliminação de candidatos na fase de investigação social de certame público para as carreiras policiais, já teve a oportunidade de consignar que a sindicância de vida pregressa dos candidatos a concursos públicos deve estar jungida pelos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Na situação em apreço, tem-se o relato de um fato pelo próprio candidato, no respectivo formulário de ingresso na incorporação, de que foi usuário de drogas quando tinha 19 (dezenove) anos de idade e que não mais possui essa adição há sete anos. Destaca-se, ainda, a informação de que o referido candidato, atualmente, é servidor público, exercendo o cargo de professor, não havendo qualquer registro sobre o envolvimento em qualquer ato desabonador de sua reputação moral. E mais, há o registro de que esse mesmo candidato foi aprovado na fase de investigação social no concurso para Soldado da Polícia Militar em outro Estado. Nesse contexto, impedir que o candidato prossiga no certame público para ingresso nas fileiras da Política Militar, além de revelar uma postura contraditória da própria Administração Pública, que reputa como inidôneo um candidato que já é integrante dos quadros do serviço público, acaba por aplicá-lo uma sanção de caráter permanente, dado o grande lastro temporal entre o fato tido como desabonador e o momento da investigação social.
Validade de cláusula em cartão de crédito para débito mínimo em conta-corrente apesar de contestação
Inicialmente, a teor do quanto previsto no contrato de emissão e utilização do cartão de crédito, em caso de não pagamento da fatura na data de seu vencimento ou cancelamento do cartão por inadimplemento, o titular autorizaria o emissor a debitar em sua conta corrente o valor mínimo correspondente aos gastos por ele efetuados, caso haja saldo para tanto. Essa operação de débito direto do valor mínimo da fatura consiste em uma ferramenta apenas utilizada quando o cliente não realiza, esponte própria, o pagamento do montante devido no prazo contratual assinalado, sequer do valor mínimo expressamente acordado para manter o fluxo do contrato de cartão de crédito. A prática do pagamento mínimo como opção do titular do cartão fora reconhecida como válida pelo Banco Central do Brasil, desde a edição da Resolução n. 3.919/2010. Hodiernamente, não existe mais o pagamento mínimo obrigatório de determinado percentual do valor da fatura, mas, cada instituição financeira pode estabelecer com os consumidores o montante de adimplemento mínimo mensal, em função do risco da operação, do perfil do cliente ou do tipo de produto. Certamente, o pagamento mínimo previsto na modalidade contratual de cartão de crédito constitui uma mera liberalidade da operadora, que insere tal condição na contratualidade de maneira a conquistar e fidelizar o usuário, a fim de fortalecer o sistema de crédito na modalidade cartão. A hipótese de débito do valor mínimo constitui uma das condições para que se conceda crédito aos titulares do cartão, possibilitando a estes últimos, o abatimento parcial do quanto devido e não adimplido. Trata-se, portanto, de uma espécie de garantia à continuidade do ajuste estabelecido entre as partes. Com a facilidade do débito mínimo, condições vantajosas são experimentadas por ambas as partes da relação jurídica: a financeira mantém a continuidade e o fluxo do sistema e do serviço de cartão de crédito e garante o pagamento de parcela dos valores inadimplidos na data, sem a necessidade da realização de procedimentos executivos forçados; já o titular de cartão de crédito inadimplente mantém o saldo disponível do crédito do cartão para realizar outras despesas e realiza o pagamento parcial do débito com a amortização do quanto devido sem que ocorra o bloqueio da operação, deixando de se submeter às regras e encargos atinentes ao procedimento de execução forçada. Inegavelmente, não há no ordenamento jurídico obrigação legal para a concessão de crédito sem garantia, nem mesmo vedação a tal prática, motivo esse que impede rotular como abusivo o débito de parcela mínima do total de gastos efetuados pelos titulares dos cartões de crédito. Portanto, não se reputa abusiva a cláusula inserta em contrato de cartão de crédito que autoriza a operadora/financeira a debitar na conta corrente do respectivo titular o pagamento do valor mínimo da fatura em caso de inadimplemento, porquanto tal ajuste não ofende o princípio da autonomia da vontade, que norteia a liberdade de contratar, tampouco possui o condão de violar o equilíbrio contratual ou a boa-fé, haja vista que tal proceder constitui mero expediente para facilitar a satisfação do crédito com a manutenção da contratualidade havida entre as partes. Do mesmo modo, em todas as hipóteses nas quais o titular do cartão contestar a fatura, se não realizado o pagamento no prazo, tendo sido expressamente contratado e devidamente informado ao consumidor a ocorrência do débito do valor mínimo diretamente na conta corrente, não há falar em abusividade.
Incompetência da arbitragem para ação de despejo por falta de pagamento mesmo com cláusula compromissória
A controvérsia está em definir qual o juízo competente - o estatal ou o arbitral - para julgar a pretensão de despejo por falta de pagamento, com posterior abandono do imóvel, diante da existência de cláusula compromissória. A cláusula arbitral, uma vez contratada pelas partes, goza de força vinculante e caráter obrigatório, definindo ao juízo arbitral eleito a competência para dirimir os litígios relativos aos direitos patrimoniais acerca dos quais os litigantes possam dispor, derrogando-se a jurisdição estatal. No entanto, apesar da referida convenção arbitral excluir a apreciação do juízo estatal, tal restrição não se aplica aos processos de execução forçada, haja vista que os árbitros não são investidos do poder de império estatal à prática de atos executivos, não sendo detentores de poder coercitivo direto. Especificamente em relação ao contrato de locação e sua execução, a Quarta Turma do STJ já decidiu que, no âmbito do processo executivo, a convenção arbitral não exclui a apreciação do magistrado togado, já que os árbitros, como dito, não são investidos do poder de império estatal à prática de atos executivos, não tendo poder coercitivo direto (REsp 1465535/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 21/06/2016, DJe 22/08/2016). Por conseguinte, na execução lastreada em contrato com cláusula arbitral, haverá limitação material do seu objeto de apreciação pelo magistrado: o Juízo estatal não deterá competência para resolver as controvérsias que digam respeito ao mérito dos embargos, às questões atinentes ao título ou às obrigações ali consignadas (existência, constituição ou extinção do crédito) e às matérias que foram eleitas para serem solucionadas pela instância arbitral ( kompetenz e kompetenz ), que deverão ser dirimidas pela via arbitral. Na hipótese, não se trata propriamente de execução de contrato de locação, mas de despejo por falta de pagamento e imissão de posse em razão do abandono do imóvel. Assim, diante da sua peculiaridade procedimental e sua natureza executiva ínsita, com provimento em que se defere a restituição do imóvel, o desalojamento do ocupante e a imissão da posse do locador, não parece adequada a jurisdição arbitral para decidir a ação de despejo.
Aceitação tácita valida contrato de franquia e supre ausência de assinatura da franqueada
A franquia qualifica-se como um contrato típico, consensual, bilateral, oneroso, comutativo, de execução continuada e solene ou formal. Conforme entendimento consolidado desta Corte Superior, como regra geral, os contratos de franquia têm natureza de contato de adesão. Nada obstante tal característica, a franquia não consubstancia relação de consumo. Cuida-se, em verdade, de relação de fomento econômico, porquanto visa ao estímulo da atividade empresarial pelo franqueado. A forma do negócio jurídico é o modo pelo qual a vontade é exteriorizada. No ordenamento jurídico pátrio, vigora o princípio da liberdade de forma (art. 107 do CC/2002). Isto é, salvo quando a lei requerer expressamente forma especial, a declaração de vontade pode operar de forma expressa, tácita ou mesmo pelo silêncio (art. 111 do CC/2002). A manifestação de vontade tácita configura-se pela presença do denominado comportamento concludente. Ou seja, quando as circunstâncias evidenciam a intenção da parte de anuir com o negócio. A análise da sua existência dá-se por meio da aplicação da boa-fé objetiva na vertente hermenêutica. No caso, a execução do contrato por tempo considerável configura verdadeiro comportamento concludente, por exprimir sua aceitação com as condições previamente acordadas. A exigência legal de forma especial é questão atinente ao plano da validade do negócio (art. 166, IV, do CC/2002). Todavia, a alegação de nulidade pode se revelar abusiva por contrariar a boa-fé objetiva na sua função limitadora do exercício de direito subjetivo ou mesmo mitigadora do rigor legis . A proibição à contraditoriedade desleal no exercício de direitos manifesta-se nas figuras da vedação ao comportamento contraditório ( nemo potest venire contra factum proprium ) e de que a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza ( nemo auditur propriam turpitudinem allegans ). A conservação do negócio jurídico, nessa hipótese, significa dar primazia à confiança provocada na outra parte da relação contratual. No particular, a franqueadora enviou à franqueada o instrumento contratual de franquia. Esta, embora não tenha assinado e restituído o documento àquela, colocou em prática os termos contratados, tendo recebido treinamento, utilizado a sua marca e instalado as franquias. Inclusive, pagou à franqueadora as contraprestações estabelecidas no contrato. Assim, a alegação de nulidade por vício formal configura-se comportamento contraditório com a conduta praticada anteriormente. Por essa razão, a boa-fé tem força para impedir a invocação de nulidade do contrato de franquia por inobservância da forma que era prevista no art. 6º da revogada Lei n. 8.955/1994.
Legitimidade ativa do alimentante para exigir prestação de contas da pensão alimentícia
Com o inequívoco objetivo de proteção aos filhos menores, o legislador civil preconiza que, cessando a coabitação dos genitores pela dissolução da sociedade conjugal, o dever de sustento oriundo do poder familiar resolve-se com a prestação de alimentos por aquele que não ficar na companhia dos filhos (art. 1.703 do CC/2002), cabendo-lhe, por outro lado, o direito-dever de fiscalizar a manutenção e a educação de sua prole (Art. 1.589 do CC/2202). O poder-dever fiscalizatório do genitor que não detém a guarda com exclusividade visa, de forma imediata, à obstrução de abusos e desvios de finalidade quanto à administração da pensão alimentícia, sobretudo mediante verificação das despesas e gastos realizados para manutenção e educação da prole, tendo em vista que, se as importâncias devidas a título de alimentos tiverem sido fixadas em prol somente dos filhos, estes são seus únicos beneficiários. Nesse contexto, a ação de exigir contas propicia que os valores alimentares sejam melhor conduzidos, bem como previne intenções maliciosas de desvio dessas importâncias para finalidades totalmente alheias àquelas da pessoa à qual deve ser destinada, encartando também um caráter de educação do administrador para conduzir corretamente os negócios dos filhos menores, não se deixando o monopólio do poder de gerência desses valores nas mãos do ascendente guardião. O objetivo precípuo da prestação de contas é o exercício do direito-dever de fiscalização com vistas a - havendo sinais do mau uso dos recursos pagos a título de alimentos ao filho menor - apurar a sua efetiva ocorrência, o que, se demonstrado, pode dar azo a um futuro processo para suspensão ou extinção do poder familiar do ascendente guardião (art. 1.637 combinado com o art. 1.638 do CC/2002). Por fim, a Lei n. 13.058/2014, que incluiu o § 5º ao art. 1.583 do CC/2002, positivou a viabilidade da propositura da ação de prestação de contas pelo alimentante com o intuito de supervisionar a aplicação dos valores da pensão alimentícia em prol das necessidades dos filhos.