Este julgado integra o
Informativo STF nº 745
O Plenário, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta ajuizada em face dos artigos 23, 37 a 47 e 53, todos da Lei 12.663/2012 (Lei Geral da Copa). Os dispositivos impugnados tratam da responsabilidade civil da União perante a FIFA; da concessão de prêmio em dinheiro e de auxílio especial mensal para jogadores das seleções brasileiras campeãs em 1958, 1962 e 1970; e da isenção de custas processuais concedida à FIFA perante a justiça federal. Prevaleceu o voto do Ministro Ricardo Lewandowski (relator). Inicialmente, explicou que a FIFA solicitara ao governo federal a assinatura de 12 garantias governamentais para a realização da Copa do Mundo de 2014 no Brasil, e que houvera a decisão soberana do país em se comprometer com o conjunto de garantias apresentadas. Asseverou que haveria significativo impacto econômico para o País em decorrência do evento, além de outros benefícios, como o incremento de serviços e maior aproveitamento do potencial turístico, por exemplo. No que se refere à responsabilidade civil da União (Lei 12.663/2012, art. 23), discorreu que o Brasil assumira, desde a Constituição de 1946, uma postura mais publicista, quando fora adotada a teoria do risco administrativo, segundo a qual não se exigiria a demonstração de culpa ou dolo para a responsabilização do Poder Público por prejuízo causado a terceiro, mas somente a demonstração de nexo de causalidade entre o dano e a ação do Estado. Afirmou que a Constituição atual abrigaria essa teoria, e incorporaria a ideia de que a responsabilidade civil extracontratual, quer do Estado, quer de pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, passara a ser objetiva em relação a terceiros. Ressaltou, porém, que o caso fortuito, a força maior e a culpa exclusiva da vítima configurariam excludentes da responsabilidade estatal, porque o nexo causal entre a atividade administrativa e o dano não ficaria evidenciado. O relator assinalou que a disposição contida no art. 37, § 6º, da CF, não esgotaria a matéria atinente à responsabilidade civil imputável à Administração, mas configuraria mandamento básico sobre o assunto. Mencionou exemplos de adoção da teoria do risco integral no sistema pátrio. Realçou que nessa modalidade de responsabilidade seria desnecessária a demonstração de nexo causal entre a ação do Estado e o dano. Lembrou que a Constituição, ao estabelecer a competência da União para explorar serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e para exercer o monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e derivados, prevê que a responsabilidade civil por danos atômicos independeria da existência de culpa (CF, art. 21, XXIII, d). Destacou, ainda, que a opção por essa mesma teoria teria sido feita pelo constituinte quando tratara do dano ambiental (CF, art. 225, § 3º). Citou, também, a responsabilidade civil da União perante terceiros no caso de atentado terrorista, ato de guerra ou eventos correlatos, contra aeronaves de matrícula brasileira operadas por empresas brasileiras de transporte aéreo, excluídas as empresas de táxi aéreo (Lei 10.744/2003). Resumiu que, em situações especiais de grave risco para a população ou de relevante interesse público, o Estado poderia ampliar a responsabilidade por danos decorrentes de sua ação ou omissão, para além das balizas do citado dispositivo constitucional, para dividir os ônus decorrentes dessa extensão com toda a sociedade. Destacou que a lei poderia impor a responsabilidade do Estado por atos absolutamente estranhos a ele, o que não configuraria responsabilidade civil propriamente dita, mas outorga de benefício a terceiros lesados. Reputou que a espécie configuraria a teoria do risco social, uma vez tratar de risco extraordinário assumido pelo Estado, mediante lei, em face de eventos imprevisíveis, em favor da sociedade como um todo. Acrescentou que o artigo impugnado não se amoldaria à teoria do risco integral, porque haveria expressa exclusão dos efeitos da responsabilidade civil na medida em que a FIFA ou a vítima houvesse concorrido para a ocorrência do dano. Anotou que se estaria diante de garantia adicional, de natureza securitária, em favor de vítimas de danos incertos que poderiam emergir em razão dos eventos patrocinados pela FIFA, excluídos os prejuízos para os quais a entidade organizadora ou mesmo as vítimas tivessem concorrido. No que se refere à concessão de prêmio em dinheiro e pagamento de auxílio especial mensal aos ex-jogadores (Lei 12.663/2012, artigos 37 a 47), o relator discorreu que o aludido prêmio seria cedido pelo Ministério do Esporte, em parcela única no valor fixo de R$ 100.000,00 a todos os titulares e reservas das equipes campeãs em 1958, 1962 e 1970. Quanto aos ex-jogadores já falecidos, o pagamento seria feito a seus sucessores, os quais poderiam habilitar-se para receber montantes proporcionais à respectiva cota-parte, desde que indicados em alvará judicial expedido a requerimento dos interessados, independentemente de inventário ou arrolamento. Ademais, a produção de efeitos dos comandos ora examinados iniciar-se-ia em 1º.1.2013, afastada a incidência do imposto de renda e da contribuição previdenciária sobre os pagamentos. Além disso, as despesas necessárias para seu custeio constariam de programação orçamentária específica do Ministério do Esporte. Quanto ao auxílio especial mensal, frisou que seria destinado apenas aos ex-jogadores que estivessem vivendo em dificuldade financeira. O pagamento mensal seria feito pelo INSS, e o valor seria complementar à renda mensal do favorecido, até que fosse alcançado o máximo do salário de benefício do Regime Geral de Previdência Social. A renda mensal de cada um dos beneficiários, a ser apurada para esses efeitos, consistiria da fração de 1/12 do valor total dos rendimentos informados na Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda da Pessoa Física. Também teriam direito à percepção desse auxílio especial mensal, quanto a atletas já falecidos, a esposa ou companheira, os filhos menores de 21 anos ou os que tivessem sido declarados inválidos antes de completar essa idade. Se houvesse mais de um familiar, o valor de complementação, a ser pago mediante rateio entre os beneficiários, seria baseado na renda do núcleo familiar, sem que fosse permitido reverter aos demais a parte do dependente cujo direito ao auxílio cessasse. O relator enfatizou que estaria previsto o pagamento retroativo do auxílio especial mensal à data em que, atendidos os requisitos, tivesse sido protocolado requerimento ao INSS. Definiu que as despesas necessárias ao custeio do auxílio constariam de programação orçamentária do Ministério da Previdência Social, portanto não estariam atreladas ao orçamento próprio da Seguridade Social. O relator afastou preliminar de prejudicialidade parcial do pleito, tendo em conta o suposto pagamento integral dos prêmios em dinheiro. No ponto, informou que, dos 51 ex-jogadores contemplados pela lei, 39 deles já teriam recebido o valor respectivo. Consignou, no mérito, que tanto os prêmios quanto os auxílios mensais não ofenderiam o postulado constitucional da isonomia. A respeito, aduziu que o tratamento jurídico diferenciado conferido a determinado indivíduo ou grupo nem sempre seria inconstitucional, e seria indispensável, para se chegar a essa conclusão, averiguar-se a legitimidade das causas que ensejassem a desequiparação. Advertiu que a Constituição não proibiria o tratamento privilegiado, mas a concessão de privilégios injustificáveis. No caso, registrou que o art. 217, IV, da CF, imporia ao Poder Público, como valor a ser necessariamente observado, a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional. Sublinhou que a expressão “de criação nacional” não significaria necessariamente que se tratasse de invenção brasileira, mas de prática desportiva que já tivesse se incorporado aos hábitos e costumes do país. Nesse sentido, o futebol, esporte plenamente incorporado aos costumes nacionais, deveria ser protegido e incentivado por expressa imposição constitucional. Lembrou, ainda, o art. 215, § 1º, da CF, a dispor que o Estado deve proteger as manifestações das culturas populares. Além disso, citou o art. 216 da CF. Diante dessas diretrizes constitucionais, assinalou que seria justificada a iniciativa do legislador em premiar materialmente a visibilidade internacional positiva proporcionada por esse grupo específico e restrito de esportistas, bem como em evitar que a penúria material na qual se encontrariam alguns deles e suas famílias colocasse em xeque o sentimento nacional com relação às seleções campeãs já referidas. Anotou que o diploma impugnado limitara a concessão do auxílio especial mensal aos necessitados, tendo em vista o período histórico por eles vivenciado, no qual o profissionalismo incipiente no futebol brasileiro ainda não permitia aos jogadores retorno financeiro minimamente condizente com o interesse já despertado no povo pelo esporte. Entendeu, ainda, que o texto legal seria razoável ao prever o pagamento de mera complementação da renda mensal auferida por cada contemplado, até que alcançado o teto do Regime Geral de Previdência Social. O relator, no que se refere a eventual ofensa ao art. 195, § 5º, da CF, tendo em conta a suposta falta de indicação, na instituição do auxílio especial mensal, da correspondente fonte de custeio total, repeliu a inconstitucionalidade da lei. Rememorou que o benefício discutido não seria figura estranha ao ordenamento jurídico. Observou, a partir do complexo normativo regulador da Seguridade Social, que paralelamente aos benefícios, serviços, programas e projetos expressamente previstos, existiriam outros que seriam qualificados como benefícios especiais ou benefícios de legislação especial. Salientou que esses benefícios especiais teriam sido criados para conceder prerrogativas a algumas categorias profissionais ou para atender a demandas sociais ou individuais de projeção social geradas por fatos extraordinários de repercussão nacional. Nesta segunda hipótese, possuiriam natureza indenizatória ou assistencial e não exigiriam contrapartida dos respectivos beneficiários. Aludiu a diversos exemplos de pensões especiais instituídas em razão da percepção do legislador ordinário com relação a demandas sociais ou de projeção social ligadas a acontecimentos ou realizações excepcionais de inegável repercussão nacional. Também declinou vários casos de pensões especiais de caráter assistencial concedidas em favor de um ou mais indivíduos que, embora indissociavelmente ligados a fatos ou feitos extraordinários de valor histórico, cultural, político ou social e de inegável repercussão nacional, estariam necessitados de amparo material por parte do Estado. Reputou que esses benefícios especiais, por terem como alvo vicissitudes ligadas a circunstâncias excepcionais, imprevisíveis e não reeditáveis, não poderiam estar hipoteticamente descritos em leis preexistentes. O relator entendeu que o auxílio mensal especial criado pela lei em debate se enquadraria como pensão especial de caráter assistencial concedida em favor de um grupo específico de indivíduos nominalmente identificáveis que, embora inegavelmente vinculados a feitos desportivos internacionais extraordinários e de grande repercussão nacional, estariam em situação de penúria. Assinalou que o auxílio especial mensal, por não fazer parte do rol de benefícios e serviços regularmente mantidos e prestados pelo sistema de seguridade social, não estaria submetido à exigência prevista no art. 195, § 5º, da CF. Salientou que a Constituição prescreveria que as ações governamentais na área de assistência social não seriam realizadas apenas com os recursos do orçamento da seguridade social, mas também por meio de outras fontes. Observou que haveria, somente após a promulgação da Constituição atual, 25 leis federais de efeitos concretos que concedem ou reajustam pensões especiais mensais, indenizações em prestação única, auxílios especiais e bolsas especiais de educação, nas quais também fora indicado, no lugar da fonte de custeio, a responsabilidade orçamentária da União ou do Tesouro Nacional pelos respectivos encargos. Concluiu que, no caso, por não se tratar de benefício previdenciário, mas de benesse assistencial criada por legislação especial para atender demanda de projeção nacional, o auxílio especial mensal instituído pela Lei da Copa não pressuporia a existência de contribuição ou indicação de fonte de custeio total. O Ministro Ricardo Lewandowski repeliu, ainda, suposta inconstitucionalidade do art. 53 da lei em comento, a tratar da isenção de custas e outras despesas judiciais, tendo em conta eventual ofensa ao princípio da isonomia tributária (CF, art. 150, II). Anotou que embora a Lei Geral da Copa tivesse, em seu Capítulo IX, disposições permanentes, o art. 53 estaria inserido no Capítulo X, relativo às disposições finais. Assim, aplicar-se-ia a essa norma o previsto no art. 1º da lei, o qual estabelece, como objeto específico do diploma, dispor, primordialmente, sobre as medidas relativas à Copa das Confederações FIFA 2013, à Copa do Mundo FIFA 2014 e aos eventos relacionados, que serão realizados no Brasil. Além dessas duas competições, o art. 2º, VI, da lei em exame, define como eventos correlatos os congressos da FIFA; as cerimônias; os sorteios; os seminários em geral; as atividades culturais; as partidas; e as sessões de treino, dentre outros. Analisou que a isenção de custas e despesas impugnada somente incidiria sobre demandas provenientes de fatos ocorridos na realização das referidas competições, bem assim de eventos correlatos (Lei 12.663/2012, art. 2º, VI, e). Reputou que seria norma dotada de vigência com expressa limitação temporal e material. O relator anotou que o dispositivo objurgado conteria comandos normativos que estabeleceriam, em favor da FIFA e no âmbito dos órgãos do Poder Judiciário da União, a dispensa: a) da antecipação das despesas judiciais (CPC, art. 19); e b) do pagamento das custas e despesas processuais. Destacou que, embora o preceito legal examinado tivesse se utilizado da expressão “são isentos” para estabelecer a dispensa do adiantamento das custas e de outras despesas, a referida prerrogativa processual não se confundiria com o benefício fiscal da isenção, porquanto todas essas despesas seriam de responsabilidade final da parte vencida. Ressaltou que o postulado do art. 150, II, da CF, seria alheio ao afastamento da condenação nas despesas processuais, porque apenas as custas e os emolumentos possuiriam natureza tributária, e seriam qualificados como taxas judiciárias remuneratórias de serviços estatais específicos e divisíveis. Assim, não se confundiriam com as despesas processuais devidas a pessoas estranhas ao corpo funcional do Judiciário, como os peritos, assistentes técnicos, leiloeiros e depositários. Assinalou que o art. 150, § 6º, da CF, dispõe que qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, poderia ser concedido mediante a edição de lei específica federal, estadual ou municipal a regular exclusivamente essas matérias ou o correspondente tributo ou contribuição. Assentou que a exigência constitucional de edição de lei específica ficaria regularmente atendida mesmo nas hipóteses em que a norma concessiva de isenção ficasse inserida em diploma a dispor de outras questões correlatas, desde que existente inequívoca pertinência entre a isenção e o tema geral objeto da legislação que o instituíra. O relator frisou que, na espécie, a isenção encontrar-se-ia plenamente inserida no contexto da adoção de todas as medidas necessárias, inclusive jurídicas, para assegurar a realização da Copa das Confederações e da Copa do Mundo. Salientou que a isenção tributária não seria privilégio de classe ou de pessoas, mas política de aplicação da regra da capacidade contributiva ou de incentivos de determinadas atividades, que o Estado buscaria incrementar pela conveniência pública. Concluiu que, no caso em debate, a isenção das custas judiciais não teria sido concedida a um beneficiário em particular, de modo a configurar privilégio indevido. Ao contrário, seria benefício fiscal concedido por Estado soberano que, mediante política pública formulada pelo governo, buscara garantir a realização, em seu território, de eventos da maior expressão, o que tornaria legítimos os estímulos destinados a atrair a FIFA, de modo a alcançar os benefícios econômicos e sociais pretendidos. Ressaltou que, para atingir esse mesmo desiderato, outras isenções tributárias de impostos e contribuições sociais federais teriam sido concedidas à FIFA, à sua subsidiária no Brasil e aos seus prestadores de serviços, relativas aos fatos geradores decorrentes das atividades diretamente vinculadas à organização ou realização dos aludidos eventos, por meio da Lei 12.350/2010. Registrou que a realização de grandes eventos internacionais esportivos, dotados de inegável potencial de gerar empregos e atrair investimentos, configuraria interesse constitucionalmente relevante. O Ministro Roberto Barroso acrescentou que a análise da lei em debate configuraria hipótese típica de autocontenção judicial. Nesse sentido, a visão do julgador em relação a essa decisão política não poderia se sobrepor a decisões de conveniência e oportunidade tomadas pelos agentes públicos eleitos. Explicou que, caso não se configurasse inconstitucionalidade evidente, de direitos fundamentais e das regras da democracia, não haveria razão para que o STF se sobrepusesse à valoração feita pelos agentes políticos. O Ministro Luiz Fux, no que se refere aos prêmios e aos auxílios concedidos a ex-jogadores, destacou o direito ao reconhecimento — tendo em vista o valor cultural do esporte para a nação e para o mundo — como uma faceta da isonomia. Vencido, em parte, o Ministro Joaquim Barbosa (Presidente), que assentava apenas a inconstitucionalidade do art. 53 da Lei Geral da Copa. Reputava que a concessão de isenções fiscais a entidades privadas envolvidas no evento violaria o princípio da isonomia e a imprescindibilidade de motivação idônea para qualquer tipo de exoneração fiscal. Em conclusão de julgamento, o Plenário, por maioria, indeferiu pedido formulado em medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade referente ao § 2º do art. 8º da Lei 9.295/1996. O preceito dispõe que “As entidades que, na data de vigência desta Lei, estejam explorando o Serviço de Transporte de Sinais de Telecomunicações por Satélite, mediante o uso de satélites que ocupem posições orbitais notificadas pelo Brasil, têm assegurado o direito à concessão desta exploração”. Na presente ação, questionava-se a constitucionalidade do art. 4º e parágrafo único; art. 5º; art. 8º, § 2º; art. 10 e parágrafo único; e art. 13, parágrafo único, da referida norma, que dispõe sobre os serviços de telecomunicações e sua organização. À exceção do § 2º do art. 8º da lei, os demais dispositivos foram julgados em sessões anteriores — v. Informativos 64, 65, 116 e 117. O Tribunal destacou que o “caput” do art. 8º da Lei 9.295/1996 fora revogado pela Lei 9.472/1997, porém, seu § 2º seria autônomo, hábil a ser apreciado nessa via de controle concentrado de constitucionalidade. Apontou que o longo tempo ocorrido até a retomada desse julgamento não prejudicara a presente ação direta pela possibilidade de se renovar o prazo estipulado para a concessão da exploração de serviço de transporte de sinal de telecomunicações por satélites (15 anos). Considerou que, somente a partir da edição da Lei 9.295/1996, esse serviço teria adquirido caráter autônomo e, ainda que se contasse o prazo a partir da data de sua publicação, ocorrido em 20.7.1996, eventual renovação da concessão realizada nessa data pelo prazo máximo fixado na lei somente terminaria em 2026. Pontuou que, ao menos em tese, não se poderia cogitar do exaurimento da eficácia da norma questionada, porque a certeza em relação a essa circunstância dependeria de informações quanto aos prazos das eventuais outorgas de concessões efetivadas com fundamento nessa mesma regra, a serem prestadas por ocasião da análise de mérito. Entendeu plausível a condição que afastara a exigência de licitação contida no art. 175, “caput”, da CF (“Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”). Destacou que a norma questionada fora editada após o advento da EC 8/1995, que permitiu a abertura do setor de telecomunicações à iniciativa privada, no que se convencionou chamar de processo de desestatização do setor de telecomunicações. Apontou que o controle estatal na prestação de serviço de telecomunicações, como determinado expressamente na norma originária do inciso XI do art. 21 da CF, tornaria despicienda a exigência da prévia licitação posta no art. 175 da CF. Lembrou que, à época da edição da Lei 9.295/1996, objeto da presente ação direta de inconstitucionalidade, não se conheceriam os efeitos do processo de desestatização sobre as atividades prestadas pelas empresas a serem privatizadas. Enfatizou que o dispositivo impugnado apenas conferira características de regime peculiar contratual na prestação de serviço de transporte de sinais de telecomunicações por satélite, no momento em que lhe fora reconhecida a autonomia, a garantir a regularidade, continuidade, eficiência e segurança durante o processo de desestatização do setor de telecomunicação. A Corte realçou que a única entidade operadora de satélites na data da edição da norma questionada seria a Embratel, desmembrada do antigo Sistema Telebrás de Comunicações em 22.5.1998, posteriormente privatizada em leilão da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro em 29.6.1998, quando já vigente a Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/1997), que, dentre vários dispositivos que revogara da Lei 9.295/1996, estaria o “caput” do artigo 8º, pelo qual se atribuiu o serviço de transporte de sinais telecomunicações à condição de serviço autônomo, passível, portanto, de concessão pelo Poder Público. Quanto à situação das entidades enquadradas no dispositivo impugnado, aduziu que a Lei Geral de Telecomunicações disporia que, até a sua regulamentação, continuariam regidos pela Lei 9.295/1996, os serviços por ela disciplinados e os respectivos atos e procedimentos de outorga. Acentuou que o respeito às cláusulas e condições estabelecidos em contratos e respectivos atos de outorga vigentes até a data de regulamentação pela Anatel fora ratificado pelo Decreto 3.896/2001, que dispõe sobre a regência dos serviços de telecomunicações. O Colegiado frisou que a Anatel informaria em seu sítio na internet que a exploração de satélite não seria serviço de telecomunicações, o que afastaria a necessidade de concessão para a sua prestação. Concluiu que, em razão das alterações legislativas posteriores à propositura da presente ação, aliado ao transcurso de longo período de vigência do dispositivo questionado e, ainda, o fato de não divergir do entendimento do STF no julgamento da ADI 1.582/DF (DJU de 6.9.2002) e da ADI 1.863/DF (DJe de 15.2.2008), mostrar-se-ia conveniente a manutenção dos efeitos do § 2º do art. 8º da Lei 9.295/1996. Vencidos, no ponto, os Ministros Carlos Velloso e Marco Aurélio, que deferiam a cautelar. O Ministro Marco Aurélio destacava que não se poderia projetar no tempo a prestação de serviço de transporte de sinais de telecomunicações sem a devida licitação.
Número do Processo
4976
Tribunal
STF
Data de Julgamento
07/05/2014
Explore conteúdo relacionado para aprofundar seus estudos
O caso concreto trata de concurso público para o ingresso na carreira policial militar do Estado do Amapá, havendo previsão de avaliação da altura do candidato, que tinha de observar estatura mínima prevista em lei e no edital do certame. Para a concorrência feminina o estipulado era 1,60m, mas as recorridas tinham 1,57m, ou seja, três centímetros a menos do que o exigido de todas as demais candidatas. Apesar disso, o Tribunal da origem consentiu com a concorrência das recorridas, pontuando que, a despeito de restar pacificado o entendimento no sentido de observar as regras editalícias e a legislação estadual específica da categoria, em obediência ao posicionamento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, diante das particularidades da causa, o lapso de tempo de mais de 3 (três) anos da data da concessão do pedido liminar e as informações prestadas pela autoridade coatora, de que as impetrantes teriam sido inseridas no curso de formação como alunos soldados com rubrica, sem nenhuma mácula que pudesse comprometer-lhes a carreira, demonstrando a eficiência no exercício do cargo público, a eliminação das recorridas, em razão de alguns centímetros de diferença do mínimo exigido em edital constituiria medida desarrazoada, eis que teria ocorrido a solidificação da situação fática, diante do decurso de tempo entre a liminar concedida no ano de 2018 e os dias atuais. A argumentação é em parte metajurídica e em parte fundada em princípios os quais não chegam a ser densificados, a ser explicitados nem o conceito tampouco o modo como se aplicam ao caso concreto, sendo certo que a segurança jurídica, a razoabilidade e a proporcionalidade são valores que não se confundem entre si e que orientam não apenas a atividade de aplicação de lei, mas a sua elaboração, o que significa a necessidade de ponderar se esses vetores já não foram observados no processo legislativo. Pesa assinalar ainda que a despeito de afirmar não ocorrer o julgamento pela inconstitucionalidade da lei estadual, a interpretação de normativo com o fim de não se aplicar no caso concreto afasta por via oblíqua a norma e, por isso, é realmente imperioso que se esclareça o amparo constitucional para tanto. Por fim, o acórdão é inapelavelmente nulo ao deixar de aplicar precedente vinculativo do Supremo Tribunal Federal que trata justamente da impossibilidade de o candidato permanecer investido em função pública por mera aplicação de medida liminar cuja confirmação, aliás, é fundada em absolutamente nenhum argumento fora o transcurso do tempo, no caso, de três anos, ou seja, o Tribunal deferiu o direito sem examinar absolutamente nada, o que, por conseguinte, conduz ao reconhecimento da negativa de prestação jurisdicional.
Cinge-se a controvérsia em determinar qual Seção do Superior Tribunal de Justiça teria competência para apreciar mandado de segurança impetrado contra ato praticado por Presidente de Junta Comercial que cria a obrigação de publicar demonstrações financeiras de sociedades empresariais de grande porte no Diário Oficial do Estado ou em jornal de grande circulação, condicionando o arquivamento das atas que aprovaram as referidas publicações na autarquia estadual. Na espécie, impetrou-se mandado de segurança postulando pela concessão da ordem para que a Junta Comercial seja compelida a registrar as Atas de Aprovação de Contas das impetrantes, sem que necessário fosse a comprovação da publicação das demonstrações financeiras, pois a Lei n. 11.638/2007 não preveria a obrigação de publicar as demonstrações financeiras de sociedades empresariais de grande porte no Diário Oficial do Estado ou em jornal de grande circulação, sendo absolutamente ilegal que uma norma de hierarquia inferior inove e crie obrigação sobre a qual a Lei de regência sequer versou. Não obstante a alegação nos autos de que as deliberações e enunciados criados pela Junta Comercial estariam à margem da legislação específica, tem-se que o exame da suposta ilegalidade das normas infralegais ou mesmo o abuso do direito de normatizar envolve controvérsia atrelada ao direito societário, notadamente no que diz respeito à adequação dos referidos atos normativos à Lei n. 11.638/2007, que alterou e revogou dispositivos da Lei n. 6.404/1976 e à Lei n. 6.385/1976, estendendo às sociedades de grande porte disposições relativas à elaboração e divulgação de demonstrações financeiras. Desse modo, conclui-se que, no caso, embora apresente suposta ilegalidade de atos praticados por Junta Comercial, diz respeito à compatibilidade da atividade da autarquia estadual em face de normas de Direito Societário, o que, em última razão, estão umbilicalmente associadas ao Direito Privado, atraindo a competência das Turmas que compõem a Segunda Seção desta Corte Superior.
A controvérsia consiste em definir a responsabilidade pelos danos morais causados pela queda de aeronave às vítimas em superfície, tendo em vista que o acidente com o avião danificou imóveis na área do choque com o solo, feriu e causou a morte de pessoas. A ação foi ajuizada em face indicados como proprietários da aeronave, cuja queda causou os danos que se pretende sejam ressarcidos. Em contestação, os réus alegaram sua ilegitimidade passiva, negando a qualidade de proprietários ou exploradores/operadores da aeronave. Ademais, requereram a denunciação à lide da empresa exploradora do serviço de transporte aéreo. Todavia, os julgados ordinários chegaram às seguintes constatações: 1) a aeronave foi objeto de um contrato arrendamento mercantil; 2) os réus deste recurso tinham a posse da aeronave, quando do acidente, na qualidade de cessionários de direitos do arrendamento, não formalizado à época do acontecimento. No que diz respeito ao transporte de pessoas, é certo que a teoria objetiva foi a eleita pelo ordenamento jurídico brasileiro, ao documentar no art. 734 do CC/2002 que o "transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade". Nesse particular, é manifesto: a responsabilidade objetiva imposta ao transportador tem fundamento no risco da atividade. O Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA) não evidencia de forma expressa a teoria objetiva como fundamento das responsabilidades que prevê. Todavia, a jurisprudência desta Casa há muito reconheceu aquele embasamento para a responsabilidade atribuída às ocorrências do transporte aeroviário. Outrossim, importante referir ainda que, no recente julgamento do REsp n. 1.414.803/SC, já foi definido por esta Corte que "o Código Brasileiro de Aeronáutica não se limita a regulamentar apenas o transporte aéreo regular de passageiros, realizado por quem detém a respectiva concessão, mas todo serviço de exploração de aeronave, operado por pessoa física ou jurídica, proprietária ou não, com ou sem fins lucrativos, de forma que [...] será plenamente aplicado, desde que a relação jurídica não esteja regida pelo CDC, cuja força normativa é extraída diretamente da CF/1988 (5º, XXXII)" (REsp n. 1.414.803/SC, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 4/5/2021, DJe de 4/6/2021.). Nesse passo, especificamente no que diz respeito aos fatos relacionados a terceiros em superfície, prevê o Código Brasileiro de Aeronáutica, em seu art. 268, que os exploradores da aeronave serão os responsáveis pelos danos criados àquelas pessoas. Diante deste cenário, os danos sofridos por terceiros em superfície, causados diretamente pela atividade de transporte aéreo, serão de responsabilidade do explorador. Nesse rumo, é possível extrair outra premissa, no sentido de que a responsabilidade pelo transporte aéreo é objetiva. Ou seja, independentemente de ter havido conduta culposa, se os danos indenizáveis decorrerem da atividade de transporte aéreo, haverá responsabilidade do explorador. Nessa exata linha de ideias vai a legislação pertinente, que se revela no art. 123 do Código Brasileiro da Aeronáutica, na redação vigente à época dos fatos, conceituava operadores ou exploradores nos seguintes termos: "Art. 123. Considera-se operador ou explorador de aeronave: (...); II - o proprietário da aeronave ou quem a use diretamente ou através de seus prepostos, quando se tratar de serviços aéreos privados; III - (...); IV - o arrendatário que adquiriu a condução técnica da aeronave arrendada e a autoridade sobre a tripulação". Em arremate, a doutrina esclarece que a exploração, nos casos acima referenciados, pode ocorrer independente do título de propriedade ou de posse, mediante qualquer forma lícita. Na linha desse entendimento, como já assentado, sentença e acórdão, na descrição dos fatos e personagens neles envolvidos asseveraram de forma coincidente: 1) houve a contratação de arrendamento mercantil; 2) os réus deste recurso tinham a posse da aeronave, fruto da cessão de direitos do arrendamento, ainda não formalizada à época do acidente. Com efeito, as partes na qualidade de possuidores da aeronave acidentada, nos termos do Código Brasileiro de Aeronáutica, são considerados exploradores e, nessa condição, responsáveis pelos danos provocados a terceiros em superfície. O terceiro vítima de acidente aéreo, tripulante ou em superfície, e o transportador são, respectivamente, consumidor por equiparação e fornecedor. Nessa ordem de ideias, acertada a incidência do universo consumerista à hipótese, deve ser invocada, notadamente, a teoria da aparência, pela qual se busca valorizar o estado de fato e reconhecer as circunstâncias efetivamente presentes nas relações jurídicas, concedendo proteção a terceiros de boa-fé (REsp n. 1.358.513/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 12/5/2020, DJe de 4/8/2020.) Dessarte, o raciocínio desenvolvido pretende fundamentar duas modestas assertivas, que conferem ainda mais robustez à solução apresentada: 1ª) a teoria da aparência é fator legitimador do ajuizamento da ação de ressarcimento dos danos pelo defeito do serviço contra o aparente responsável, ainda que outros sujeitos houvessem de ser responsabilizados; 2ª) a responsabilidade pela prestação defeituosa do transporte aéreo, porque ancorada também nas normas de direito consumerista, será solidariamente repartida entre todos os fornecedores do serviço, no caso, todos os que se enquadrarem no conceito de explorador e, desde que tenha sido demandado. Ademais, com base no segundo silogismo apresentado, não compete ao consumidor qualquer providência tendente a elucidar questões tais como a que se coloca sobre o contrato de arrendamento mercantil, se fora oficializado, a que forma e em que tempo. Muito menos caberia às vítimas dos danos provocados pela atividade aérea apurar os titulares da posse direta ou indireta da aeronave, por serem a parte vulnerável da relação jurídica, na acepção jurídica do vocábulo, lição comezinha de direito do consumidor. Seguindo na análise da questão controvertida, defende-se a possibilidade da denunciação à lide, já que, perante os lesados todos devem responder solidariamente pelas consequências do fato. No entanto, observa que o CPC/2015, em seu art. 125, determina a obrigação de denunciação à lide daquele que está obrigado, por força de lei ou contrato, a indenizar o prejuízo do que perder a demanda. Portanto, não procede a alegação, também quanto a esse ponto. Como de conhecimento, a denunciação da lide é intervenção de terceiros com natureza jurídica de ação, cuja pretensão está associada ao direito de regresso, não ensejando, porém, a formação de outro processo, e sim de duas demandas que serão decididas por uma mesma sentença. O mote de sua existência é justamente permitir, com arrimo no princípio da economia processual, que o titular do direito exerça, no mesmo processo em que demandado, a sua pretensão ressarcitória (ação de garantia). Por fim, relembre-se que o art. 88 do CDC veda expressamente a denunciação à lide nas ações derivadas de relações de consumo.
O art. 67 do Código Penal determina que "no concurso de agravante e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência". Esta Corte Superior entende que a confissão espontânea é circunstância preponderante, e a agravante da dissimulação não está prevista como circunstância preponderante por não se encaixar nos quesitos previstos no art. 67 do Código Penal. Assim, a reprimenda deve ser reduzida na segunda fase da dosimetria. No caso, a Corte de origem, a despeito de considerar que não caberia a preponderância da agravante da dissimulação sobre a atenuante da confissão, ainda que qualificada, concluiu que deveriam ser compensadas a agravante da dissimulação com a atenuante da confissão espontânea. Contudo, tal entendimento destoa do art. 67 do Código Penal. Tendo a pena-base sido fixada e mantida em 14 anos de reclusão, impõe-se a sua redução em 1/12 (um doze avos), na segunda fase da dosimetria, pela preponderância da atenuante da confissão espontânea sobre a agravante da dissimulação, restando a sanção intermediária em 12 anos e 10 meses de reclusão, a qual, à míngua de outras causas modificativas, torna-se definitiva.
A controvérsia consiste em analisar se a situação decorrente da pandemia pela Covid-19 constitui fato superveniente apto à revisão judicial de contrato de locação não residencial, especialmente quanto a redução proporcional do valor dos alugueis, sendo a locatária uma empresa de coworking. Deve-se ponderar, para a análise, sobretudo, os limites em torno da "onerosidade excessiva", concluindo-se que a onerosidade apta à revisão contratual deve ser relevante, de maneira a atingir a estrutura do negócio jurídico, ainda que nos contratos regidos pela legislação consumerista. Há consenso doutrinário de que as relações contratuais privadas são regidas, em linha de princípio, por três vertentes revisionistas, quais sejam: a) teoria da base objetiva do contrato, aplicável, em regra às relações de consumo (art. 6º, inciso V, do CDC); b) a teoria da imprevisão (art. 317 do CC/2002); e c) a teoria da onerosidade excessiva (art. 478 do CC/2002). Tais hipóteses, embora encontrem fundamento em contextos normativos diversos, estão vinculadas aos princípios da intervenção mínima e da excepcionalidade da revisão contratual, diretrizes que ganham relevo, sobretudo, com as recentes alterações promovidas pela Lei de Liberdade Econômica (Lei n. 13.874/2019), ainda que, quanto às normas do CDC, haja certa divergência para sua aplicação. É, portanto, a liberdade de contratar a regra, tendo a intervenção judicial cabimento apenas quando imprescindível ao restabelecimento do equilíbrio entre as partes. Nesse rumo, cumpre traçar as principais distinções entre o instituto da quebra da base objetiva do negócio jurídico, aplicável sobretudo às relações de consumo (art. 6º, inciso V, do CDC), e os da imprevisão e da onerosidade excessiva, extraídos, respectivamente, dos arts. 317 e 478 do Código Civil. Como requisito comum, sobressai a ocorrência de fato superveniente capaz de alterar, de maneira significativa (ou estrutural), o equilíbrio econômico e financeiro da avença, dela decorrendo situação de onerosidade excessiva. São essas, em linha de princípio, as características da quebra da base objetiva do contrato, prevista no CDC, que destaca o desequilíbrio econômico e financeiro como requisito central. Ao contrário, para a revisão do contrato com base nas teorias da imprevisão ou da onerosidade excessiva, previstas no CC/2002, exige-se ainda que o fato (superveniente) seja imprevisível e extraordinário e que dele, além do desequilíbrio econômico e financeiro, decorra situação de vantagem extrema para uma das partes, relacionando-se tal requisito, segundo parte da doutrina, à vedação do enriquecimento ilícito. Em relação ao requisito da superveniência de fato imprevisível ou extraordinário - ponto importante para a distinção na adoção das teorias da imprevisão ou da quebra da base objetiva do negócio -, é inquestionável que a pandemia da Covid-19 adequa-se, com perfeição, às exigências referidas. Nessa linha, para exame do caso em questão, destacam-se os seguintes pontos: a) a impossibilidade do exercício das atividades desenvolvidas pelo locatário em razão das medidas sanitárias do combate ao novo coronavírus; b) a redução do faturamento da locatária e c) a viabilidade da manutenção do contrato. Conforme referido, o ramo empresarial desenvolvido pela locatária era uma empresa de coworking , cujo objetivo, linhas gerais, é o compartilhamento de espaço para empreendedores e empresas de pequeno porte. Ou seja, o coworking é um espaço físico que pode ser compartilhado por várias empresas ou profissionais liberais. Embora não se conteste o efeito negativo decorrente da pandemia nos contratos de locação não residencial para ambas as partes, em que estas são efetivamente privadas, em maior ou menor extensão, seja em relação uso do bem ou mesmo à percepção dos rendimentos sobre o imóvel decorrentes do direito de propriedade, sobreveio desequilíbrio econômico-financeiro imoderado para a locatária. Por certo, a locatária, a qual ficou privada por tempo determinado do exercício de suas atividades, manteve-se obrigada a cumprir a contraprestação pelo uso do imóvel pelo valor integral e originalmente firmado, quando as circunstâncias foram drasticamente alteradas, às quais, inclusive, acaso fossem conhecidas à época da contratação, poderiam levar ao estabelecimento de outros valores ou até mesmo à não contratação - situação que comporta, a intervenção no contrato a fim de que sejam restabelecidos os elementos econômico e financeiros das partes para que se adequem às novas condições. E, nessa linha, a fixação de um período determinado para que as partes possam se adequar às condições (adversas) que lhes foram impostas, constitui medida salutar, capaz de promover a melhor composição para cada caso, especialmente quando a manutenção do contrato é viável, como no caso dos autos. É cediço que a liberdade de contratar, embora exsurja como núcleo fundador das relações privadas, encontra limites nas regras da boa-fé objetiva e da função social dos contratos, que, por sua vez, devem ser interpretadas de acordo com a natureza da relação jurídica firmada, autorizando-se, assim, em maior ou menor medida, a intervenção do Estado-Juiz como forma de restabelecer o equilíbrio entre as partes. A diretriz da boa-fé, portanto, deveria ser observada, mormente porque os ônus suportados pelo locatário revelaram-se desmesurados. Ademais, a situação da pandemia pode ser enquadrada como fortuito externo ao negócio, circunstância que exige a ponderação dos sacrifícios de cada parte na relação contratual. Por fim, configura-se o desequilíbrio estrutural na relação entre as partes devido aos efeitos da pandemia pela Covid-19, assim como em razão das diretrizes da boa-fé e da função social do contrato, da equivalência material, da moderação e higidez das relações contratuais, impondo, portanto, a revisão do contrato.