Retroatividade benigna das alterações na Lei de Improbidade Administrativa segundo STF 1199
Inicialmente, a questão jurídica referente à aplicação da Lei n. 14.230/2021 - em especial, no tocante à necessidade da presença do elemento subjetivo dolo para a configuração do ato de improbidade administrativa e da aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente - teve a repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (Tema n. 1.199/STF). O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no dia 18/8/2022, apreciando tal questão, fixou, por unanimidade, as seguintes teses: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - dolo; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é irretroativa, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; e 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. Ao se examinar as teses sufragadas pela Suprema Corte submetidas ao regime de repercussão geral, constata-se que, a despeito de ser reconhecida a irretroatividade da norma benéfica advinda da Lei n. 14.230/2021, que revogou a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, o STF autorizou a aplicação da lei nova, quanto a tal aspecto, aos processos ainda não cobertos pelo manto da coisa julgada. Nesse passo, a Primeira Turma desta Corte Superior, por maioria, no julgamento do AREsp 2.031.414/MG, realizado em 09/05/2023, seguindo a divergência apresentada pela Min. Regina Helena Costa, firmou orientação no sentido de conferir interpretação restritiva às hipóteses de aplicação retroativa da NLIA, adstrita aos atos ímprobos culposos não transitados em julgado, de acordo com a tese 3 do Tema 1.199/STF. A despeito de ser esse o entendimento deste Colegiado, a Suprema Corte, em momento posterior, ampliou a aplicação da referida tese ao caso de ato de improbidade administrativa fundado no revogado art. 11, I, da Lei n. 8.429/1992, desde que não haja condenação com trânsito em julgado, nos termos dos seguintes precedentes: ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, relator para Acórdão Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 06/09/2023 e RE 1452533 AgR, relator Ministro Cristiano Zanin, Primeira Turma, DJe 21/11/2023 A propósito do tema, vale transcrever excerto do voto proferido pelo Ministro Alexandre Moraes, por ocasião do julgado do RE 1452533 AgR, acima referido: "No presente processo, os fatos datam de 2012 - ou seja, muito anteriores à Lei 14.230/2021, que trouxe extensas alterações na Lei de Improbidade Administrativa, e o processo ainda não transitou em julgado. Assim, tem-se que a conduta não é mais típica e, por não existir sentença condenatória transitada em julgado, não é possível a aplicação do art. 11 da Lei 8.429/1992, na sua redação original. Logo, deve se aplicar ao caso a tese fixada no Tema n. 1.199, pois, da mesma maneira que houve abolitio criminis no caso do tipo culposo houve, também, nessa hipótese, do artigo 11. Portanto, conforme registra o Eminente Relator, o acórdão do Tribunal de origem no presente caso ajusta-se ao entendimento do Plenário do SUPREMO no Tema n. 1.199, razão pela qual não merece reparos". No caso concreto, a recorrente foi condenada por violação ao art. 11, I, da Lei n. 8.429/1992, hoje revogado pela lei Lei n. 14.230/2021, evidenciando-se, desse modo, a improcedência do pedido ministerial. Assim, deve ser julgada improcedente a presente ação de improbidade administrativa.
Penhora do bem de família por dívida de financiamento para reforma do imóvel
Cinge-se a controvérsia em definir se a exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no art. 3º, II, da Lei n. 8.009/1990 se aplica à dívida contraída para reforma do imóvel. As regras que estabelecem hipóteses de impenhorabilidade não são absolutas. O próprio art. 3º da Lei n. 8.009/1990 prevê uma série de exceções à impenhorabilidade, entre as quais está a hipótese em que a ação é movida para cobrança de crédito decorrente de financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato (inciso II). Da exegese do comando do art. 3º, II, da Lei n. 8.009/1990, fica evidente que a finalidade da norma foi coibir que o devedor se escude na impenhorabilidade do bem de família para obstar a cobrança de dívida contraída para aquisição, construção ou reforma do próprio imóvel, ou seja, de débito derivado de negócio jurídico envolvendo o próprio bem. É nítida a preocupação do legislador no sentido de impedir a deturpação do benefício legal, vindo a ser utilizado como artifício para viabilizar a aquisição, melhoramento, uso, gozo e/ou disposição do bem de família sem nenhuma contrapartida, à custa de terceiros. No particular, o débito objeto de cumprimento de sentença foi contraído pela recorrente junto às recorridas com a finalidade de implementação de reforma no imóvel residencial, razão pela qual incide o disposto no art. 3º, II, da Lei n. 8.009/1990. Portanto, a dívida relativa a serviços de reforma residencial se enquadra na referida exceção.
Cabimento de intervenção do querelante em habeas corpus para trancar ação privada ou subsidiária
O habeas corpus é espécie de ação constitucional que não admite intervenção de terceiros. No entanto, tal entendimento é flexibilizado nos casos em que a ação de fundo se consubstancia em ação penal privada ou privada subsidiária da pública, ou seja, nos casos em que tenha sido intentada por um dos postulantes elencados no artigos 29 e 30 do Código de Processo Penal. Assim, se o querelado pretende manejar uma ação constitucional com o objetivo de fulminar a queixa (inclusive subsidiária), deve-se assegurar ao querelante o direito de resguardar o seu interesse - o qual se concretiza na entrega jurisdicional final - em todos os graus de jurisdição. Nesses termos, ainda que o querelante não seja efetivamente parte no writ que via recurso ordinário, bate às portas desta Corte, parte ele é na relação processual principal e, por isso mesmo, deve ser admitido como terceiro interessado em demanda que visa ao trancamento do processo, cuja marcha processual somente teve início devido a sua iniciativa. O que define a existência do interesse de agir de terceiro em ação de habeas corpus não é apenas a natureza da ação de fundo, mas especialmente a legitimidade ad causam do querelante para dar início ao processo penal, com base nos artigos 29 e 30 do CPP. Ademais, ainda que a questão concernente à possibilidade de intervenção do querelante em ação de habeas corpus não esteja abarcada pela tese firmada em repercussão geral pelo STF no julgamento do Tema 811, ela foi objeto de análise preliminar pelo Tribunal Pleno da Excelsa Corte, a viabilizar o julgamento do mérito do recurso interposto pelo querelante naqueles autos.
Busca e apreensão independe de anotação da alienação fiduciária no registro do veículo
A controvérsia consiste em definir se o registro da alienação fiduciária no órgão de trânsito é requisito para o ajuizamento da ação de busca e apreensão e se o fato de o veículo estar registrado em nome de terceiro constitui óbice ao prosseguimento da demanda. A ação de busca e apreensão é uma ação autônoma de conhecimento (art. 3º, §8º, do Decreto-Lei n. 911/1969) que tem por finalidade a retomada do bem pelo credor fiduciário. A petição inicial deve indicar o valor da integralidade da dívida pendente (art. 3º, §2º, do Decreto-Lei n. 911/1969) e devem ser observados os requisitos estabelecidos nos arts. 319 e 320 do CPC. São documentos indispensáveis ao ajuizamento da ação de busca e apreensão a comprovação da mora do devedor fiduciante (Súmula n. 72/STJ) e o contrato escrito celebrado entre as partes. Além disso, se o bem objeto da alienação fiduciária estiver registrado em nome de terceiro, a petição inicial deverá ser instruída com prova de que a posse do bem foi transferida ao devedor. Isso porque, a alienação fiduciária somente tem eficácia entre as partes contratantes (comprador e financiador) a partir do momento em que o devedor se torna proprietário do bem, o que ocorre com a tradição (arts. 1.267 e 1.361, § 3º, do CC). A anotação da alienação fiduciária no certificado de registro do veículo não constitui requisito para a propositura da ação de busca e apreensão, uma vez que o registro é condição de eficácia da garantia perante terceiros e não entre os contratantes. No particular, as partes celebraram contrato de financiamento de veículo com pacto acessório de alienação fiduciária, o qual não foi registrado no órgão de trânsito competente, o que, todavia, não é exigido para ação de busca e apreensão. Mas, sendo o proprietário registral terceiro estranho à lide, cabe à recorrente (credora fiduciária) comprovar a tradição do veículo ao recorrido (devedor fiduciante).