ADI e Programa Mais Médicos

STF
886
Direito Administrativo
Direito Constitucional
Geral
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Atualizado em 14 de novembro de 2025

Este julgado integra o

Informativo STF 886

Comentário Damásio

Conteúdo Completo

O Plenário, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra diversos preceitos da Medida Provisória 621/2013, que instituiu o Programa Mais Médicos e foi, posteriormente, convertida na Lei 12.871/2013.

Inicialmente, o Colegiado, por maioria, acolheu preliminar de ilegitimidade ativa “ad causam” da Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados (CNTU) e determinou a extinção da ADI 5037/DF, cujo objeto era mais abrangente que o da ADI 5035/DF.

Prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes, que aduziu a falta de legitimidade com fundamento na ausência da pertinência temática e na invalidação do registro sindical da CNTU por decisão judicial transitada em julgado. No particular, reportou-se à ADI 4380/DF (DJE de 27.3.2017), extinta por perda superveniente da legitimidade ativa “ad causam” da mesma Confederação.

Os ministros Roberto Barroso, Rosa Weber e Celso de Mello observaram que a invalidação do registro impede que se atribua à CNTU a condição de entidade sindical de grau superior.

Vencido o ministro Marco Aurélio, relator, que reconheceu a legitimidade ativa da Confederação.

No exame da ADI 5035/DF, o Pleno afastou a preliminar de irregularidade da representação processual da Associação Médica Brasileira (AMBR), em face da superveniente regularização.

Aferiu não haver transgressão direta ao texto constitucional, a ensejar a admissibilidade da ação, no tocante aos argumentos envolvendo a falta de domínio do idioma, a indevida interferência na autonomia dos conselhos regionais e a necessidade de tratamento recíproco para validação de diploma obtido no exterior. Embora mencionadas normas constitucionais supostamente infringidas, todo o raciocínio veiculado pela requerente é desenvolvido a partir do cotejo com dispositivos infraconstitucionais.

As supostas antinomias jurídicas, se existentes, devem ser resolvidas com base nos critérios hierárquico, cronológico ou da especialidade, revelando-se inadequado o controle normativo abstrato.

O Supremo Tribunal Federal (STF) ponderou ser a conversão em lei incapaz de sanar eventuais nulidades inerentes à medida provisória, permanecendo hígida a possibilidade de controle.

Sob o ângulo formal, reconheceu caber ao Chefe do Executivo a avaliação de conveniência e oportunidade, ressalvados os casos de excesso de poder. O controle de constitucionalidade das medidas provisórias, quanto aos requisitos de relevância e urgência, ainda que excepcional, mostra-se viável quando manifesto o abuso.

Rechaçou as alegações de inconstitucionalidade formal e material suscitadas, porquanto ausente tema constitucional vedado e configurada, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a situação de relevância e urgência a justificar a edição de normas provisórias pelo Presidente da República.

Sob o ângulo material, descabe conferir aos conceitos de nacionalidade e cidadania sentido alargado, a abranger contratação e concessão de visto temporário para médicos intercambistas estrangeiros e dependentes legais. O texto impugnado não dispõe sobre o vínculo jurídico-político por meio do qual passam a conviver com os nacionais, nem versa acerca da participação nos negócios políticos do Estado ou em outras áreas de interesse público.

Também é inadequado agasalhar a tese de que a medida provisória disciplinou matéria orçamentária. O ato normativo não trata de planejamento e execução de finanças públicas, tampouco contempla previsão de receitas e fixação de despesas. Veicula política pública referente à saúde, cumprindo ao Poder Executivo implementar, mediante instrumentos próprios, as providências necessárias ao custeio do programa.

Na análise da alegada ofensa ao princípio da autonomia universitária, consagrado no art. 207 da Constituição Federal de 1988 (CF/1988) (1), acentuou subordinar-se a autonomia universitária aos preceitos constitucionais e legais. Não se pode confundi-la com soberania ou interpretá-la como independência. 

Lembrou que a Constituição Federal, no art. 22, XXIV, confere à União competência para estabelecer normas gerais sobre a educação nacional, fixando as diretrizes e bases que devem informar o ensino ministrado no país. 

Assentou haver limites legitimamente impostos à autonomia didático-científico.

Avaliou que as orientações veiculadas na Lei 12.871/2013 estão em harmonia com os parâmetros fixados pelo art. 214 da CF/1988, segundo o qual um dos objetivos do plano nacional de educação consiste em definir diretrizes com o fim de assegurar a manutenção e o desenvolvimento do ensino por meio de ações integradas dos poderes públicos voltadas à “formação para o trabalho” e à “promoção humanística”.

É impróprio considerar ofensivas à autonomia universitária as diretrizes fixadas quanto à autorização para o funcionamento de curso de graduação em medicina, à adequação da matriz curricular e ao aperfeiçoamento dos médicos participantes do programa.

No tocante aos demais tópicos, salientou que o Projeto Mais Médicos é prioritariamente oferecido aos profissionais diplomados no Brasil. Na sequência, aos médicos formados no exterior. 

Assinalou que a ocorrência de problemas na aplicação da lei não afeta a constitucionalidade do modelo, opção legítima para a maior preocupação da sociedade que é a saúde. A norma atacada pode não ter sido a melhor opção do ponto de vista técnico, mas foi opção de política pública válida para tentar minimizar a dificuldade de se fazer chegar a possibilidade de atendimento médico aos locais mais distantes. Com esteio nos arts. 3º, III (2); 170 (3) e 198 (4) da CF/1988, verificou-se forma para que se pudesse levar o serviço médico a todos os rincões.

Eventuais ilicitudes ou falhas na execução dessas políticas públicas devem ser investigadas e corrigidas.

O Plenário apurou que o art. 16 da Lei 12.871/2013 (5), antigo art. 10 da medida provisória, não estaria permitindo o exercício ilegal da medicina ao dispensar a revalidação do diploma estrangeiro do médico intercambista. O próprio art. 5º, XIII, da CF/1988 firma a liberdade do exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Não foi a Constituição que determinou a obrigatoriedade de revalidação. A partir do comando constitucional, a legislação geral prevê essa revalidação.

Estimou ser uma excepcionalidade para o médico intercambista, exclusivamente no âmbito das atividades de ensino, pesquisa e extensão do Projeto Mais Médicos para Brasil, a dispensa da revalidação nos três primeiros anos de participação.

Não significa que essa lei específica deixou de exigir a qualificação necessária ao exercício da medicina, porque os demais artigos da lei colocam que o médico intercambista será supervisionado, a bolsa está ligada a uma universidade, a uma organização de ensino. Há fiscalização do conselho de medicina. O profissional tem todas as suas qualificações atestadas e fiscalizadas.

Nada impede que o Congresso Nacional venha a editar lei transformando essa regra específica em geral, dizendo que não é preciso a validação do diploma para determinados países.

Reafirmou dizer a lei que isso é temporário, somente para o Projeto Mais Médicos. Para os que não tiverem a revalidação, não é permitido praticar a medicina, no Brasil, em outras questões distintas do programa. 

Constatou que o arcabouço legal do Programa Mais Médicos trouxe métodos de fiscalização para que não houvesse problemas no exercício da medicina. Ademais, a norma adversada exige expressamente que a carteira de identificação do médico intercambista contenha a mensagem explícita sobre a vedação fora das atividades do Projeto Mais Médicos. 

Participou ser admitida, em outros países, a prática da não revalidação, exatamente para possibilitar o atendimento a determinadas comunidades.

Nesse aspecto, concluiu pela constitucionalidade da lei. 

Noutro passo, entendeu que a prioridade estabelecida no SUS, com o Programa Mais Médicos, foi o binômio ensino e serviço. Assim, ao longo da especialização, há a obrigatoriedade da prestação de serviços supervisionada por médicos brasileiros. Em vez de se investir na especialização para depois auferir o retorno, o programa pensou em resolver isso fazendo a questão do ensino/serviço ao mesmo tempo. 

Em virtude disso, reputou não se tratar de vínculo empregatício. É forma acadêmico-profissional que foi encontrada e que é utilizada também em outros países, muito semelhante ao que se faz ao conscrito médico ou dentista. 

Como resultado, afastou a assertiva de violação ao concurso público. A regra é de um chamamento. Prioriza o médico brasileiro e, somente na falta, procede à sequência. Portanto, identificou inexistir relação trabalhista. 

Desse ponto de vista, é relação que se faz com entidades, países, de bolsas oferecidas, sem se dar diretamente entre o Brasil e o médico específico. 

No que concerne a Cuba, há um intermediário que realiza a escolha de médicos ou faz a implantação, mas não é uma diferenciação realizada pelo Brasil. Os médicos que se inscrevem sabem as condições da bolsa. O Brasil não trata desigualmente a bolsa que oferece no programa, faz o chamamento.

A bolsa é oferecida a certas entidades e, no caso de Cuba, a entidade supervisora, ligada àquele governo, controla e fica com uma parcela. Entretanto, nada obriga o médico cubano a aceitar essa bolsa.

Frisou não haver tratamento diferenciado em todos os requisitos para o médico intercambista. O que acontece é que cada país se estrutura de uma determinada maneira dentro dos pactos tratados com o Brasil ou, nesta situação, das bolsas oferecidas.

Vencido o relator no ponto em que deferiu parcialmente o pedido, no que foi acompanhado pela ministra Rosa Weber.

(1) CF/1988: “Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. § 1º É facultado às universidades admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei. § 2º O disposto neste artigo aplica-se às instituições de pesquisa científica e tecnológica.”
(2) CF/1988: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...) III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;”
(3) CF/1988: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”
(4) CF/1988: “Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade. § 1º O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. § 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre: I - no caso da União, a receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro, não podendo ser inferior a 15% (quinze por cento); II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; III – no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º. § 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá: I - os percentuais de que tratam os incisos II e III do § 2º; II - os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades regionais; III – as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal; IV - (revogado). § 4º Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação. § 5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico, o piso salarial profissional nacional, as diretrizes para os Planos de Carreira e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias, competindo à União, nos termos da lei, prestar assistência financeira complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, para o cumprimento do referido piso salarial. § 6º Além das hipóteses previstas no § 1º do art. 41 e no § 4º do art. 169 da Constituição Federal, o servidor que exerça funções equivalentes às de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias poderá perder o cargo em caso de descumprimento dos requisitos específicos, fixados em lei, para o seu exercício.”
(5) Lei 12.871/2013: “Art. 16. O médico intercambista exercerá a Medicina exclusivamente no âmbito das atividades de ensino, pesquisa e extensão do Projeto Mais Médicos para o Brasil, dispensada, para tal fim, nos 3 (três) primeiros anos de participação, a revalidação de seu diploma nos termos do § 2º do art. 48 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. § 1º (VETADO). § 2º A participação do médico intercambista no Projeto Mais Médicos para o Brasil, atestada pela coordenação do Projeto, é condição necessária e suficiente para o exercício da Medicina no âmbito do Projeto Mais Médicos para o Brasil, não sendo aplicável o art. 17 da Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957. § 3º O Ministério da Saúde emitirá número de registro único para cada médico intercambista participante do Projeto Mais Médicos para o Brasil e a respectiva carteira de identificação, que o habilitará para o exercício da Medicina nos termos do § 2º. § 4º A coordenação do Projeto comunicará ao Conselho Regional de Medicina (CRM) que jurisdicionar na área de atuação a relação de médicos intercambistas participantes do Projeto Mais Médicos para o Brasil e os respectivos números de registro único. § 5º O médico intercambista estará sujeito à fiscalização pelo CRM.”

Legislação Aplicável

CF, arts. 3º, III; 5º, XIII; 22, XXIV; 170; 198; 207, §§ 1º e 2º; 214.
Medida Provisória 621/2013.
Lei 12.871/2013, art. 16, §§ 2º ao 4º.

Informações Gerais

Número do Processo

5037

Tribunal

STF

Data de Julgamento

30/11/2017