Reajuste etário em planos coletivos: aplicação do Tema 952 e fórmula da ANS
Inicialmente, a controvérsia delimitou-se aos planos coletivos novos ou adaptados à Lei n. 9.656/1998, pois a discussão que diz respeito aos planos antigos não possui multiplicidade recursal suficiente para justificar a fixação de uma tese vinculante pelo rito dos repetitivos. Ademais, relembre-se que, antes do marco legal do setor de saúde suplementar, não havia disciplina legal ou regulamentar para os reajustes por faixa etária, de modo que não se mostraria viável fixar uma única tese para abranger contratos novos e antigos não adaptados, tendo em vista a diversidade dos fundamentos jurídicos que embasariam a tese num e noutro caso. A controvérsia fica delimitada também ao contexto de pretensão de revisão de índice de reajuste por faixa etária deduzida pelo usuário contra a operadora. Esta Corte Superior conta com tese já firmada sobre a validade dos reajustes por faixa etária, aplicável aos planos individuais ou familiares. Anota-se, assim, as teses firmadas no Tema 952/STJ: o reajuste de mensalidade de plano de saúde individual ou familiar fundado na mudança de faixa etária do beneficiário é válido desde que (I) haja previsão contratual, (II) sejam observadas as normas expedidas pelos órgãos governamentais reguladores e (III) não sejam aplicados percentuais desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea, onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso. Apesar de o Tema 952/STJ ter sido firmado para os planos individuais e familiares, as razões de decidir do respectivo acórdão contêm argumentação abrangente, que não se limitaram às particularidades desse tipo de plano de saúde, como se pode verificar da leitura das ementas acima transcritas. Em função disso, as teses firmadas no referido tema passaram a ser aplicadas, por analogia, aos planos coletivos, os quais, inclusive, existem em maior proporção. A única ressalva a ser feita diz respeito aos planos operados na modalidade de autogestão (casos do AREsp 1.132.511/DF e do REsp 1.673.366/RS, supracitados, além do REsp 1.713.113/DF, afetado), aos quais não se aplica o Código de Defesa do Consumidor (Súmula 608/STJ). De todo modo, a revisão judicial do reajuste dos planos de autogestão ainda é possível, tomando como fundamentos os princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva, enunciados no Código Civil, combinados e com a vedação à discriminação do idoso, proclamada no Estatuto do Idoso. Esclareça-se que a tese firmada no IRDR 11/TJSP, embora enunciada com base no Tema 952/STJ, deixou de mencionar o requisito da aleatoriedade do índice, prevista no referido Tema como um dos requisitos para a revisão judicial. A metodologia de cálculo das proporções estatuídas na Resolução Normativa ANS 63/2003 é controvérsia que suscita a interposição de uma multiplicidade de recursos, fato que deu ensejo à instauração do IRDR no 11 no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, IRDR que ascendeu a esta Corte Superior nos autos do REsp 1.873.377/SP. Relembre-se que a RN ANS 63/2003 estatuiu as seguintes proporções entre as faixas etárias: Art. 3°- Os percentuais de variação em cada mudança de faixa etária deverão ser fixados pela operadora, observadas as seguintes condições: I - o valor fixado para a última faixa etária não poderá ser superior a seis vezes o valor da primeira faixa etária; II - a variação acumulada entre a sétima e a décima faixas não poderá ser superior à variação acumulada entre a primeira e a sétima faixas. III - as variações por mudança de faixa etária não podem apresentar percentuais negativos (incluído pela RN n. 254, de 06/05/2011). A polêmica se situa na proporção estatuída no inciso II, supra, e consiste em saber se o cálculo da variação acumulada deve ser feito por meio da soma aritmética de índices, ou por meio do cotejo dos valores absolutos dos preços. Nesse passo, relembre-se que, no IRDR 11/TJSP, foi firmada a seguinte tese: TESE 2: "A interpretação correta do art. 3°, II, da Resolução n. 63/03, da ANS, é aquela que observa o sentido matemático da expressão "variação acumulada", referente ao aumento real de preço verificado em cada intervalo, devendo-se aplicar, para sua apuração, a respectiva fórmula matemática, estando incorreta a soma aritmética de percentuais de reajuste ou o cálculo de média dos percentuais aplicados em todas as faixas etárias." A exegese da expressão "variação acumulada" prevista no art. 3° da RN ANS 63/2003 já foi enfrentada por esta Corte Superior, no acórdão paradigma do Tema 952/STJ, tendo-se chegado à mesma conclusão do egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, embora sem integrar a parte vinculativa daquele acórdão. Tendo em vista esse entendimento já manifestado por esta Corte Superior no julgamento do caso subjacente ao Tema 952/STJ, é oportuno fixar, desde logo, uma tese por esta Corte Superior acerca dessa controvérsia, tese proposta nos exatos termos da bem elaborada tese do IRDR 11/TJSP: Tema 1016/STJ - (b) A melhor interpretação do enunciado normativo do art. 3°, II, da Resolução n. 63/2003, da ANS, é aquela que observa o sentido matemático da expressão "variação acumulada", referente ao aumento real de preço verificado em cada intervalo, devendo-se aplicar, para sua apuração, a respectiva fórmula matemática, estando incorreta a simples soma aritmética de percentuais de reajuste ou o cálculo de média dos percentuais aplicados em todas as faixas etárias. Com essa tese, encerra-se a abordagem da controvérsia acerca da abusividade do reajuste por faixa etária Por fim, a controvérsia acerca do ônus da prova foi desafetada, por maioria, da Segunda Seção.
Desconsideração incidental da personalidade jurídica na falência por fraude e confusão patrimonial sem ação própria
A Segunda Seção do STJ, por ocasião do julgamento do AgRg nos EREsp 418.385/SP, ocorrido em 14/3/2012, consolidou o entendimento de que, uma vez verificada a ocorrência de fraude e confusão patrimonial entre a falida e outras empresas, é possível a desconsideração das personalidades jurídicas incidentalmente no processo falimentar, independentemente de ação própria (anulatória ou revocatória), inclusive com o objetivo de arrecadar bens das sociedades empresariais envolvidas na fraude. Cabe assinalar que a desconsideração da personalidade jurídica não implica na invalidade, absoluta ou relativa, dos atos praticados. A análise não se situa no plano da validade, e sim no da eficácia desses negócios jurídicos. Quer isso dizer que esses negócios permanecem válidos, não foram declarados nulos nem anulados. Apenas não surtem efeitos em relação à massa falida. Por isso é que, sem se levar em conta a personalidade jurídica da atual titular do domínio, podem esses bens ser arrecadados, como se ainda pertencessem à empresa falida. Na medida em que a hipótese qualifica-se como de ineficácia relativa, e não de invalidação, não se pode deixar de convir que se assemelha, sob esse prisma, aos casos de fraude de execução. Quanto a esses, há norma expressa autorizando a execução direta, sem necessidade de prévia declaração judicial. Além disso, está jurisprudencialmente definido que pode o juiz, incidentalmente, no processo de execução, proclamar a ineficácia da alienação de bens e três observações impõem a respeito. A primeira é a de que a ineficácia, diferentemente da anulabilidade, não depende de processo de conhecimento para ser reconhecida em juízo. A segunda é a de que essa decisão, podendo ser tomada na execução singular, nada impede que o seja igualmente na execução coletiva (até com mais razão, ante o interesse público existente na falência). E a terceira é a de que a declaração de ineficácia, podendo ser expressa por meio de decisão (e não de sentença), não pode, sob pena de incoerência, restringir-se aos casos de fraude de execução, devendo por isso aplicar-se também às hipóteses em que o negócio seja ineficaz por outro motivo (como acontece na desconsideração da personalidade jurídica). A extensão da falência a sociedades coligadas pode ser feita independentemente da instauração de processo autônomo. A verificação da existência de coligação entre sociedades pode ser feita com base em elementos fáticos que demonstrem a efetiva influência de um grupo societário nas decisões do outro, independentemente de se constatar a existência de participação no capital social (REsp 1.266.666/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 25/8/2011). Por fim, a desconsideração da personalidade jurídica, quando preenchidos os seus requisitos, pode ser requerida a qualquer tempo, não se submetendo, à míngua de previsão legal, a prazos decadenciais ou prescricionais.
Inoponibilidade da cláusula de eleição de foro à seguradora sub-rogada em ação regressiva
Nos termos do art. 349 do CC/2002, a sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores. De igual modo, tratando especificamente da sub-rogação legal decorrente do seguro, o art. 786 do CC/2002 estabelece que, depois de realizada a cobertura do sinistro, a seguradora sub-roga-se nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano, nos limites do valor pago. Nota-se, contudo, que o Código trata da relação jurídica obrigacional existente entre o credor e o devedor da dívida, prevendo, com a sub-rogação, hipótese de substituição do credor nessa relação que é de direito material. Nesse sentido, esta Terceira Turma já decidiu que "o instituto da sub-rogação transfere o crédito apenas com suas características de direito material. A cláusula de eleição do foro estabelecida no contrato entre segurado e transportador não opera efeitos com relação ao agente segurador sub-rogado" (REsp 1.038.607/SP, Terceira Turma, DJe 05/08/2008). Portanto, a sub-rogação transmite tão somente a titularidade do direito material, isto é, a qualidade de credor da dívida. Não obstante essa transferência possa produzir consequências de natureza processual - como o ajuizamento de ação pelo novo credor contra o devedor -, essas decorrem exclusivamente da mera efetivação do direito material adquirido, de modo que as questões processuais atinentes ao credor originário não são oponíveis ao novo credor, porquanto não foram objeto da sub-rogação.
Danos morais por abuso do Ministério Público na divulgação midiática de denúncia criminal
Cinge-se a controvérsia a determinar se houve excesso por membro do Ministério Público por ocasião da entrevista coletiva por meio da qual, na qualidade de Procurador da República, divulgava os termos da denúncia ofertada em desfavor do então denunciado. Importa avaliar se houve o 'agir midiático' por parte do réu e abuso na divulgação da denúncia, capaz de gerar dano moral ao autor, porém, em nenhuma hipótese, o questionamento acerca do oferecimento, em si, da denúncia criminal ou os termos em que a peça fora elaborada ou os tipos penais que dela fazem parte. É indispensável à solução do caso que seja examinada a configuração do alegado excesso no exercício do direito de informar, de divulgar o oferecimento da denúncia criminal, a partir dos parâmetros traçados pela responsabilidade extracontratual. Com efeito, Código Civil orienta que "o abuso de direito consiste em um ato jurídico de objeto lícito, mas cujo exercício, levado a efeito sem a devida regularidade, acarreta um resultado que se considera ilícito" e a exclusão deste ilícito, apta a afastar a responsabilidade civil, deve estar associada ao regular exercício de um direito, cuja prática não tolera excessos Destarte, de maneira objetiva, abusar do direito é extravasar os seus limites quando de seu exercício. Assim, configurado estará o abuso de direito, quando o agente, atuando dentro das prerrogativas que o ordenamento jurídico lhe confere, não observa a função social do direito subjetivo e, ao exercitá-lo, desconsideradamente, ocasiona prejuízo a outrem. Na circunstância em análise, para verificação da ocorrência da subsunção dos fatos à cláusula geral do abuso do direito, em virtude da realização de coletiva de imprensa transmitida em rede nacional, cujo pretexto era informar a apresentação de denúncia criminal contra denunciado, o Procurador da República utilizou-se de expressões e qualificações desabonadoras da honra, imagem e não técnicas. Nessa ordem ideias, o processo é o alicerce sobre o qual se materializa a tutela jurisdicional. Sendo o direito penal a última ratio, o processo penal se revela como plataforma capaz de garantir segurança jurídica na apuração de um tipo criminal, apto à concretização das garantias e direitos fundamentais de estatura constitucional. A partir desse entendimento, não há espaço para dúvidas de que todos os agentes envolvidos nas bem delimitadas etapas da persecução penal devem cuidar para que o procedimento não se desvie de fundamentos éticos, assim como trabalhar pela preponderância intensificada dos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. É imprescindível, para a eficiente custódia dos direitos fundamentais, que a divulgação do oferecimento de denúncia criminal se faça de forma precisa, coerente e fundamentada. Assim como a peça acusatória deve ser o espelho das investigações nas quais se alicerça, sua divulgação deve ser o espelho de seu estrito teor, balizada pelos fatos que a acusação lhe imputou, sob pena de não apenas vilipendiar-se direitos subjetivos, mas, também, e com igual gravidade, desacreditar o sistema jurídico. Na linha desse raciocínio, no caso em exame, revela-se inadequada, evidenciando o abuso de direito, a conduta do membro do Ministério Público ao caracterizar o denunciado de forma pejorativa, assim como ao anunciar a imputação de fatos que não constavam do objeto da denúncia que se conferia publicidade por meio da coletiva convocada. Se na peça de acusação não foram incluídas adjetivações "atécnicas", evidente que a sua anunciação também deveria reguardar-se daquelas qualificadores, que enviesam a notícia e a afasta da impessoalidade necessária, retirando o tom informativo (princípio da publicidade) e a coloca, indesejavelmente, como narrativa do narrador, por isso que, gerando dano moral a vítima, é passível de sancionamento civil.
Ações coletivas de associações: autorização expressa, rol e regularização anterior ao RE 573232 SC
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 573.232/SC, em 14/5/2014, firmou entendimento de que a atuação das associações não enseja substituição processual, mas representação específica, consoante o disposto no art. 5º, XXI, da Constituição Federal, sendo necessária, para tanto, autorização expressa dos associados e a lista destes juntada à inicial. Com efeito, alinhando-se ao aludido precedente da Suprema Corte, o STJ reconhece que, em ação coletiva proposta por associação, é imprescindível a autorização expressa dos associados e a juntada da lista de representados à inicial, não sendo suficiente a previsão genérica, em estatuto, da legitimidade da associação para defender os interesses de seus associados. Outrossim, sobreleva notar que, nada obstante o Supremo Tribunal Federal não tenha modulado os efeitos temporais de sua decisão, deve-se considerar que o precedente em tela se formou em momento posterior ao ajuizamento da subjacente ação coletiva, ocorrido em 13/11/2013, e a sentença somente foi prolatada em junho de 2017. Em caso análogo, esta Corte Superior já se posicionou no sentido de que, a despeito da necessidade de aplicação do entendimento firmado pelo STF, apresenta-se razoável, antes da extinção do feito sem a resolução do mérito, permitir que a parte autora regularize sua representação processual.