Aplicação da majorante de furto no repouso noturno do artigo 155 parágrafo primeiro
A controvérsia delimita-se em definir a) se, para a configuração da circunstância majorante do § 1º do art. 155 do Código Penal, basta que a conduta delitiva tenha sido praticada durante o repouso noturno e, também, b) se há relevância no fato das vítimas estarem ou não dormindo no momento do crime, ou a sua ocorrência em estabelecimento comercial ou em via pública. Nos termos do § 1º do art. 155 do Código Penal, se o crime de furto é praticado durante o repouso noturno, a pena será aumentada de um terço. No tocante ao horário de aplicação, este Superior Tribunal de Justiça já definiu que "este é variável, devendo obedecer aos costumes locais relativos à hora em que a população se recolhe e a em que desperta para a vida cotidiana". Sendo assim, não há um horário prefixado, devendo, portanto, atentar-se às características da vida cotidiana da localidade (REsp 1.659.208/RS, Rel. Ministra Maria Thereza De Assis Moura, DJ 31/3/2017). Em um análise objetivo-jurídica do art. 155, §1º, do CP, percebe-se que o legislador pretendeu sancionar de forma mais severa o furtador que se beneficia dessa condição de sossego/tranquilidade, presente no período da noite, para, em razão da diminuição ou precariedade de vigilância dos bens, ou, ainda, da menor capacidade de resistência da vítima, facilitar-lhe a concretização do intento criminoso. O crime de furto só implicará no aumento de um terço se o fato ocorrer, obrigatoriamente, à noite e em situação de repouso. Nas hipóteses concretas, será importante extrair dos autos as peculiares da localidade em que ocorreu o delito. Assim, haverá casos em que, mesmo nos furtos praticados no período da noite, mas em lugares amplamente vigiados, tais como em boates e comércios noturnos, ou, ainda, em situações de repouso, mas ocorridas nos períodos diurno ou vespertino, não se poderá valer-se dessa causa de aumento. Este Tribunal passou a destacar a irrelevância do local estar ou não habitado, ou o fato da vítima estar ou não dormindo no momento do crime para os fins aqui propostos, bastando que a atuação criminosa seja realizada no período da noite e sem a vigilância do bem. Seguiu-se à orientação de que para a incidência da causa de aumento não importava o local em que o furto fora cometido, em residências, habitadas ou não, lojas e veículos, bem como em vias públicas. Assim, se o crime de furto é praticado durante o repouso noturno, na hora em que a população se recolhe para descansar, valendo-se da diminuição ou precariedade de vigilância dos bens, ou, ainda, da menor capacidade de resistência da vítima, a pena será aumentada de um terço, não importando se as vítimas estão ou não dormindo no momento do crime, ou o local de sua ocorrência, em estabelecimento comercial, residência desabitada, via pública ou veículos.
Rescisão unilateral de plano coletivo e continuidade assistencial nos moldes do plano individual
A questão jurídica a ser dirimida cinge-se a definir a possibilidade ou não de cancelamento unilateral - por iniciativa da operadora - de contrato de plano de saúde (ou seguro saúde) coletivo enquanto pendente tratamento médico de usuário acometido de doença grave. Os incisos II e III do parágrafo único do artigo 13 da Lei n. 9.656/1998 são taxativos em proibir a suspensão de cobertura ou a rescisão unilateral imotivada - por iniciativa da operadora - do plano privado de assistência à saúde individual ou familiar. De acordo com a dicção legal, apenas quando constatada fraude ou inadimplência, tal avença poderá ser rescindida ou suspensa, mas, para tanto, revelar-se-á necessário que o usuário - titular ou dependente - não se encontre internado (ou submetido a tratamento médico garantidor de sua sobrevivência ou da manutenção de sua incolumidade física, na linha de precedentes desta Corte). Por sua vez, o seguro ou plano de saúde coletivo - com quantidade igual ou superior a 30 beneficiários - pode ser objeto de suspensão de cobertura ou de rescisão imotivadas (ou seja, independentemente da constatação de fraude ou do inadimplemento da contraprestação avençada), desde que observados os requisitos enumerados no artigo 17 da Resolução Normativa DC/ANS n. 195/2009: (i) existência de cláusula contratual prevendo tal faculdade para ambas as partes; (ii) decurso do prazo de doze meses da vigência do pacto; e (iii) notificação da outra parte com antecedência mínima de sessenta dias. Conquanto seja incontroverso que a aplicação do parágrafo único do artigo 13 da Lei n. 9.656/1998 restringe-se aos seguros e planos de saúde individuais ou familiares, sobressai o entendimento de que a impossibilidade de rescisão contratual durante a internação do usuário - ou a sua submissão a tratamento médico garantidor de sua sobrevivência ou da manutenção de sua incolumidade física -, também alcança os pactos coletivos. Com efeito, em havendo usuário internado ou em pleno tratamento de saúde, a operadora, mesmo após exercido o direito à rescisão unilateral do plano coletivo, deverá assegurar a continuidade dos cuidados assistenciais até a efetiva alta médica, por força da interpretação sistemática e teleológica dos artigos 8º, § 3º, alínea "b", e 35-C, incisos I e II, da Lei n. 9.656/1998, bem como do artigo 16 da Resolução Normativa DC/ANS n. 465/2021. A aludida interpretação também encontra amparo na boa-fé objetiva, na segurança jurídica, na função social do contrato e no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, o que permite concluir que, ainda quando haja motivação idônea, a suspensão da cobertura ou a rescisão unilateral do plano de saúde não pode resultar em risco à preservação da saúde e da vida do usuário que se encontre em situação de extrema vulnerabilidade. Nessa perspectiva, no caso de usuário internado ou submetido a tratamento garantidor de sua sobrevivência ou da manutenção de sua incolumidade física, o óbice à suspensão de cobertura ou à rescisão unilateral do plano de saúde prevalecerá independentemente do regime de sua contratação - coletivo ou individual -, devendo a operadora aguardar a efetiva alta médica para se desincumbir da obrigação de custear os cuidados assistenciais pertinentes. Quando houver o cancelamento do plano privado coletivo de assistência à saúde, deverá ser permitido aos usuários a migração para planos individuais ou familiares, observada a compatibilidade da cobertura assistencial e a portabilidade de carências, desde que a operadora comercialize tal modalidade de contrato e o consumidor opte por se submeter às regras e aos encargos peculiares da avença (AgInt no REsp n. 1.941.254/RJ, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 11/11/2021, DJe de 18/10/2021; e REsp n. 1.471.569/RJ, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 1º/03/2016, DJe de 07/03/2016). Por sua vez, o inciso IV do artigo 8º da Resolução Normativa DC/ANS n. 438/2018 preceitua que, em caso de rescisão do contrato coletivo por parte da operadora ou da pessoa jurídica estipulante, a portabilidade de carências "deverá ser requerida no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da data da ciência pelo beneficiário da extinção do seu vínculo com a operadora", não se aplicando os requisitos de "existência de vínculo ativo com o plano de origem", de "observância do prazo de permanência" (período ininterrupto em que o beneficiário deve permanecer vinculado ao plano de origem para se tornar elegível ao exercício da portabilidade de carências) nem de "compatibilidade por faixa de preço", previstos no artigo 3º do ato normativo. Em tal hipótese, caberá à operadora - que rescindiu unilateralmente o plano coletivo e que não comercializa plano individual - comunicar, diretamente, aos usuários sobre o direito ao exercício da portabilidade, "indicando o valor da mensalidade do plano de origem, discriminado por beneficiário", assim como o início e o fim da contagem do prazo de 60 dias (artigo 8º, § 1º, da Resolução Normativa DC/ANS n. 438/2018). A outra situação apta a exonerar a operadora de continuar a custear os cuidados assistenciais prestados ao usuário submetido a internação ou a tratamento de saúde - iniciados antes do cancelamento do pacto coletivo -, consiste na existência de contratação de novo plano pelo empregador com outra operadora. Deveras, consoante cediço nesta Corte, em havendo a denúncia unilateral do contrato de plano de saúde coletivo empresarial, "é recomendável ao empregador promover a pactuação de nova avença com outra operadora, evitando-se prejuízos aos seus empregados (ativos e inativos), que não precisarão se socorrer da portabilidade ou da migração a planos individuais, de custos mais elevados" (EDcl no AgInt no REsp n. 1.941.254/RJ, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 29/11/2021, DJe de 1º/12/2021; e REsp n. 1.846.502/DF, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 20/04/2021, DJe de 26/04/2021).
Compensação entre atenuante de confissão e agravante de reincidência na dosimetria da pena
A questão suscitada já foi objeto de inúmeros julgados desta Corte e cinge-se a delimitar os efeitos da compensação da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência, irradiando seus efeitos para ambas as espécies (genérica ou específica), sendo imprescindível, ainda, adequar-se a redação do Tema n. 585/STJ à hipótese de multirreincidência. Em 2012, diante da divergência entre as Turmas de Direito Penal, a Terceira Seção desta Corte, no julgamento do EREsp n. 1.154.752/RS, pacificou o entendimento, no sentido de ser possível, na segunda fase do cálculo da pena, a compensação da agravante da reincidência com a atenuante da confissão espontânea, por serem igualmente preponderantes, de acordo com o art. 67 do Código Penal. Na oportunidade, definiu-se que a incidência da atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal, independe se a confissão foi integral ou parcial, especialmente quando utilizada para fundamentar a condenação. Isso porque a confissão, por indicar arrependimento, demonstra uma personalidade mais ajustada, a ponto de a pessoa reconhecer o erro e assumir suas consequências. Então, por demonstrar traço da personalidade do agente, o peso entre a confissão e a reincidência deve ser o mesmo, nos termos do art. 67 do Código Penal, pois são igualmente preponderantes. Em seguida, a Terceira Seção, em 10/4/2013, sob a sistemática dos recursos especiais repetitivos, firmou, no julgamento do REsp. n. 1.341.370/MT, DJe de 17/4/2013, o entendimento de que, observadas as especificidades do caso concreto, deve-se compensar a atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência na segunda fase da dosimetria da pena (Tema n. 585/STJ). No julgamento do Habeas Corpus n. 365.963/SP, definiu-se que a especificidade da reincidência não obstaculiza sua compensação com a atenuante da confissão espontânea. Em outras palavras, a reincidência, ainda que específica, deve ser compensada integralmente com a atenuante da confissão, demonstrando, assim, que não deve ser ofertado maior desvalor à conduta do réu que ostente outra condenação pelo mesmo delito. Destacou-se ainda que, tratando-se de réu multirreincidente, deve ser reconhecida a preponderância da agravante prevista no art. 61, I, do Código Penal, sendo admissível a sua compensação proporcional com a atenuante da confissão espontânea, em estrito atendimento aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade. Na verdade, a condição de multirreincidência exige maior reprovação do que a conduta de um acusado que tenha a condição de reincidente em razão de um evento único e isolado em sua vida. Se a simples reincidência é, por lei, reprovada com maior intensidade, porque demonstra um presumível desprezo às solenes advertências da lei e da pena, reveladora de especial tendência antissocial, por questão de lógica e de proporcionalidade, e em atendimento ao princípio da individualização da pena, há a necessidade de se conferir um maior agravamento na situação penal do réu nos casos de multirreincidência, em função da frequência da atividade criminosa, a qual evidencia uma maior reprovabilidade da conduta, devendo, assim, prevalecer sobre a confissão. Assim, a recidiva prepondera nas hipóteses em que o acusado possui várias condenações por crimes anteriores, transitadas em julgado, reclamando repressão estatal mais robusta.
Conversão em pecúnia de licença-prêmio não gozada a servidor federal inativo
A controvérsia, tal como delimitada na proposta afetada por esta Primeira Seção, consiste em: a) definir se o servidor público federal possui, ou não, o direito de obter a conversão em pecúnia de licença-prêmio por ele não gozada e nem contada em dobro para fins de aposentadoria; b) em caso afirmativo, definir se a referida conversão em pecúnia estará condicionada, ou não, à comprovação, pelo servidor, de que a não fruição ou contagem da licença-prêmio decorreram do interesse da Administração Pública. A pacífica jurisprudência do STJ, formada desde a época em que a competência para o exame da matéria pertencia à Terceira Seção, firmou-se no sentido de que, embora a legislação faça referência à possibilidade de conversão em pecúnia apenas no caso de falecimento do servidor, possível se revela que o próprio servidor inativo postule em juízo indenização pecuniária concernente a períodos adquiridos de licença-prêmio, que não tenham sido por ele fruídos nem contados em dobro para fins de aposentadoria, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração. Nesse sentido, consigna-se que "foge à razoabilidade jurídica que o servidor seja tolhido de receber a compensação pelo não-exercício de um direito que incorporara ao seu patrimônio funcional e, de outra parte, permitir que tal retribuição seja paga aos herdeiros, no caso de morte do funcionário" (AgRg no Ag 735.966/TO, Relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJ de 28/8/2006, p. 305). Tal compreensão, na verdade, mostra-se alinhada à orientação adotada pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, no julgamento do ARE 721.001/RJ (Tema 635), segundo a qual "é devida a conversão de férias não gozadas bem como de outros direitos de natureza remuneratória em indenização pecuniária por aqueles que não mais podem delas usufruir, seja por conta do rompimento do vínculo com a Administração, seja pela inatividade, em virtude da vedação ao enriquecimento sem causa da Administração". Oportunamente, mostra-se importante sublinhar que a tese repetitiva cuida, única e exclusivamente, de controvérsia envolvendo direito postulado por servidor público federal inativo, concernente à conversão em pecúnia de licença-prêmio não gozada, não abrangendo, portanto, igual pretensão eventualmente formulada por servidores ativos. Além disso, a controvérsia também engloba o debate sobre saber se a conversão em pecúnia da licença-prêmio não gozada estaria condicionada, ou não, à comprovação, pelo servidor, de que a não fruição do aludido direito decorreu do interesse da Administração Pública. Nesse passo, o reiterado entendimento do STJ considera "desnecessária a comprovação de que as férias e a licença-prêmio não foram gozadas por necessidade do serviço já que o não-afastamento do empregado, abrindo mão de um direito, estabelece uma presunção a seu favor" (REsp 478.230/PB, Relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJ de 21/5/2007, p. 554). Entende-se, outrossim, dispensável a comprovação de que a licença-prêmio não tenha sido gozada por interesse do serviço, pois o não afastamento do servidor, abrindo mão daquele direito pessoal, gera presunção quanto à necessidade da atividade laboral. Conforme assentado em precedentes desta Corte, a inexistência de prévio requerimento administrativo do servidor não reúne aptidão, só por si, de elidir o enriquecimento sem causa do ente público, sendo certo que, na espécie examinada, o direito à indenização decorre da circunstância de o servidor ter permanecido em atividade durante o período em que a lei expressamente lhe possibilitava o afastamento remunerado ou, alternativamente, a contagem dobrada do tempo da licença. Diante desse contexto, entende-se pela desnecessidade de se perquirir acerca do motivo que levou o servidor a não usufruir do benefício do afastamento remunerado, tampouco sobre as razões pelas quais a Administração deixou de promover a respectiva contagem especial para fins de inatividade, porque, numa ou noutra situação, não se discute ter havido a prestação laboral ensejadora do recebimento da aludida vantagem. Ademais, caberia à Administração, na condição de detentora dos mecanismos de controle que lhe são próprios, providenciar o acompanhamento dos registros funcionais e a prévia notificação do servidor acerca da necessidade de fruição da licença-prêmio antes de sua passagem para a inatividade. De resto, cumpre também pontuar a inexistência de previsão legal estipuladora de prazo para o exercício do direito em questão ou, ainda, acenando com a eventual perda do gozo da licença-prêmio, tudo a recomendar, portanto, que se reconheça a legalidade da conversão em pecúnia daquele benefício, sendo certo que tal entendimento, conforme já realçado pelo Supremo Tribunal Federal (RE 721.001/RJ), está fundado na responsabilidade objetiva do Estado, nos termos do art. 37, § 6º, da CF/1988, bem assim no princípio que veda o enriquecimento sem causa da Administração.
Vedação à inclusão compulsória da União em ações de saúde no juízo estadual
A controvérsia está relacionada à competência para julgamento da ação ordinária ajuizada tão somente contra o Estado e o Município, ou seja, na hipótese, a parte autora não incluiu a União no polo passivo da demanda. Não optando a parte requerente pela inclusão da União na lide, não cabe ao juiz estadual determinar que se proceda à emenda da inicial para requerer a citação da União para figurar no polo passivo, uma vez que, não se tratando de litisconsórcio passivo necessário, incumbe à parte autora escolher contra qual(is) ente(s) federativo(s) pretende litigar. Na hipótese, a decisão monocrática agravada considerou que, recebidos os autos na Justiça Federal, cabia ao juiz federal, simplesmente, devolver os autos à Justiça estadual, e não suscitar conflito de competência, nos termos da Súmula 224/STJ. Isso porque, a princípio, o Juízo estadual não poderia rever tal decisão para determinar a inclusão da União no feito, consoante as Súmulas 150 e 254/STJ. Assim, sendo definitiva a decisão, na esfera federal, quanto à exclusão do ente federal, não haveria necessidade de instauração de conflito. Alinha-se, portanto, ao posicionamento majoritário da Primeira Seção de que, nesses casos, deve-se conhecer do conflito e reconhecer a competência da Justiça estadual para o processamento e julgamento da controvérsia. O referido entendimento desta Corte não destoa da decisão do STF no Tema 793 da Repercussão Geral.