Ausência de responsabilidade civil da instituição financeira por dano moral de cliente em matéria jornalística
A pretensão indenizatória tem nascedouro nos danos morais que teria a parte suportado por ter seu nome incluído em rol de supostos fraudadores do PROAGRO e que fora tornado publico em reportagem de jornal de grande circulação na capital do Estado de Mato Grosso do Sul. A matéria foi publicada pelo Jornal Diário da Serra, não havendo nenhum elemento que indique interferência editorial por parte do banco, mesmo porque o conteúdo ali veiculado versava a respeito de fatos que, de certa maneira, também lhe eram desabonadores, visto indicavam a participação de mais de duas dezenas de seus funcionários nas práticas ilícitas narradas. Impossível, portanto, reputar à instituição financeira responsabilidade civil por típico ato de terceiro. Ademais, cumpre examinar se o dever de indenizar da instituição financeira pode decorrer do fato de ser ela a possível responsável por transmitir ao jornal o "sigiloso" rol dos supostos fraudadores mencionados no informe objeto de toda a controvérsia. Nesse ponto específico, a pretensão esbarra em três intransponíveis óbices, a saber: (I) o fato de o referido rol não ter sido elaborado pelo Banco do Brasil, mas pelo Banco Central do Brasil, e constar de documento público (não sigiloso) expedido por aquela Autarquia Federal (no caso, do Comunicado Circular n. 004272 do Bacen) e que, em verdade, relacionava apenas pessoas que estariam "impedidas de participar de operações de crédito rural e agroindustrial, como tomadores"; (II) a ausência de qualquer elemento probatório a indicar que tenha sido o banco quem transmitira ao jornalista autor da matéria em questão o teor da listagem e (III) a ausência de qualquer ilicitude no ato de levar ao conhecimento dos meios de comunicação o teor de documentos que já são públicos. Não se pode perder de vista que é imprescindível, para a configuração do dever de indenizar, a demonstração do nexo causal a vincular o resultado lesivo à conduta efetivamente perpetrada por seu suposto causador.
Impossibilidade de cobrança de coparticipação percentual em internação domiciliar não psiquiátrica nos planos de saúde
A Lei n. 9.656/1998 autoriza, expressamente, a possibilidade de coparticipação do contratante em despesas médicas específicas, desde que figure de forma clara e expressa a obrigação para o consumidor no contrato. Ademais, a Agência Nacional de Saúde se manifestou no sentido de que a franquia e a coparticipação poderão ser utilizadas pelas operadoras de seguros privados como mecanismos de regulação financeira, desde que não caracterize financiamento integral do procedimento pelo usuário, ou restrinja severamente o acesso aos serviços (Resolução CONSU n. 8/1998, art. 1º, § 2º c/c art. 2º, VII). Por sua vez, a jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a contratação de coparticipação para tratamento de saúde, seja em percentual ou seja em montante fixo, desde que não inviabilize o acesso ao serviço de saúde é legal. Registra-se que os arts. 2º, VIII, e 4º, VII, da Resolução CONSU n. 8/98 vedam a cobrança de coparticipação em forma de percentual nos casos de internação, com exceção dos eventos relacionados à saúde mental, determinando que, para essa hipótese, os valores sejam prefixados e não sofram indexação por procedimentos e/ou patologias. Neste ponto, a Segunda Seção pacificou o entendimento no sentido de que "Nos contratos de plano de saúde não é abusiva a cláusula de coparticipação expressamente ajustada e informada ao consumidor, à razão máxima de 50% (cinquenta por cento) do valor das despesas, nos casos de internação superior a 30 (trinta) dias por ano, decorrente de transtornos psiquiátricos, preservada a manutenção do equilíbrio financeiro" (REsp 1.809.486/SP, DJe 16/12/2020 e REsp 1.755.866/SP, 2ª Seção, DJe 16/12/2020 - tema 1032). No caso, foi estabelecida, contratualmente, a coparticipação da beneficiária sobre o total das despesas arcadas pelo plano de saúde no caso de internação domiciliar, limitada a 50% dos valores daí decorrentes. Trata-se, portanto, de cláusula ilegal, pois estabelece a coparticipação, em forma de percentual, no caso de internação, e não alusiva à tratamento psiquiátrico.
Ação declaratória de inexigibilidade não interrompe a prescrição do crédito
O propósito recursal é definir se é possível a interrupção do prazo prescricional em razão do ajuizamento de ação declaratória de inexigibilidade dos débitos pelo devedor quando já tiver havido anterior interrupção do prazo prescricional pelo protesto das duplicatas. O instituto da prescrição tem por finalidade conferir certeza às relações jurídicas, na busca de estabilidade, porquanto não seria possível suportar uma perpétua situação de insegurança. Admite-se, contudo, a interrupção do prazo prescricional quando o titular do direito manifesta, por uma das formas previstas em lei, a intenção de exercê-la ou quando o devedor manifesta inequivocamente o reconhecimento daquele direito. Por oportuno, mister destacar que, inspirado no fundamento do instituto, o novo Código Civil inovou ao dispor, de forma expressa, conforme dispõe o art. 202, caput, do CC/02, que a interrupção da prescrição somente poderá ocorrer uma vez para a mesma relação jurídica. Há um certo debate na doutrina sobre se a interrupção ocorreria uma única vez, independentemente de seu fundamento, ou se poderia acontecer uma vez para cada uma das causas interruptivas previstas nos incisos do art. 202 do CC/2002. Contudo, prevalece a orientação jurisprudencial e doutrinária firmada no sentido de que a interrupção da prescrição ocorre somente uma única vez para a mesma relação jurídica - isto é, independentemente de seu fundamento. Assim, o posterior ajuizamento da ação declaratória de inexigibilidade de débitos, ainda que indiscutivelmente seja causa interruptiva da prescrição, não tem o condão de promover nova interrupção do prazo prescricional, uma vez que este já se interrompe com o protesto das duplicatas.
Patrocinador que não organiza evento não é fornecedor para acidente de consumo
Para a incidência do microssistema consumerista, é imprescindível a existência, de um lado, de um fornecedor e, de outro, de um consumidor e que essa relação tenha por objeto o fornecimento de um produto ou serviço. Tratando-se de hipótese de acidente de consumo por defeito do serviço, é de suma importância averiguar se aquele a quem se pretende atribuir a responsabilidade integra a cadeia de consumo. Isso porque, são quatro os pressupostos para a responsabilidade civil, a saber: (I) o dano; (II) o defeito do serviço; (III) o nexo de causalidade entre o defeito e o prejuízo e (iv) o nexo de imputação, sendo este o vínculo entre a atividade desenvolvida pelo fornecedor e o defeito do serviço. Aquele que comparece a espetáculo aberto ao público se qualifica como consumidor nos termos da teoria finalista, já que não dá continuidade ao serviço. A ausência de cobrança de ingresso para assistir ao evento não afasta, por si só, a incidência do CDC. O termo "mediante remuneração" presente no art. 3º, § 2º, desse diploma legal inclui o ganho indireto e não significa que o serviço deva ser oneroso ao consumidor. O legislador, com o propósito de conferir proteção mais efetiva às vítimas de acidentes de consumo, ampliou o conceito de fornecedor previsto no art. 3º do CDC, imputando os danos causados pelo defeito a todos os envolvidos na prestação do serviço (art. 14 do CDC). Ou seja, ao valer-se do vocábulo fornecedor, pretendeu-se viabilizar a responsabilização do terceiro que, embora não tenha prestado o serviço diretamente, integrou a cadeia de consumo. Cuida-se do fornecedor indireto ou mediato. Porém, para ser considerado integrante da cadeia de consumo, o terceiro deve ter contribuído com produtos ou serviços para o fornecimento do serviço final. Em determinadas situações, ainda, admite-se a responsabilidade do terceiro com base na teoria da aparência. De acordo com essa teoria, "quando qualquer entidade se apresente como fornecedor de determinado bem ou serviço ou mesmo que ela, por sua ação ou omissão, causar danos causados ao consumidor, será por eles responsável" (REsp 1.637.611/RJ, Terceira Turma, DJe 25/08/2017). Desse modo, o terceiro também pode ser responsabilizado se, à luz das circunstâncias concretas, aparentar ser o fornecedor do serviço. Ocorre que, a empresa patrocinadora não participou da organização do evento, mas apenas o patrocinou mediante a aquisição de quota de patrocínio. Dito de outro modo, a empresa não contribuiu com seus produtos ou serviços para a organização do evento. Nem mesmo há indícios de que a exposição da sua marca tenha passado a impressão de que atuou como intermediária na cadeia de consumo. Sendo o terceiro mero patrocinador do evento, que não participou da sua organização e, assim, não assumiu a garantia de segurança dos participantes, não pode ser enquadrado no conceito de "fornecedor" para fins de responsabilização pelo acidente de consumo.
Equiparação do recém-nascido a beneficiário de plano de saúde após 30 dias de tratamento terapêutico
No caso, logo após o parto, o neonato foi submetido à cirurgia cardíaca e necessitou de internação hospitalar por período superior a 30 dias, sem que ele tivesse sido inscrito no plano de saúde da genitora como dependente. A propósito, o art. 12, III, "a", da Lei n. 9.656/1998 estabelece verdadeira garantia de cobertura assistencial ao recém-nascido, filho natural ou adotivo do consumidor, ou de seu dependente, durante os primeiros trinta dias após o parto. Nesse mesmo prazo, é assegurada a inscrição do recém-nascido, filho natural ou adotivo do consumidor, como dependente no plano de saúde, isento do cumprimento dos períodos de carência (art. 12, III, "b", da Lei n. 9.656/1998). A conjugação dos citados dispositivos legais permite inferir que, até o 30º dia após o parto, a cobertura assistencial do recém-nascido decorre do vínculo contratual havido entre a operadora e a parturiente, beneficiária de plano de saúde que inclui atendimento de obstetrícia; a partir do 31º dia, a cobertura assistencial do recém-nascido pressupõe a sua inscrição como beneficiário no plano de saúde, momento em que se forma o vínculo contratual entre este e a operadora e se torna exigível o pagamento da contribuição correspondente. À luz do contexto dos autos, portanto, a interpretação puramente literal do art. 12, III, "a" e "b", da Lei n. 9.656/1998, autorizaria a operadora a negar a cobertura assistencial ao recém-nascido a partir do seu 31º dia de vida, como, de fato, o fez; a interpretação sistemática e teleológica, no entanto, conduz a uma outra conclusão. A propósito, fundada na dignidade da pessoa humana e em homenagem aos princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da segurança jurídica, a jurisprudência do STJ firmou a orientação de que, "não obstante seja possível a resilição unilateral e imotivada do contrato de plano de saúde coletivo, deve ser resguardado o direito daqueles beneficiários que estejam internados ou em pleno tratamento médico" (REsp 1.818.495/SP, Terceira Turma, julgado em 08/10/2019, DJe 11/10/2019). Logo, ainda que se admita a extinção do vínculo contratual e, por conseguinte, a cessação da cobertura pela operadora do plano de saúde, é sempre garantida a continuidade da assistência médica em favor de quem se encontra internado ou em tratamento médico indispensável a própria sobrevivência/incolumidade. Então, se, de um lado, a lei exime a operadora da obrigação de custear o tratamento médico prescrito para o neonato, após o 30º dia do parto, se ele não foi inscrito como beneficiário do plano de saúde, impede, de outro lado, que se interrompa o tratamento ainda em curso, assegurando, pois, a cobertura assistencial até a sua alta hospitalar. Nesse contexto, após o prazo de 30 (trinta) dias do nascimento, o neonato submetido a tratamento terapêutico e não inscrito no plano de saúde deve ser considerado usuário por equiparação. É dizer, deve ser considerado como se inscrito fosse, ainda que provisoriamente, o que lhe acarreta não o ressarcimento de despesas conforme os valores de tabela da operadora, mas o recolhimento de quantias correspondentes a mensalidades de sua categoria, a exemplo também do que acontece aos beneficiários sob tratamento assistencial em planos extintos.