Este julgado integra o
Informativo STF nº 658
A inclusão de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS em sua própria base de cálculo é constitucional.
Ante a peculiaridade do caso, o Plenário, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação cível originária, proposta pela União, em 1959, na qual se pretendia a declaração de nulidade de contratos em que o antigo Estado do Mato Grosso outorgara a diversas empresas colonizadoras a concessão de terras públicas com área superior ao limite previsto na Constituição de 1946 (“Art 156 ... § 2º - Sem prévia autorização do Senado Federal, não se fará qualquer alienação ou concessão de terras públicas com área superior a dez mil hectares”). Prevaleceu o voto do Min. Cezar Peluso, relator, que, ao sopesar os valores envolvidos no feito, declarou a subsistência e a validade dos contratos em comento perante a norma constitucional invocada. Consignou que não se estaria a manifestar essa validez perante outros vícios, como o eventual alcance de terras indígenas, latifúndios improdutivos. Nesse particular, expressou que, para ambas as hipóteses, a União possuiria instrumentos adequados sequer aventados neste processo. Ao apontar a existência de pelo menos três ações cíveis, nesta Corte, que diriam com o tema, sublinhou que o presente desfecho em nada interferiria na apreciação daquelas. Fixou, ainda, que cada parte arcasse com os honorários dos respectivos patronos. Inicialmente, discorreu que a regra da limitação de áreas, para efeito de alienação e concessão de terras públicas, vigoraria desde a Constituição de 1934 (“Art 130 - Nenhuma concessão de terras de superfície, superior a dez mil hectares poderá ser feita sem que, para cada caso, preceda autorização do Senado Federal”). A de 1937, no art. 155, conservara esse limite, bem assim a de 1946, no § 2º do art. 156. A limitação em si fora mantida nos estatutos ulteriores, porém a área de terra que poderia ser alienada ou concedida, sem prévia autorização do Senado, fora reduzida para até três mil hectares na Constituição de 1967 (art. 164, parágrafo único) e, na CF/88, para dois mil e quinhentos (art. 49, XVII), quando o controle político passara do Senado para o Congresso Nacional. Em seguida, assentou que as provas documentais bastariam para firmar a convicção de que se teria vulnerado o disposto no art. 156, § 2º. Extraiu dos autos que, sem autorização do Senado: a) terras com áreas superiores ao limite imposto pela Constituição foram concedidas a alguns particulares; e b) contratos de colonização de áreas de duzentos mil hectares foram celebrados com o ente federativo e por intermédio destes cada empresa ficava “autorizada pelo Estado a promover a colonização, mediante povoamento das terras e venda de lotes a colonos”, e, ao menos em um deles, até ceder “os lotes aos seus colonos”. Em contrapartida, as colonizadoras deveriam prover infraestrutura básica nas terras. Também havia a previsão de o Estado do Mato Grosso receber certa parcela do preço, segundo tabela da data da celebração do contrato de venda ou de promessa de compra e venda para colonos, a título de compensação pela concessão dominial de suas terras devolutas. Advertiu que essas obrigações assumidas pelas empresas não se confundiriam com a contraprestação específica e própria do negócio jurídico de compra e venda. Evidenciou que, sob a denominação de contratos de colonização, o Estado-membro avençara com as empresas contratos administrativos de concessão de domínio, os quais reclamariam observância do preceito constitucional. Salientou que, diversamente de outras espécies da mesma classe das chamadas concessões administrativas — a exemplo das concessões de uso e de direito real de uso — a de domínio seria forma de alienação de terras públicas com origem nas concessões de sesmarias da Coroa, hoje somente utilizada nas concessões de terras devolutas da União, dos Estados e dos Municípios (CF/88, art. 188, § 1º). Mencionou que, da leitura das cláusulas contratuais, patentearam-se duas coisas: a) as terras objeto das concessões caracterizar-se-iam como devolutas, porque todos os contratos de colonização teriam sido precedidos de decretos estaduais de reserva de terras devolutas, os quais lhes serviriam de fundamento; e b) as companhias obrigar-se-iam, como contraprestação, a realizar, nas áreas concedidas, diversos serviços de utilidade pública que à unidade federativa, sozinha, não seria possível empreender. Enfatizou que a Constituição compreenderia as terras devolutas nas terras públicas aludidas. Observou que, embora louvável a iniciativa de povoar suas terras, o erro teria sido conceder a particulares, sem prévio consentimento do Senado, o domínio de áreas superiores a dez mil hectares. Certificou que não constaria dos autos alegação nem prova de autorização do Senado para as concessões, donde configurada manifesta e incontroversa violação ao mandamento contido na norma especificada. Ato contínuo, ressaltou serem extremamente consideráveis os seguintes aspectos fáticos: a) os contratos em questão foram pactuados há 59 anos; b) a cadeia dominial a partir daí perder-se-ia no tempo, abrangendo extensa área que equivaleria, aproximadamente, a 40.000 km² (corresponderia ao dobro da área do Estado de Sergipe); c) as concessões de domínio foram realizadas por ente federativo, o que, presumir-se-ia, haver despertado nos adquirentes fundada convicção da legalidade dos negócios. Aduziu que, assim como no direito estrangeiro, o ordenamento brasileiro reverenciaria os princípios ou subprincípios conexos da segurança jurídica e da proteção da confiança, sob a compreensão de que nem sempre se assentariam, exclusivamente, na legalidade. Isto significaria que situações de fato, ao perdurar significativamente no tempo — sobretudo se oriundas de atos administrativos, que guardariam presunção e aparência de legitimidade —, deveriam ser estimadas com cautela quanto à regularidade jurídica, até porque, enquanto a segurança seria fundamento quase axiomático, perceptível do ângulo geral e abstrato, a confiança, que diz com a subjetividade, apenas seria passível de avaliação perante a concretude das circunstâncias. Certificou que a fonte do princípio da proteção da confiança estaria na boa-fé do particular, como norma de conduta e, em consequência, na ratio da coibição do venire contra factum proprium, o que acarretaria a vinculação jurídica da Administração Pública às suas próprias práticas e ações. O Estado de Direito seria sobremodo Estado de confiança. Explicou que a boa-fé e a confiança dariam novo alcance e significado ao princípio tradicional da segurança jurídica — em contexto que, faz muito, abrangeria, em especial, as posturas e os atos administrativos, como advertiria a doutrina — destacando a importância decisiva da ponderação dos valores da legalidade e da segurança, como critério epistemológico e hermenêutico destinado a realizar, historicamente, a ideia suprema da justiça. Versou sobre o princípio da segurança jurídica e, inclusive, reportou-se a normas textuais de leis que disporiam vários aspectos de convalidação de atos praticados pela Administração Pública. Ao tecer comentários sobre a convalidação de atos administrativos, acenou que esta, consoante a doutrina, não conflitaria com o princípio da legalidade. Ressurtiu que, na hipótese de a decretação de nulidade ser feita tardiamente — quando da inércia da administração teriam sido constituídas situações de fato revestidas de forte aparência de legalidade, a ponto de fazer gerar a convicção de sua legitimidade — seria deveras absurdo que, a pretexto da eminência do Estado, se concedesse às autoridades um poder-dever indefinido de autotutela. Além disso, citou precedentes em que o STF reafirmaria a supremacia jurídico-constitucional dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima sobre a legalidade estrita, diante de prolongadas situações factuais geradas pelo comportamento da Administração Pública. Noticiou que alguns juristas distinguiriam, na matéria, entre convalidação e estabilização de atos administrativos, por entenderem que só poderiam ser convalidados os atos que admitissem repetição sem vício. Dessa feita, os atos inválidos, insuscetíveis de aperfeiçoamento no presente, seriam, para efeito de regularização, tão-só estabilizados ou consolidados. Elucidou que, a despeito de uma ou outra nomenclatura, esta Corte viria decidindo que, por vezes, o princípio da possibilidade ou da necessidade de anulamento seria substituído pelo da impossibilidade, em homenagem à segurança jurídica, à boa-fé e à confiança legítima. Avaliou ser esta a resposta jurídica que conviria à espécie. Expressou não ver como nem onde pronunciar — meio século depois, a nulidade das concessões de domínio feitas pela indicada unidade da Federação a pessoas jurídicas, empresas de colonização, e físicas, colonos — sem grave ofensa aos princípios constitucionais e transtornos a relações de vida extremamente importantes. Expôs que cidades formaram-se nessas áreas concedidas, com milhares de famílias; comércio e lavoura expandiram-se significativamente; acessões e benfeitorias públicas e privadas foram erguidas; o Estado dera origem a outro, em 1979, seccionando sua área; múltiplas transmissões de domínio sucederam-se, sob convicção de regularidade. Além disso, estimou ser inegável que as concessões teriam cumprido seus propósitos político-sociais, sem que se pudesse pensar em desvio de finalidade, porquanto a colonização fora implantada no âmbito do programa governamental de Vargas, a denominada “Marcha para o Oeste”. O Brasil central era, ao tempo, composto de grandes vazios por ocupar e desbravar, e União e Estados-membros não detinham condições materiais de, sozinhos, realizar essa tarefa. Inferiu que os colonos, destinatários últimos dos lotes, confiaram no Poder Público, duplamente: no Governo Federal, que empreendia a política de ocupação territorial sob o modelo das concessões de domínio, intermediadas e, em boa parte, financiadas por empresas colonizadoras; e no então Estado do Mato Grosso, que era o concedente. Acentuou que, nas décadas de 60 e 70, ações governamentais, sob igual ânimo e propósito, foram aviadas no centro-oeste e no norte do Brasil. Por fim, nada fazia supor, objetivamente, que os títulos de propriedade concedidos não valessem. Atentou que efeitos indesejáveis de colonizações ocorreriam não apenas naquele ente político. Com o registro de que esta decisão não refletiria em ação sob sua relatoria, a Min. Rosa Weber acompanhou o Presidente. O Min. Luiz Fux lembrou que haveria norma in procedendo do art. 462 do CPC a determinar que o juiz, ao decidir, levasse em conta o estado de fato da lide. Destacou ser a situação absolutamente irreversível e frisou ser esta uma ação de cognição submetida ao STF. Explicitou que o exame do relator, em prol da estabilidade social, influiria, também, na dignidade humana daqueles povoados que já estariam ali há mais de sessenta anos. Pela circunstância excepcionalíssima da causa, o Min. Dias Toffoli seguiu o relator, considerando ser o objeto da proposição inicial única e exclusivamente o descumprimento do § 2º do art. 156 da CF/46. Adotou, ainda, as razões apresentadas pela União, que aduzia: a) não haver discussão a respeito de seu domínio sobre parcela das terras objeto dos contratos combatidos; b) não constituir fundamento desta ação grave esbulho ocorrido em terra indígena; c) diferir o pedido veiculado nestes autos daqueles das demais ações cíveis; d) inexistir relação de prejudicialidade entre os feitos; e) não resultar — eventual julgamento de improcedência, baseado exclusivamente na regularidade dos contratos como causa de pedir — na certificação de titularidade da unidade federativa sobre a vasta área do Xingu; f) não afetar o desfecho da demanda o julgamento de ações em curso nesta Corte, bem como qualquer outra concernente a terras indígenas, ou área ambiental, no Estado do Mato Grosso. Agregou a isso manifestação de não servir a situação de paradigma ou de precedente para nenhum evento, atestando que as concessões realizar-se-iam em afronta ao preceito indicado. Discorreu a respeito do princípio da segurança jurídica, do longo decurso e das razões de equidade, estas em virtude de resultado havido em outra ação cível originária em que a União e o Estado do Mato Grosso discutiam a titularidade de terras. Aventou possibilidade de se suspender a tramitação dos autos para que o Congresso Nacional viesse a placitar a não autorização ocorrida e a ratificar os atos praticados. A Min. Cármen Lúcia, ao salientar a restrição das áreas indígenas e da consequência para o julgamento da ação relatada pela Min. Rosa Weber, subscreveu às inteiras o voto condutor. Vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski, Ayres Britto e Marco Aurélio, que acolhiam o pedido. O primeiro reputava haver vício de origem absolutamente insanável. Considerava a extensão da área e a ausência de dados fáticos, para melhor avaliar a espécie. Ponderava que a União e os Estados do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul saberiam definir os casos concretos. O segundo aduzia que a causa estaria envolta em ambiência de nebulosidade quanto: a) aos reais beneficiários das terras públicas, se verdadeiros colonos, se empresas, se ONGs; e b) à natureza jurídica dos atos formalmente celebrados. O último abordava a possibilidade de se repetir hodiernamente a situação jurídica, visto que essa regra da Constituição de 1946 teria sido reproduzida em textos constitucionais subsequentes. Inferia que decidir pela improcedência do pleito, ante a passagem do tempo, seria dar ao fato consumado envergadura a sobrepor-se, inclusive, à Constituição. Salientava que a ilegalidade originara, à época, a instauração de comissão parlamentar de inquérito. Consignava que fato consumado, para merecer agasalho, haveria de estar em harmonia com a Lei Maior. Rememorava que, em vista da importância da matéria, na Carta de 1988 ter-se-ia passado a exigir a autorização do Congresso Nacional e diminuído o número de hectares. Observava tratar-se de concessão inicial que seria serviço público. Discernia que o ente político transferira domínio de áreas de forma muito extravagante, haja vista que abarcarcaria terras indígenas. Vislumbrava que negar a procedência do vício estimularia o desrespeito à ordem jurídica constitucional. Sublinhou que desdobramentos no campo social ficariam na esfera de uma política a ser implementada pelo Estado.
CF, arts. 49, XVII; 188, § 1º. CF/1967, art. 164, parágrafo único. CF/1946, art. 156, § 2º. CF/1937, art. 155. CF/1934, art 130. CPC, art. 462.
Número do Processo
79
Tribunal
STF
Data de Julgamento
15/03/2012
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O artigo 3º, inciso II, da Lei n. 8.009/1990, dispõe que a impenhorabilidade do bem de família é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato. Para os efeitos estabelecidos no citado dispositivo legal, o financiamento referido pelo legislador abarca operações de crédito destinadas à aquisição ou construção do imóvel residencial, podendo essas serem stricto sensu - decorrente de uma operação na qual a financiadora, mediante mútuo/empréstimo, fornece recursos para outra a fim de que essa possa executar benfeitorias ou aquisições específicas, segundo o previamente acordado - como aquelas em sentido amplo, nas quais se inclui o contrato de compra e venda em prestações, o consórcio ou a empreitada com pagamento parcelado durante ou após a entrega da obra, pois todas essas modalidades viabilizam a aquisição/construção do bem pelo tomador que não pode ou não deseja pagar o preço à vista. Em todas essas situações, dá-se a constituição de uma operação de crédito, efetiva dívida para a aquisição/construção do imóvel na modalidade parcelada.
A instauração do IRDR é cabível quando um dos legitimados do art. 977 do CPC/2015 demonstrar, simultaneamente, a efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito e o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica (art. 976, I e II, do CPC/2015). Ademais, o art. 978, parágrafo único, do mesmo Código dispõe que o órgão colegiado incumbido de analisar o mérito do incidente e de fixar a tese jurídica julgará igualmente o recurso que o originou. Por essa razão, a doutrina afirma que o cabimento do IRDR condiciona-se à pendência de julgamento, no tribunal, de uma causa recursal ou originária. Se já encerrado o julgamento, não caberá mais a instauração do IRDR, senão em outra causa pendente; mas não naquela que já foi julgada. A propósito o Fórum Permanente de Processualistas Civis editou o Enunciado n. 344, que assim dispõe: "A instauração do incidente pressupõe a existência de processo pendente no respectivo tribunal". A pendência do julgamento dos embargos de declaração contra o acórdão do agravo de instrumento revela um momento processual em que já houve quase que o esgotamento da apreciação do mérito, tratando-se de momento inicial inadequado para a formação do precedente do jaez do IRDR. O diferimento da análise da seleção da causa e admissibilidade do IRDR para o momento dos embargos de declaração importaria prejuízo à paridade argumentativa processual, considerando que esse desequilíbrio inicial certamente arriscaria a isonômica distribuição do ônus argumentativo a ser desenvolvido, mesmo que os argumentos fossem pretensamente esgotados durante o curso do incidente.
Inicialmente cumpre salientar que é preciso repensar o processo à luz dos mais basilares cânones do próprio direito, não para frustrar o regular exercício dos direitos fundamentais pelo litigante sério e probo, mas para refrear aqueles que abusam dos direitos fundamentais por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo. Especificamente dos precedentes formados nos Estados Unidos da América, que se extrai fundamentação substancial para coibir o abusivo do exercício do direito de peticionar e de demandar, isto é, para a proibição do que se convencionou chamar de sham litigation. A despeito de a doutrina da sham litigation ter se formado e consolidado enfaticamente no âmbito do direito concorrencial, absolutamente nada impede que se extraia, da ratio decidendi daqueles precedentes que a formaram, um mesmo padrão decisório a ser aplicado na repressão aos abusos de direito material e processual, em que o exercício desenfreado, repetitivo e desprovido de fundamentação séria e idônea pode, ainda que em caráter excepcional, configurar abuso do direito de ação. No caso, é fato incontroverso que os recorridos efetivamente se utilizaram de área, ocupada com base em procuração falsa, para o desenvolvimento de cultura agrícola, em flagrante prejuízos aos proprietários, por longas décadas, valendo-se, para atingir esse objetivo, de sucessivas e reiteradas ações judiciais desprovidas de fundamentação idônea. A longa batalha enfrentada pelos herdeiros até a efetiva retomada das suas terras teve início há décadas e perdurou por longos anos, com todos os entraves possíveis e com o uso abusivo do direito de acesso à justiça.
O propósito recursal é definir se produtores de soja podem, sem que haja violação dos direitos de propriedade intelectual, reservar livremente o produto da soja transgênica Roundup Ready (soja RR) para replantio em seus campos de cultivo, vender a produção desse cultivo como alimento ou matéria-prima e, com relação apenas a pequenos produtores, doar a outros pequenos produtores rurais ou com eles trocar as sementes reservadas. A Lei n. 9.456/1997 (Lei de Proteção aos Cultivares - LPC) prevê situações em que, como forma de conferir equilíbrio à exclusividade outorgada pelo Certificado de Proteção de Cultivar, são impostas certas limitações à proteção dos direitos do melhorista. É o caso do chamado "privilégio do agricultor". Trata-se de exceção que confere aos agricultores o direito de livre acesso, em determinadas circunstâncias que não configurem exploração comercial à variedade vegetal protegida. Por outro lado, a Lei de Propriedade Industrial (LPI) - em consonância com as diretrizes traçadas no plano internacional e na esteira do dever imposto pela norma do art. 5º, XXIX, da Constituição Federal de 1988 - autoriza o patenteamento de micro-organismos transgênicos, a fim de garantir, ao autor do invento, privilégio temporário para sua utilização. Ressalta-se que patentes e proteção de cultivares são diferentes espécies de direitos de propriedade intelectual, que objetivam proteger bens intangíveis distintos. Não há incompatibilidade entre os estatutos legais que os disciplinam, tampouco prevalência de um sobre o outro, pois se trata de regimes jurídicos diversos e complementares, em cujos sistemas normativos inexistem proposições contraditórias a qualificar uma mesma conduta. A marcante distinção existente entre o regime da LPI e o da LPC compreende, dentre outros, o objeto protegido, o alcance da proteção, as exceções e limitações oponíveis aos titulares dos respectivos direitos, os requisitos necessários à outorga da tutela jurídica, o órgão responsável pela análise e emissão do título protetivo e o prazo de duração do privilégio. O art. 2º da LPC impede o que se convencionou chamar de dupla proteção. Isso quer dizer que uma mesma variedade vegetal não pode ser protegida simultaneamente por uma patente e por um direito sui generis , tal qual o direito de proteção de cultivares. Ocorre que o âmbito de proteção a que está submetida a tecnologia desenvolvida não se confunde com o objeto da proteção prevista na Lei de Cultivares: as patentes não protegem a variedade vegetal, mas o processo de inserção e o próprio gene por elas inoculado nas sementes de soja RR. A proteção da propriedade intelectual na forma de cultivares abrange o material de reprodução ou multiplicação vegetativa da planta inteira, enquanto o sistema de patentes protege, especificamente, o processo inventivo ou o material geneticamente modificado. Pelo princípio da exaustão, em regra, uma vez que o adquirente tenha obtido o produto colocado licitamente no mercado, com o consentimento do titular, esgota-se o direito de patente sobre aquele produto específico e, via de consequência, não mais poderão ser opostas, dali em diante, a quem quer que seja, as vedações do art. 42 da LPI na futura exploração comercial do bem. Todavia, a parte final do inc. VI do art. 43 da LPI expressamente prevê que não haverá exaustão na hipótese de o produto patenteado ser "utilizado para multiplicação ou propagação comercial da matéria viva em causa". O "privilégio do agricultor" previsto na LPC, portanto, não é oponível ao titular de patentes de produto e/ou processo na hipótese de ser utilizada a matéria viva a elas relacionada para fins de multiplicação ou propagação comercial, pois não se trata de limitação estabelecida aos direitos tutelados pelo regime jurídico sobre o qual está assentado o sistema de patentes adotado pelo Brasil.
Enquanto títulos de crédito, os cheques são regidos, dentre outros, pelo princípio da autonomia. Desse princípio, surge o conhecido princípio da inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé, consagrado pelo art. 25 da Lei do Cheque (Lei n. 7.357/1985). Entretanto, prescrito o cheque, não há mais que se falar em manutenção das suas características cambiárias, tais quais a autonomia, a independência e a abstração. Inclusive, em razão da prescrição do título de crédito, a pretensão fundar-se-á no próprio negócio subjacente, inviabilizando a propositura de ação de execução. Assim, perdendo o cheque prescrito os seus atributos cambiários, dessume-se que a ação monitória neste documento admitirá a discussão do próprio fato gerador da obrigação, sendo possível a oposição de exceções pessoais a portadores precedentes ou mesmo ao próprio emitente do título. Ressalte-se que tal entendimento vai ao encontro da jurisprudência firmada nesta Corte Superior no sentido de que, embora não seja exigida a prova da origem da dívida para a admissibilidade da ação monitória fundada em cheque prescrito (Súmula 531/STJ), nada impede que o emitente do título discuta, em embargos monitórios, a causa debendi. Isso significa que, embora não seja necessário debater a origem da dívida, em ação monitória fundada em cheque prescrito, o réu pode formular defesa baseada em eventuais vícios ou na inexistência do negócio jurídico subjacente, mediante a apresentação de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.