Este julgado integra o
Informativo STF nº 639
O Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação penal promovida pelo Ministério Público Federal para condenar Deputado Federal pela prática do crime de esterilização cirúrgica irregular (Lei 9.263/96, art. 15) à pena de 3 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão e ao pagamento de 14 dias-multa, calculados no valor unitário equivalente a 1 salário mínimo. No caso, a peça acusatória narrara que, no período que antecedera às eleições municipais de 2004, o parlamentar, entre os meses de janeiro e março, teria oferecido, na qualidade de pré-candidato a prefeito, vantagem a eleitoras, consistente na realização gratuita de cirurgia de esterilização, com o suposto objetivo de lograr votos. Para tanto, a denúncia descrevera que ele contaria com o auxílio de sua companheira e de sua enteada que, na condição de administradoras da Fundação “PMDB Mulher” naquela localidade, aliciavam e cadastravam mulheres para serem submetidas ao citado procedimento cirúrgico. Nessa cooptação, também contava com a ajuda de 2 correligionários que abordavam interessadas nos bairros da municipalidade. Em passo seguinte, as eleitoras eram operadas pelo marido da enteada do réu e pelo proprietário do hospital privado para o qual encaminhadas, este, amigo do parlamentar. Consta da inicial que os procedimentos eram feitos sem a observância dos requisitos pré-cirúrgicos exigidos por lei, bem como que seriam emitidas guias com intervenções distintas das efetivadas, para fins de ressarcimento pelo SUS, uma vez que o nosocômio não possuía autorização para esse específico atendimento. Dessa forma, o parquet imputara ao parlamentar o cometimento dos supostos delitos de corrupção eleitoral (Código Eleitoral, art. 299), de estelionato qualificado (CP, art. 171, § 3º), de formação de quadrilha ou bando (CP, art. 288) e de esterilização cirúrgica irregular (Lei 9.263/96, art. 15), em concurso material e em continuidade delitiva (CP, artigos 69 e 71, respectivamente). Prevaleceu o voto do Min. Dias Toffoli, relator, que, de início, rejeitou tese defensiva no sentido da atipicidade da conduta prevista no crime de corrupção eleitoral (Código Eleitoral, art. 299) se perpetrada em data anterior ao registro oficial da candidatura ao pleito eletivo. Asseverou que esta Corte, quando do recebimento da denúncia, teria reconhecido a tipicidade da conduta. Ademais, destacou que se exigir a condição especial de “candidato” para a ocorrência dessa infração tornaria inócua a norma penal tipificadora do delito de corrupção eleitoral, de modo a possibilitar, antes do registro das candidaturas, toda sorte de irregularidades por parte dos pretendentes a cargos eletivos. Aludiu que, no tipo em comento, não haveria menção quanto a conceitos de ordem temporal, diferentemente do que ocorreria com o crime de captação ilícita de sufrágio (Lei 9.504/97, art. 41-A), o qual faz referência à expressão “candidato”. No mérito, reputou que os elementos coligidos nos autos indicariam ser o réu o principal articulador do estratagema, com o objetivo de captação ilegal de votos em seu favor, embora não houvesse comprovação de que fizera, pessoalmente, qualquer oferta às eleitoras e, tampouco, existissem depoimentos das testemunhas afirmando que teriam sido por ele abordadas para a realização das cirurgias. Assinalou ser improvável que o denunciado desconhecesse os fatos, dado que o encaminhamento ao hospital era efetivado pela agremiação política por ele instituída e mantida. Ao avançar a análise sobre o dolo, entendeu configurado o elemento subjetivo do tipo concernente à vontade livre e consciente do acusado em corromper, dando, oferecendo, prometendo vantagem para obter o voto das eleitoras. Assim, por considerar desfavoráveis a culpabilidade, as circunstâncias, os motivos e as conseqüências do crime, fixou a pena-base em 1 ano e 2 meses de reclusão e 6 dias-multa, no valor unitário de 1 salário mínimo (em atenção à situação econômica do sentenciado). Na 2ª fase da dosimetria, compensou a circunstância atenuante de o réu ser maior de 70 anos, nos dias atuais (CP, art. 65, I), com as agravantes de torpeza (CP, art. 61, I) e de promoção, organização e direção das atividades dos demais agentes (CP, art. 62, I), tornando a pena definitiva, diante da inexistência de causas especiais de aumento ou de diminuição da pena. Reconheceu a continuidade delitiva na prática de 5 crimes e, em conseqüência, aumentou de 1/3 a pena, a totalizar 1 ano, 6 meses e 20 dias de reclusão e 8 dias-multa. Entretanto, ao aplicar o art. 115 do CP, declarou extinta a punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, tendo em conta o transcurso de lapso superior a 2 anos entre os fatos e o recebimento da inicial acusatória pelo STF (13.12.2007), bem assim desse termo até a presente data. No tocante à prática de esterilização cirúrgica irregular, assentou que a materialidade do delito fora comprovada relativamente a 5 eleitoras, por meio de provas documental e testemunhal. Registrou que houvera a demonstração de que as intervenções teriam sido efetuadas sem a observância das formalidades previstas no art. 10 da Lei 9.263/96, em estabelecimento de saúde não credenciado. Além disso, apontou que, pelos mesmos motivos citados no reconhecimento da participação do denunciado no crime de corrupção eleitoral, concluir-se-ia que, de igual modo, ele concorrera para a realização irregular dessas operações. Reiterou que não seria crível que ele pudesse desconhecer o tipo de procedimento propiciado às eleitoras, porquanto essa era a oferta feita às mulheres em seu reduto eleitoral para angariar votos em seu favor. Asseverou que, não obstante a esterilização tivesse sido feita por médicos indicados pelo denunciado, ele tivera efetiva participação no cometimento dessas infrações, devendo por elas responder, na forma do art. 29, caput, do CP. Ao levar em conta as circunstâncias judiciais acima referidas, estabeleceu a pena-base em 2 anos e 4 meses de reclusão e 11 dias-multa, no valor de 1 salário mínimo. Tornou-a definitiva ante a compensação da atenuante com as agravantes já mencionadas e a ausência de causas de diminuição e de aumento da pena. Igualmente, fizera incidir o acréscimo de 1/3 pela continuidade delitiva, o que resultara na pena total de 3 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão e 14 dias-multa. No que concerne ao delito de estelionato, enfatizou que, ao contrário do que sustentado pela defesa, das provas carreadas poder-se-ia extrair que o parlamentar tinha conhecimento da falsificação de autorizações para internação hospitalar. Com isso, visava induzir órgão público em erro para que fossem reembolsadas as despesas suportadas pelo nosocômio e pagos os honorários médicos aos responsáveis pelas cirurgias. Consignou estar caracterizada a tipicidade material do delito pela efetiva lesão ao erário, cujo prejuízo poderia ser classificado como de pequeno valor — considerado o importe aproximado de R$ 200,36 a R$ 369,89 para cada uma das cirurgias —, apto ao reconhecimento do privilégio previsto no art. 171, § 1º, do CP, não obstante tratar-se de crime qualificado (CP, art. 171, § 3º). No ponto, mencionou que a situação seria análoga à do privilégio aplicável ao furto de bem de pequeno valor (CP, art. 155, § 2º). Reafirmou o que dito quanto às circunstâncias judiciais já apreciadas e fixou a pena-base em 1 ano e 2 meses de reclusão e 11 dias-multa, no valor de 1 salário mínimo. Também procedeu à compensação da atenuante com as agravantes referidas outrora e, diante da causa especial de aumento de pena concernente à prática de crime em detrimento de entidade de direito público, aumentou a pena provisória, em 1/3, a resultar em 1 ano, 6 meses e 20 dias de reclusão e 14 dias-multa. Aplicou, ainda, a causa de diminuição em idêntica fração, pelo menor prejuízo individualmente suportado pelo ofendido em cada uma das infrações, perfazendo 1 ano e 13 dias de reclusão e 9 dias-multa. Por fim, ao reconhecer o crime continuado, acresceu 1/3 à pena, o que culminara no total de 1 ano, 4 meses e 17 dias de reclusão e 12 dias-multa. De igual forma, declarou extinta a punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva. Relativamente ao crime de formação de quadrilha ou bando, salientou que a prova produzida no curso da instrução processual seria firme em demonstrar a estabilidade e a permanência da associação entre os envolvidos. Outrossim, seria irrelevante, para a configuração do tipo em tela, que não houvesse concurso direto de todos os integrantes do bando no cometimento de todas as infrações, bastando que o fim almejado fosse a prática de crimes. Estabeleceu a pena-base em 1 ano e 2 meses de reclusão, consideradas desfavoráveis a culpabilidade, as circunstâncias, os motivos e as conseqüências do delito. Na fase seguinte, fez a citada compensação e, em virtude da inexistência de causas de aumento e de diminuição, tornou a pena definitiva Reconheceu, ainda, a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva. Após fixar a quantidade de pena, determinou o seu cumprimento em regime inicial aberto, cujas condições deverão ser disciplinadas na execução. O Colegiado vedou a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, vencido o relator. Prevaleceu, no ponto, o voto do Min. Luiz Fux, revisor, que a entendia incabível, dadas as peculiaridades da espécie, pois a esterilização seria uma violência mais do que simbólica, realizada com significativa interferência na higidez física das mulheres. Por fim, o relator observou que, se o sentenciado estiver no exercício do cargo parlamentar por ocasião do trânsito em julgado desta decisão, dever-se-á oficiar à Câmara dos Deputados para fins de deliberação de eventual perda do mandato. O Min. Marco Aurélio absolvia o réu e julgava o pleito improcedente. Ressaltava que o tipo previsto no art. 15 da Lei 9.263/96 seria crime de mão própria, o qual não admitiria participação, e que, considerado o objetivo visado pelo agente — obtenção de votos —, ele não teria adentrado campo para praticar fraude junto ao SUS. Dessa forma, excluídos esses 2 crimes, afastava a ocorrência do art. 288 do CP quanto ao delito eleitoral.
Lei 9.263/96, arts. 10e 15; Lei 9.504/97, art. 41-A; Código Eleitoral, art. 299; CP, arts. 29; 61, I; 62, I; 65, I; 69; 71; 115; 155, §2º; 171, §§1º e 3º; 288.
Número do Processo
481
Tribunal
STF
Data de Julgamento
08/09/2011
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1ª tese: É abusiva a cláusula que prevê o ressarcimento pelo consumidor da despesa com o registro do pré-gravame, em contratos celebrados a partir de 25/02/2011, data de entrada em vigor da Resolução CMN 3.954/2011, sendo válida a cláusula pactuada no período anterior a essa resolução, ressalvado o controle da onerosidade excessiva. A controvérsia delimita-se aos contratos bancários firmados no âmbito de uma relação de consumo, com instituições financeiras ou equiparadas, celebrados a partir de 30/04/2008, no que se refere à "cobrança de tarifas pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil", à luz das normas do Conselho Monetário Nacional, expedidas com base no art. 4º da Lei n. 4.595/1964, e o do Código de Defesa do Consumidor - CDC. No que se refere à despesa pré-gravame, cabe observar que não se trata propriamente de uma tarifa, que remunera serviço prestado pela instituição financeira e é taxativamente prevista em resolução da CMN, mas sim de uma despesa com serviço prestado por terceiro, e cobrado do consumidor a título de ressarcimento de despesa. Ademais, não se trata de um requisito de eficácia da garantia perante terceiros, como ocorre com o registro do contrato no órgão de trânsito ou no cartório de títulos e documentos. Na verdade, o pré-gravame é um registro adicional de caráter privado, alimentado pelas instituições financeiras, com o objetivo de conferir maior segurança e agilidade às contratações. Ele decorre de obrigação imposta especificamente às instituições financeiras, de forma que essa despesa remunera, efetivamente, uma operação ínsita à atividade bancária, devendo, portanto, ser suportada pela própria instituição financeira. Entretanto, a controvérsia acerca do alcance da norma autorizativa do art. 1º, § 1º, inciso III, da Resolução CMN 3.518/2007, foi enfrentada recentemente por esta Corte Superior, sob a ótica da despesa com a comissão do correspondente bancário, tendo-se entendido, que seria válido o ressarcimento dessa despesa perante o consumidor para os contratos celebrados até 25/02/2011, data de entrada em vigor da Resolução CMN 3.954/2011, marco temporal que deve permanecer na hipótese para manter coerência com esse precedente. 2ª tese: Nos contratos bancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada. O seguro de proteção financeira é uma ampliação do conhecido seguro prestamista, o qual oferece cobertura para os eventos morte e invalidez do segurado, garantindo a quitação do contrato em caso de sinistro, fato que interessa tanto ao segurado (ou a seus dependentes) quanto à instituição financeira. Nessa espécie de seguro, oferece-se uma cobertura adicional, referente ao evento despedida involuntária do segurado que possui vínculo empregatício, ou perda de renda para o segurado autônomo. A inclusão desse seguro nos contratos bancários não é vedada pela regulação bancária, até porque não se trata de um serviço financeiro, conforme já manifestou o Banco Central do Brasil. Apesar dessa liberdade de contratar, uma vez optando o consumidor pelo seguro, a cláusula contratual já condiciona a contratação da seguradora integrante do mesmo grupo econômico da instituição financeira, não havendo ressalva quanto à possibilidade de contratação de outra seguradora, à escolha do consumidor. Observa-se que essa espécie de venda casada já foi enfrentada por esta Corte Superior no âmbito do seguro habitacional vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação - SFH e já sinalizava que, em qualquer contrato bancário, configura venda casada a prática das instituições financeiras de impor ao consumidor a contratação de seguro com determinada seguradora. Verifica-se que a única diferença para o caso do seguro de proteção financeira diz respeito à liberdade de contratar, que é plena no caso da presente afetação, ao contrário do SFH, em que a contratação do seguro é determinada por lei. Propõe-se, assim, a consolidação de uma tese semelhante ao enunciado da Súmula 473/STJ, para assim manter coerência com o precedente que deu origem a essa súmula, lembrando-se que a coerência entre precedentes passou a ter eficácia normativa no sistema processual inaugurado pelo CPC/2015 (cf. art. 926). 3ª tese: A abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora. Inicialmente, cabe anotar que a controvérsia acerca da descaracterização da mora em virtude da abusividade de encargos contratuais encontra-se consolidada nesta Corte Superior pelo rito dos recursos repetitivos, conforme teses firmadas nos temas 28 e 29/STJ. Porém, como não houve uma manifestação expressa desta Corte Superior acerca da distinção entre encargos essenciais e encargos acessórios, essa questão suscita dúvidas. O entendimento não poderia ser outro senão aquele já sinalizado no precedente que deu origem ao Tema 28/STJ, ao se enfatizar que os encargos aptos a descaracterizar a mora seriam "notadamente" juros remuneratórios e capitalização, encargos essenciais dos contratos de mútuo bancário. Deveras, a abusividade em algum encargo acessório do contrato não contamina a parte principal da contratação, que deve ser conservada, procedendo-se à redução do negócio jurídico, conforme preconiza o Código de Defesa do Consumidor. Na esteira desse entendimento, consolida-se a tese de que a abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora.
Cinge-se a controvérsia a analisar as consequências do vício formal da inicial da rescisória consistente em pedir a rescisão da sentença em vez do acórdão que a substituiu, na vigência do CPC/1973. No caso dos autos, o Tribunal de origem não conheceu da rescisória por entender juridicamente impossível o pedido de rescisão de sentença que fora mantida em segundo grau de jurisdição, pois, por força do efeito substitutivo, a ação rescisória deveria ter sido dirigida contra o acórdão que a manteve. Esse entendimento está em sintonia com julgados desta Corte Superior proferidos na vigência do CPC/1973. Contudo, dificilmente se sustentaria na vigência do CPC/2015, tendo em vista o princípio da primazia da resolução do mérito, bem como a norma do art. 968, §§ 5º e 6º, que estatui uma hipótese específica de emenda à petição inicial da ação rescisória, destinada justamente ao saneamento do vício relacionado à inobservância do efeito substitutivo dos recursos.
Inicialmente, é importante destacar as conflitantes posições doutrinárias e, aparentemente indissolúveis, divergências jurisprudenciais sobre as quais se pretende pacificar o entendimento desta Corte. São elas: a) o rol do art. 1.015 do CPC é absolutamente taxativo e deve ser interpretado restritivamente; b) o rol do art. 1.015 do CPC é taxativo, mas admite interpretações extensivas ou analógicas; e c) o rol do art. 1.015 é exemplificativo, admitindo-se o recurso fora das hipóteses de cabimento previstas no dispositivo. Nesse sentido, registre-se que o legislador, ao restringir a recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento do procedimento comum e dos procedimentos especiais, exceção feita ao inventário, pretendeu salvaguardar apenas as "situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação". Contudo, a enunciação, em rol pretensamente exaustivo, das hipóteses em que o agravo de instrumento seria cabível revela-se, na esteira da majoritária doutrina e jurisprudência, insuficiente e em desconformidade com as normas fundamentais do processo civil, na medida em que sobrevivem questões urgentes fora da lista do art. 1.015 do CPC e que tornam inviável a interpretação de que o referido rol seria absolutamente taxativo e que deveria ser lido de modo restritivo. Da mesma forma, a tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria taxativo, mas admitiria interpretações extensivas ou analógicas, mostra-se ineficaz para conferir ao referido dispositivo uma interpretação em sintonia com as normas fundamentais do processo civil, seja porque ainda remanescerão hipóteses em que não será possível extrair o cabimento do agravo das situações enunciadas no rol, seja porque o uso da interpretação extensiva ou da analogia pode desnaturar a essência de institutos jurídicos ontologicamente distintos. Por sua vez, a tese de que o rol seria meramente exemplificativo, resultaria na repristinação do regime recursal das interlocutórias que vigorava no CPC/1973 e que fora conscientemente modificado pelo legislador do novo CPC, de modo que estaria o Poder Judiciário, nessa hipótese, substituindo a atividade e a vontade expressamente externada pelo Poder Legislativo. Assim, a tese que se propõe consiste em, a partir de um requisito objetivo – a urgência que decorre da inutilidade futura do julgamento do recurso diferido da apelação –, possibilitar a recorribilidade imediata de decisões interlocutórias fora da lista do art. 1.015 do CPC, sempre em caráter excepcional e desde que preenchido o requisito urgência. Trata-se de reconhecer que o rol do art. 1.015 do CPC possui uma singular espécie de taxatividade mitigada por uma cláusula adicional de cabimento, sem a qual haveria desrespeito às normas fundamentais do próprio CPC e grave prejuízo às partes ou ao próprio processo.
Inicialmente cumpre salientar que uma das grandes novidades trazidas pelo novo diploma processual civil é a possibilidade de estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, disciplinada no referido art. 303. Nos termos do art. 304 do CPC/2015, não havendo recurso do deferimento da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, a referida decisão será estabilizada e o processo será extinto, sem resolução do mérito. O referido instituto, que foi inspirado no référé do Direito francês, serve para abarcar aquelas situações em que as partes se contentam com a simples tutela antecipada, não havendo necessidade, portanto, de se prosseguir com o processo até uma decisão final (sentença). Em outras palavras, o autor fica satisfeito com a simples antecipação dos efeitos da tutela satisfativa e o réu não possui interesse em prosseguir no processo e discutir o direito alegado na inicial. A ideia central do instituto, portanto, é que, após a concessão da tutela antecipada em caráter antecedente, nem o autor e nem o réu tenham interesse no prosseguimento do feito, isto é, não queiram uma decisão com cognição exauriente do Poder Judiciário, apta a produzir coisa julgada material. Por essa razão é que, conquanto o caput do art. 304 do CPC/2015 determine que "a tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso", a leitura que deve ser feita do dispositivo legal, tomando como base uma interpretação sistemática e teleológica do instituto, é que a estabilização somente ocorrerá se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária. Sem embargo de posições em sentido contrário, o referido dispositivo legal disse menos do que pretendia dizer, razão pela qual a interpretação extensiva mostra-se mais adequada ao instituto, notadamente em virtude da finalidade buscada com a estabilização da tutela antecipada. Nessa perspectiva, caso a parte não interponha o recurso de agravo de instrumento contra a decisão que defere a tutela antecipada requerida em caráter antecedente, mas, por exemplo, se antecipa e apresenta contestação refutando os argumentos trazidos na inicial e pleiteando a improcedência do pedido, evidentemente não ocorrerá a estabilização da tutela. Ora, não se revela razoável entender que, mesmo o réu tendo oferecido contestação ou algum outro tipo de manifestação pleiteando o prosseguimento do feito, a despeito de não ter recorrido da decisão concessiva da tutela, a estabilização ocorreria de qualquer forma. Com efeito, admitir essa situação estimularia a interposição de agravos de instrumento, sobrecarregando desnecessariamente os Tribunais, quando bastaria uma simples manifestação do réu afirmando possuir interesse no prosseguimento do feito, resistindo, assim, à pretensão do autor, a despeito de se conformar com a decisão que deferiu os efeitos da tutela antecipada.
Extrai-se do acórdão embargado, da Sexta Turma, que a irretroatividade da Súmula Vinculante n. 24/STF foi fixada como garantia de mínima previsibilidade e segurança jurídica. Assim, estipulou-se, no caso concreto, como termo inicial para o cômputo do lapso prescricional, a data do fato e não do lançamento definitivo do tributo. Por sua vez, em sentido contrário, no paradigma colacionado da Quinta Turma definiu-se que o enunciado da referida súmula aplica-se aos delitos praticados antes e depois de sua vigência, tendo em vista que não se está diante de norma mais gravosa, mas de consolidação de interpretação judicial. Assim, o delito imputado ao embargado (art. 1º da Lei n. 8.137/1990) somente se consuma, segundo a pacífica jurisprudência, com o lançamento definitivo do crédito tributário, momento em que nasce a justa causa para a ação penal. Desse modo, é inevitável concluir que o curso do prazo da prescrição da pretensão punitiva somente pode ter início com a própria constituição definitiva do crédito, após o encerramento do processo administrativo de lançamento previsto no art. 142 do Código Tributário Nacional, conforme inclusive prevê o art. 111, I, do Código Penal. Convém rememorar por fim, que a Súmula Vinculante n. 24/STF, aprovada na sessão plenária de 02/12/2009 (DJ de 11/12/2009), não trouxe novos contornos para a questão, uma vez que referido enunciado nada mais fez do que consolidar o entendimento jurisprudencial que já era aplicado tanto no âmbito do STF como do col. STJ, razão pela qual não se pode falar em indevida aplicação retroativa do referido texto sumular.