Este julgado integra o
Informativo STF nº 642
O Plenário, por maioria, deferiu, parcialmente, pedido de medida liminar formulado, em argüição de descumprimento de preceito fundamental, pela Associação Nacional do Transporte de Cargas, para determinar a suspensão da eficácia das interdições ao transporte praticado pelas empresas associadas à argüente, quando fundamentadas em descumprimento da norma contida no art. 1º da Lei 12.684/2007, do Estado de São Paulo (“Art. 1º Fica proi¬bido, a partir de 1º de janeiro de 2008, o uso, no Estado de São Paulo, de produtos, materiais ou artefatos que con¬tenham quaisquer tipos de amianto ou asbesto”), reconhecendo-lhes o direito de efetuar o transporte interestadual e internacional de cargas, inclusive as de amianto da variedade crisotila, observadas as disposições legais e regulamentares editadas pela União. A autora requeria a concessão de medida cautelar para suspender os processos em andamento no Tribunal Superior do Trabalho e nas demais instâncias ordinárias da Justiça do Trabalho daquele ente federativo, assim como a eficácia das interdições ao transporte de amianto efetuado pelas empresas que lhe são associadas nas rodovias estaduais. Prevaleceu o voto do Min. Marco Aurélio, relator. Preliminarmente, assentou a legitimidade da argüente para dar início ao processo, revelada a condição de associação nacional representativa de certa categoria. Sob o ângulo do cabimento da ação, verificou que a Corte tem entendido que a subsidiariedade da argüição há de ser compreendida de modo a não inviabilizar o acesso à jurisdição constitucional, principalmente quando em jogo valores maiores e a possibilidade de proliferação de demandas. Assim, embora possível impugnar, judicialmente, os atos administrativos formalizados e as decisões judiciais, mediante os respectivos recursos, haveria o interesse público de ser dirimida a controvérsia em caráter definitivo. Reputou que os preceitos evocados comporiam conteúdo essencial do texto constitucional vigente, protegido do poder constituinte derivado reformador. No mérito, destacou a perplexidade decorrente da convivência, no ordenamento jurídico, da proibição local para a comercialização de amianto com a permissão, abrangente (Lei 9.055/95), para o exercício da atividade. Observou caber à União legislar, privativamente, sobre transporte — inclusive de cargas perigosas — e sobre comércio interestadual e internacional. Assinalou, ademais, inexistir lei complementar que delegue aos Estados-membros a disciplina do tema. Afirmou que, se cada Estado-membro impusesse restrições ao comércio, ora vedando o acesso aos próprios mercados, ora impedindo a exportação por meio das regiões de fronteiras internacionais, seria o fim da Federação. Salientou, nesse sentido, que incumbiria à União explorar os portos organizados, bem como regular o transporte rodoviário de cargas. A respeito, rememorou o art. 10 da Lei 9.055/95 (“O transporte do asbesto/amianto e das fibras naturais e artificiais referidas no art. 2º desta Lei é considerado de alto risco e, no caso de acidente, a área deverá ser isolada, com todo o material sendo reembalado dentro de normas de segurança, sob a responsabilidade da empresa transportadora”). Sublinhou, ainda, que o transporte desse material está disciplinado no Decreto 96.044/88 e na Resolução 420/2004, da Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT. Frisou que, a corroborar essa orientação, a Corte tem declarado a inconstitucionalidade de normas estaduais que interferem na liberdade de comércio interestadual e internacional. Reputou que, sob o enfoque da liberdade de locomoção, não se poderia restringir o acesso dos particulares ao serviço público, que deve ser regular e eficiente, por expresso mandamento constitucional. Dessa forma, o ente federativo que não é titular da prestação — no caso, o Estado-membro — não poderia obstaculizá-la. Concluiu que a liberdade de locomoção, na espécie, seria qualificada, ou seja, instrumento para a comercialização de certo produto, inserido nas atividades licitamente exercidas por determinada pessoa jurídica (liberdade de iniciativa), e realizada por meio de serviços públicos (portos e rodovias federais). O relator consignou, por fim, que a lei adversada proibiria o “uso” e não o “transporte” da referida mercadoria. Explicou que quem usa o faria em termos finais, seria titular de uma das faculdades inerentes ao domínio. Aquele que transporta, por sua vez, prestaria um serviço, mas não deteria, necessariamente, a titularidade da coisa para si. Desse modo, se proibido o uso do amianto no Estado de São Paulo, não o seria o transporte quando o material estivesse destinado a outros Estados da Federação ou ao exterior, no que não configuraria “uso” na acepção técnica da palavra. No ponto, o Min. Ricardo Lewandowski salientou que o Estado de São Paulo, argüido, não teria competência para proibir o transporte destinado à exportação e ao comércio interestadual, mas poderia proibir o transporte de amianto destinado para uso exclusivamente dentro do Estado-membro. Vencidos os Ministros Ayres Britto, Celso de Mello e Cezar Peluso, Presidente, que indeferiam a cautelar. O primeiro afirmava que seria lógico a lei estadual vedar o transporte do amianto, se proíbe a produção e a comercialização do produto. Nesse aspecto, o Presidente sublinhava que a lei trataria de proibir a circulação do produto. O meio utilizado para esse ato — uso, transporte, entre outros — seria secundário, portanto. O Min. Ayres Britto lembrava, ademais, que a lei federal que cuida do transporte do citado produto faria remissão à Convenção da OIT, de que o Brasil é signatário (“Art. 3º ... 1 - A legislação nacional deve prescrever as medidas a serem tomadas para prevenir e controlar os riscos, para a saúde, oriundos da exposição profissional ao amianto, bem como para proteger os trabalhadores contra tais riscos; 2 - A legislação nacional, adotada em virtude da aplicação do parágrafo 1º do presente Artigo, deverá ser submetida a revisão periódica, à luz do desenvolvimento técnico e do aumento do conhecimento científico”). Assim, a convenção categorizaria a legislação sobre o assunto como norma de eficácia progressivamente atenuada, a ponto de, eventualmente, proibir a permanência do material no mercado. Salientava que a lei federal conteria paradoxo, uma vez que permite o transporte e comércio de uma das variedades de amianto em território nacional e veda a comercialização de outras variantes do material, em virtude de reconhecida nocividade. Ponderava que a lei questionada estaria muito mais próxima, portanto, das convenções internacionais e da Constituição do que a própria lei federal. Dessarte, o tema do transporte perderia densidade significativa se confrontada com a proteção à saúde e ao meio ambiente, princípios regentes de toda a ordem econômica. O Min. Celso de Mello, por sua vez, ressurtia que, muito embora o espaço para legislar sobre o transporte de cargas perigosas tivesse sido ocupado pela União, a lei federal seria, incidenter tantum, inconstitucional, logo, inexistente. Haveria, então, espaço para a legítima atuação normativa do Estado-membro.
Art. 10 da Lei 9.055/95.
Número do Processo
234
Tribunal
STF
Data de Julgamento
28/09/2011
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Inicialmente, cumpre destacar que a Lei n. 13.491/2017 não tratou apenas de ampliar a competência da Justiça Militar, também ampliou o conceito de crime militar, circunstância que, isoladamente, autoriza a conclusão no sentido da existência de um caráter de direito material na norma. Esse aspecto, embora evidente, não afasta a sua aplicabilidade imediata aos fatos perpetrados antes de seu advento, já que a simples modificação da classificação de um crime como comum para um delito de natureza militar não traduz, por si só, uma situação mais gravosa ao réu, de modo a atrair a incidência do princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa (arts. 5º, XL, da Constituição Federal e 2º, I, do Código Penal). Por outro lado, a modificação da competência, em alguns casos, pode ensejar consequências que repercutem diretamente no jus libertatis , inclusive de forma mais gravosa ao réu. É inegável que a norma possuiu conteúdo híbrido (lei processual material) e que, em alguns casos, a sua aplicação retroativa pode ensejar efeitos mais gravosos ao réu. Tal conclusão, no entanto, não impossibilita a incidência imediata, sendo absolutamente possível e desejável conciliar sua aplicação com o princípio da irretroatividade de lei penal mais gravosa. A jurisprudência desta Corte não admite a cisão da norma de conteúdo híbrido (AgRg no REsp n. 1.585.104/PE, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 23/4/2018). Ocorre que a aplicação imediata, com observância da norma penal mais benéfica ao tempo do crime, não implicaria uma cisão da norma, pois, o caráter material, cujo retroatividade seria passível de gerar prejuízo ao réu, não está na norma em si, mas nas consequências que dela advém. Logo, é absolutamente possível e adequado a incidência imediata da norma aos fatos perpetrados antes do seu advento, em observância ao princípio tempus regit actum (tal como decidido no julgamento do CC n. 160.902/RJ), desde que observada, oportunamente, a legislação penal (seja ela militar ou comum) mais benéfica ao tempo do crime. Ademais, importante ressaltar que tal ressalva é inafastável da declaração de competência. Primeiro, porque a solução do julgado dela depende. Segundo, porque a simples declaração de competência em favor da Justiça Militar, sem a ressalva acima estabelecida, poderia dar azo a ilegalidade futura, decorrente de eventual inobservância da norma penal mais benéfica.
Inicialmente cumpre salientar que a partir do julgamento da ADPF n. 130/DF, pelo Supremo Tribunal Federal, a Lei n. 5.250/1967 (Lei de Imprensa) foi considerada, em sua integralidade, não recepcionada pela Constituição da República de 1988. Contudo, os direitos ao esclarecimento da verdade, à retificação da informação inverídica ou à retratação não foram banidos do ordenamento jurídico brasileiro, pois eles ainda encontram amparo na legislação civil vigente. O art. 927 do Código Civil impõe àquele que, cometendo ato ilícito, causar dano a outrem, a obrigação de repará-lo, ao passo que o art. 944 do mesmo diploma legal determina que a indenização seja medida pela extensão do dano. Isso significa que a principal função da indenização é promover a reparação da vítima, anulando, ao máximo, os efeitos do dano. Nessa linha, o Poder Judiciário deve reformular sua visão e dar um passo à frente, abrandando a natureza essencialmente patrimonialista da responsabilidade civil e buscando a reparação do dano, em toda a sua extensão. Assim, imperativo o reconhecimento da subsistência do direito de retratação fundamentado na legislação civil (arts. 927 e 944 do CC), mesmo após o julgamento da ADPF n. 130/DF, preservando-se a finalidade e a efetividade da responsabilidade civil, notadamente nos casos em que o magistrado, sopesando a necessidade de impor a condenação de publicação da decisão condenatória, vislumbre que a medida é proporcional e razoável no caso concreto. Portanto, na hipótese, a publicação da petição inicial e do acórdão condenatório nas próximas edições do livro não impõe, de um lado, uma obrigação excessiva, onerosa, desarrazoada ou desproporcional aos réus, pois tal publicação deverá se dar nas edições que vierem a ser editadas. Não se trata, ainda, de censura ou controle prévio dos meios de comunicação social e da liberdade de expressão, pois não se está impondo nenhuma proibição de comercialização da obra literária, nem mesmo se determinando que as edições até então produzidas sejam recolhidas ou destruídas, o que seria de todo contrário ao ordenamento jurídico, mas satisfaz aos anseios da vítima, que terá a certeza de que os leitores da obra literária terão consciência de que os trechos que a ele se referem foram considerados ofensivos à sua honra.
A razão de ser do § 3º do art. 941 do CPC/2015 está ligada, sobretudo, à exigência de fundamentação, inerente a todas as decisões judiciais, nos termos do art. 93, IX, da Constituição Federal e, em consequência, à observância do direito fundamental ao devido processo legal, na medida em que, na perspectiva endoprocessual, a norma garante às partes o conhecimento integral do debate prévio ao julgamento, permitindo o exercício pleno da ampla defesa, e, na perspectiva extraprocessual, confere à sociedade o poder de controlar a atividade jurisdicional, assegurando a independência e a imparcialidade do órgão julgador. Noutra toada, a publicação do(s) voto(s) vencido(s) municia a comunidade jurídica de fundamentos outros que, embora não constituam a razão de decidir ( ratio decidendi ) do colegiado, têm o condão de instigar e ampliar a discussão acerca das questões julgadas pelas Cortes brasileiras e pode, inclusive, sinalizar uma forte tendência do tribunal à mudança de posicionamento. Assim sendo, afirma a doutrina que "o acórdão, para o CPC/2015, compõe-se da totalidade dos votos, vencedores e vencidos". Nesse sentido, a inobservância da regra do § 3º do art. 941 do CPC/2015 constitui vício de atividade ou erro de procedimento ( error in procedendo ), porquanto não diz respeito ao teor do julgamento em si, mas à condução do procedimento de lavratura e publicação do acórdão, já que este representa a materialização do respectivo julgamento. Assim, há nulidade do acórdão, por não conter a totalidade dos votos declarados, mas não do julgamento, pois o resultado proclamado reflete, com exatidão, a conjunção dos votos proferidos pelos membros do colegiado. Cabe ao tribunal de origem providenciar a juntada do(s) voto(s) vencido(s) declarado(s), observando, para tanto, as normas de seu regimento interno, e, em seguida, promover a sua republicação, nos termos do § 3º do art. 941 do CPC/2015, abrindo-se, em consequência, novo prazo para eventual interposição de recurso pelas partes.
A oposição é instituto de intervenção de terceiros que tem natureza jurídica de ação judicial de conhecimento, de modo que o opoente deve preencher as condições da ação para o seu processamento, entre elas, o interesse processual, que se encontra presente quando o autor tem necessidade de propor a demanda para alcançar a tutela pretendida. Contudo, in casu , a tutela buscada por meio da oposição pode ser alcançada pela simples contestação à ação de usucapião, de modo que a intervenção pretendida é totalmente desnecessária. Dessa forma, inexiste a condição de terceiro da opoente em relação ao direito material discutido na ação de usucapião. Isso porque a existência de convocação por meio de edital, a fim de chamar aos autos toda universalidade de sujeitos indeterminados para que integrem o polo passivo da demanda se assim desejarem, elimina a figura do terceiro nesse procedimento tão peculiar.
Inicialmente, cumpre destacar que a correção monetária da prestação inadimplida a tempo e modo não se confunde com a atualização monetária do valor histórico da prestação de trato sucessivo, nem em sua essência nem em sua finalidade, e, por isso, devem ser apreciadas a partir de óticas jurídicas distintas. Nos termos do art. 1.710 do CC/2002, as obrigações alimentares estão sujeitas à atualização monetária por "índice oficial regularmente estabelecido". A partir da interpretação dessa regra, o Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de se manifestar quanto à exigência de previsão do índice a ser aplicado na sentença que fixa obrigação alimentícia. Contudo, esses julgamentos não se pronunciaram quanto às hipóteses em que a obrigação é fixada em acordo, situação ora enfrentada. Assim, o cerne da presente controvérsia repousa na necessidade de definir se é possível a ampliação dessa interpretação para alcançar os alimentos fixados por acordo, mormente quando esses alimentos são fixados em prol de ex-cônjuge. Nesse mister, importa ter em mente que, no que tange à incidência de correção monetária sobre obrigações contratuais, a Lei n. 10.192/2001 foi expressa em romper com a atualização automática de obrigações oriundas de contratos de prestação continuada, restringindo até mesmo a possibilidade de expressa contratação, que somente se admite em contratos com duração superior a 1 (um) ano. Nota-se, portanto, que o ambiente regulatório dos contratos é notoriamente distinto daquele estabelecido para as obrigações judicialmente fixadas. Também não se pode perder de vista que a Lei n. 6.899/1981 ainda se encontra em vigência, determinando a correção monetária sobre todos os débitos decorrentes de decisão judicial, conforme prevê expressamente seu art. 1º. Portanto, reconhecendo-se a natureza consensual do acordo que estabelece a obrigação alimentar entre ex-cônjuges, a incidência de correção monetária para atualização da obrigação ao longo do tempo deve estar expressamente prevista no contrato. Isso porque a imposição de aplicação de índice regularmente estabelecido abarca todas as obrigações alimentícias, não se fazendo distinção segundo se trate de obrigação fixada em sentença ou em contrato. Contudo, na hipótese de omissão quanto a essa exigência de prévia e expressa deliberação, a solução não poderá ser idêntica para os casos de obrigações contratuais e judiciais, uma vez que a regra específica para cada uma delas, extraída da legislação nacional, é diametralmente oposta. Assim é que, uma vez silente o contrato quanto à incidência de correção monetária para a apuração do quantum devido, o valor da obrigação se mantém pelo valor histórico. Por outro lado, silente a decisão judicial quanto ao índice aplicável, deverá a prestação ser corrigida, mantendo-se atualizado o valor historicamente fixado. Por fim, é ainda relevante esclarecer que o caso ora em questão não se confunde com o debate acerca da necessidade de pedido expresso de correção monetária dos valores sub judice . Nessas hipóteses, a jurisprudência desta Corte Superior é pacífica em admitir a correção monetária como pedido implícito, mesmo porque decorre de expressa determinação legal a imposição de atualização dos débitos decorrentes de sentenças.