Este julgado integra o
Informativo STF nº 786
O Plenário, por maioria, deferiu pedido de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade para: a) suspender a aplicação da expressão “nas condições do art. 52 da Constituição Federal” contida no art. 100 do ADCT, introduzido pela EC 88/2015, por vulnerar as condições materiais necessárias ao exercício imparcial e independente da função jurisdicional, ultrajando a separação dos Poderes, cláusula pétrea inscrita no art. 60, § 4º, III, da CF; b) fixar a interpretação, quanto à parte remanescente da EC 88/2015, de que o art. 100 do ADCT não pudesse ser estendido a outros agentes públicos até que fosse editada a lei complementar a que alude o art. 40, § 1º, II, da CF, a qual, quanto à magistratura, é a lei complementar de iniciativa do STF, nos termos do art. 93 da CF; c) suspender a tramitação de todos os processos que envolvessem a aplicação a magistrados do art. 40, § 1º, II, da CF e do art. 100 do ADCT, até o julgamento definitivo da ação direta em comento; e d) declarar sem efeito todo e qualquer pronunciamento judicial ou administrativo que afastasse, ampliasse ou reduzisse a literalidade do comando previsto no art. 100 do ADCT e, com base neste fundamento, assegurasse a qualquer outro agente público o exercício das funções relativas a cargo efetivo após ter completado 70 anos de idade. A norma impugnada — introduzida no ADCT pela EC 88/2015 — dispõe que, “até que entre em vigor a lei complementar de que trata o inciso II do § 1º do art. 40 da Constituição Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União aposentar-se-ão, compulsoriamente, aos 75 (setenta e cinco) anos de idade, nas condições do art. 52 da Constituição Federal”. Alegava-se, na espécie, que a expressão “nas condições do art. 52 da Constituição Federal” incorreria em vício material por ofensa à garantia da vitaliciedade (CF, art. 93, “caput”) e à separação dos Poderes (CF, art. 2º), exorbitando dos limites substantivos ao poder de reforma da Constituição (CF, art. 60, §4º, III e IV). A Corte, inicialmente, assentou a regularidade processual na cumulação de pedidos típicos de ADI e ADC em uma única demanda de controle concentrado, o que se daria na espécie, vencido o Ministro Marco Aurélio. Asseverou que a cumulação de ações seria não só compatível como também adequada à promoção dos fins a que destinado o processo objetivo de fiscalização abstrata de constitucionalidade, destinado à defesa, em tese, da harmonia do sistema constitucional, reiterado o que decidido na ADI 1.434 MC/SP (DJU de 22.11.1996). Além disso, a cumulação objetiva de demandas consubstanciaria categoria própria à teoria geral do processo. Como instrumento, o processo existiria para viabilizar finalidades materiais que lhes seriam externas. A cumulação objetiva apenas fortaleceria essa aptidão na medida em que permitiria o enfrentamento judicial coerente, célere e eficiente de questões minimamente relacionadas entre elas. Não seria legítimo que o processo de controle abstrato fosse diferente. Outrossim, rejeitar a possibilidade de cumulação de ações — além de carecer de fundamento expresso na Lei 9.868/1999 — apenas ensejaria a propositura de nova demanda com pedido e fundamentação idênticos, a ser distribuída por prevenção, como ocorreria em hipóteses de ajuizamento de ADI e ADC em face de um mesmo diploma. Ademais, os pedidos articulados na inicial não seriam incompatíveis jurídica ou logicamente, sendo provenientes de origem comum. Por outro lado, o requisito relativo à existência de controvérsia judicial relevante, necessário ao processamento e julgamento da ADC (Lei 9.868/1999, art. 14, III), seria qualitativo e não quantitativo, isto é, não diria respeito unicamente ao número de decisões judiciais num ou noutro sentido. Dois aspectos tornariam a controvérsia em comento juridicamente relevante. O primeiro diria respeito à estatura constitucional do diploma que estaria sendo invalidado nas instâncias inferiores — a EC 88/2015, que introduzira o art. 100 ao ADCT —, ou seja, uma emenda à Constituição, expressão mais elevada da vontade do parlamento brasileiro. Em segundo lugar, decisões similares poderiam vir a se proliferar pelos Estado-Membros, a configurar real ameaça à presunção de constitucionalidade da referida emenda constitucional. Com relação ao mérito, o Plenário asseverou que a EC 88/2015 alterara o corpo permanente da Constituição para possibilitar, na forma a ser definida por lei complementar, a aposentadoria compulsória de servidores públicos aos 75 anos (CF, art. 40, §1º, II). Até que viesse a lume a referida lei complementar, a emenda constitucional em questão estabeleceria regra transitória para alguns servidores públicos, permitindo que os ministros do STF, dos tribunais superiores e do TCU se aposentassem compulsoriamente apenas aos 75 anos de idade, nas condições do art. 52 da CF. Nessa senda, tornar-se-ia necessário delimitar o preciso sentido da expressão impugnada, qual seja, “nas condições do art. 52 da Constituição Federal”. Em uma primeira leitura, a referência poderia parecer sem sentido, afinal a única previsão do art. 52 pertinente ao caso cuidaria do ingresso de cidadãos nos cargos de ministros de tribunais superiores e do TCU (CF, art. 52, III, a e b). Não haveria regras no art. 52 da CF que tratassem da aposentadoria de magistrados e membros do TCU. Daí ser curioso que o art. 100 do ADCT determinasse que a aposentadoria fosse processada com base em dispositivo que não trataria de aposentadoria. Essa perplexidade inicial, porém, seria dissipada tanto pela leitura sistemática da EC 88/2015 quanto pela análise dos debates legislativos que lhe deram origem. Assim, pelo ângulo sistemático, seria evidente que o art. 100 do ADCT cumpriria provisoriamente o papel da lei complementar indicada na nova redação do art. 40 da CF. Esse papel seria exatamente o de fixar as condições para aposentadoria aos 75 anos. Isso porque, pela redação atual do artigo 40, §1º, II, da CF, a aposentadoria do servidor público ocorreria, em regra, aos 70 anos, embora fosse possível a extensão desse limite para os 75 anos segundo critérios a serem fixados em lei complementar. O art. 100 do ADCT simplesmente teria esclarecido que, provisoriamente e quanto aos agentes públicos ali mencionados, as condições de permanência até os 75 anos seriam idênticas àquelas de ingresso. Mais especificamente, a condição seria a sabatina perante o Senado Federal. Essa interpretação seria confirmada pelo ângulo histórico, na análise de documentos que integraram o processo legislativo resultante na EC 88/2015. Não haveria dúvidas, portanto, de que a expressão “nas condições do art. 52 da Constituição Federal” fixaria, inequivocamente, nova sabatina perante o Senado Federal como requisito para a permanência no cargo, para além dos 70 anos, de ministros do STF, dos tribunais superiores e do TCU. Assim, a presente controvérsia jurídica diria respeito à validade material da condição imposta pelo constituinte derivado. A Corte ressaltou que o controle judicial de emendas constitucionais colocaria em evidência a tensão latente que existiria entre soberania popular e Estado de Direito. De um lado, seria certo que as cláusulas pétreas (CF, art. 60, §4º), ao consubstanciarem limites materiais ao poder de reforma da Constituição, consagrariam um núcleo mínimo de identidade constitucional, a afastar da esfera de atuação dos agentes políticos determinados valores considerados mais elevados. Por outro lado, as cláusulas pétreas não deveriam ser interpretadas como se incorporassem um sufocamento absoluto das tentativas de o próprio povo brasileiro redesenhar as instituições do Estado na busca do seu contínuo aperfeiçoamento. A sutileza que se colocaria perante o STF seria, portanto, a de encontrar o ponto ótimo de equilíbrio entre a deferência em relação às decisões do constituinte derivado e a salvaguarda dos princípios e valores mais fundamentais do Estado Democrático de Direito. Nesse quadro, o controle de constitucionalidade das emendas deveria ser reservado às hipóteses de inequívoca violação ao núcleo das cláusulas pétreas, o que ocorreria no caso em análise. A CF/1988 teria conferido algum grau de densidade semântica ao postulado da separação dos Poderes, a afirmar serem-lhe atributos próprios a independência e a harmonia (CF, art. 2º: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”). Na situação dos autos, interessaria, em particular, a independência entre os Poderes. Embora fosse saudável que houvesse, em certa medida, influências recíprocas entre os Poderes da República, mecanismos de “checks and balances” não poderiam jamais comprometer a independência funcional de cada braço da autoridade do Estado. A harmonia a que alude o art. 2º da CF não poderia significar cumplicidade entre os Poderes, particularmente em relação do Poder Judiciário, cuja independência seria pressuposto indispensável à imparcialidade necessária a qualquer ato de julgamento. Não seria o caso, porém, de, com isso, interditar toda e qualquer iniciativa do legislador em reformar as instituições existentes, inclusive o Poder Judiciário. Não se poderia jamais transigir, no entanto, com a imparcialidade da função jurisdicional, cuja mitigação vulneraria o núcleo essencial da separação dos Poderes (CF, art. 60, § 4º, III). Na espécie, portanto, haveria verossimilhança nas alegações de que a nova sabatina, introduzida pela EC 88/2015, degradaria ou estreitaria a imparcialidade jurisdicional. Seria tormentoso imaginar que o exercício da jurisdição pudesse ser desempenhado com isenção quando o julgador, para permanecer no cargo, carecesse da confiança política do Poder Legislativo, cujos atos, seriam muitas vezes questionados perante aquele mesmo julgador. Por outro lado, estaria configurado o “periculum in mora”. No âmbito do TCU e dos tribunais da cúpula do Poder Judiciário, haveria ao menos 20 ministros em vias de se aposentar compulsoriamente nos próximos três anos. Considerando que a sabatina seria designada para período anterior àquele em que o agente público completasse os setenta anos de idade, seria de se imaginar que o preceito impugnado produziria efeitos no curto lapso de tempo, o que caracterizaria o perigo na demora. O Plenário destacou que haveria uma segunda questão colocada na hipótese em exame, que se desdobraria em outras duas. De um lado, estaria em discussão o sentido da expressão “lei complementar” na nova redação do art. 40, §1º, II, da CF. No contexto específico da magistratura, restaria definir se a aludida lei complementar seria de caráter nacional ou de caráter estadual. No ponto, porém, e em relação à magistratura, não haveria dúvidas de que se trataria da lei complementar nacional, de iniciativa do STF, indicada no art. 93 da CF. De outro lado, seria debatida a validade, à luz da noção de unidade do Poder Judiciário, da regra transitória contida no artigo 100 do ADCT, que limitara a eficácia imediata da aposentadoria compulsória aos 75 anos apenas aos integrantes da cúpula do Poder Judiciário e do TCU. Nesse diapasão, constatar-se-ia que o princípio da igualdade não proibiria de modo absoluto as diferenciações de tratamento. Vedaria apenas distinções arbitrárias. Nesse sentido, a carreira da magistratura seria nacional. Independentemente da instância em que atuassem, os magistrados estariam submetidos a um mesmo regime jurídico, na medida em que integrantes de uma única carreira. Não obstante isso, seria constitucionalmente possível que houvesse distinções pontuais entre os cargos da magistratura, especialmente quanto às condições para o seu provimento e vacância. Assim, o ingresso no cargo de ministro de tribunal superior ou do TCU decorreria da aprovação em sabatina e seria exaurida em evidente processo político com notória peculiaridade. Igualmente, as funções desempenhadas pelos destinatários atingidos pelo art. 100 do ADCT seriam técnicas, mas de resplandecente repercussão política, social e econômica, o que legitimaria o estabelecimento de critérios distintos daqueles dispensados aos demais agentes públicos. Então, a referida distinção consubstanciaria fundamento razoável para a existência de regra de transição exclusiva para os magistrados do STF e tribunais superiores bem como para os membros do TCU sabatinados em relação à futura vacância do cargo oriunda da aposentadoria compulsória. O referido discrímen não alcançaria o cerne fundamental do regime jurídico da magistratura, mas apenas o momento a partir do qual haveria compulsoriedade da aposentadoria. Assim, a distinção de tratamento dispensada pelo art. 100 do ADCT seria legítima, materialmente constitucional e, por não ofensiva à isonomia, deveria ser observada pelos demais órgãos do Poder Judiciário, caracterizado, portanto, o “fumus boni juris”. O “periculum in mora” também estaria configurado na medida em que haveria o elevado risco de que magistrados não integrantes da cúpula do Poder Judiciário e do TCU obtivessem decisões liminares favoráveis que afastassem a regra veiculada pelo art. 40 § 1º, II, da CF, introduzida pela EC 88/2015. O afastamento da referida exigência, mediante uma vulgarização indevida alicerçada em errônea aplicação do princípio da isonomia e da unicidade da magistratura, poderia comprometer a legítima vontade do parlamento, que apenas teria reconhecido a eficácia imediata da majoração da idade da aposentadoria compulsória para um grupo muito específico de agentes públicos. Vencidos, em parte, os Ministros Teori Zavascki e Marco Aurélio, que davam interpretação conforme à parte final do art. 100 do ADCT, introduzido pela EC 88/2015, para excluir enfoque que fosse conducente a concluir-se pela segunda sabatina, considerado o mesmo cargo em relação ao qual ocorrida a primeira sabatina. Vencido, ainda, o Ministro Marco Aurélio, que não conhecia do pedido com conteúdo de ação declaratória de constitucionalidade, por entender incabível a cumulação de ações procedida por meio de aditamento à inicial, e, superada a questão, indeferia a concessão de cautelar, porquanto esta medida seria prevista pela Constituição unicamente quanto à ação direta de inconstitucionalidade. Não caberia, assim, a suspensão de processos em curso nas diversas instâncias do Judiciário, que deveriam tramitar, considerado o devido processo legal. O exame de ameaça ou lesão a direito pelo Poder Judiciário configura cláusula pétrea que não poderia ser afastado sequer por lei.
CF, arts. 2º; 40, § 1º, II; 52, III, a, b; 60, § 4º, III, IV; 93. ADCT, art. 100. Lei 9.868/1999, art. 14, III.
Número do Processo
5316
Tribunal
STF
Data de Julgamento
21/05/2015
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No que tange à disciplina das nulidades atinentes à quesitação ofertada aos jurados, as eventuais irregularidades que caracterizam nulidade relativa, ensejam a sua imediata contestação e a prova do prejuízo para a parte a quem aproveita a nulidade. Nesse contexto, segundo a dicção do art. 484 do Código de Processo Penal, após formular os quesitos o juiz-presidente os lerá, indagando às partes se têm qualquer objeção a fazer, o que deverá constar obrigatoriamente em ata. E, nos termos do art. 571, VIII, do diploma mencionado, as nulidades deverão ser arguidas, no caso de julgamento em Plenário, tão logo ocorram. Entretanto, essa não é a hipótese. Isso porque, nas particularidades do caso concreto, a má formulação do quesito de n. 2 deve ser considerada como causa de nulidade absoluta e sua elevada gravidade justifica excepcionar a regra da impugnação imediata, afastando-se a hipótese de preclusão. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, no julgamento do recurso em sentido estrito, para a delimitação da imputação da decisão de pronúncia, determinou a exclusão de parte das condutas atribuídas aos réus. A inserção nos quesitos de imputações que não foram admitidas no julgamento do recurso em sentido estrito ofende a um só tempo o princípio da correlação entre pronúncia e sentença e, ainda, a hierarquia do julgamento colegiado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Há entendimento desta Corte Superior de que as nulidades absolutas, notadamente aquelas capazes de causar perplexidade aos jurados e com evidente violação ao princípio da correlação entre pronúncia e sentença, ensejam a superação do óbice da preclusão.
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A Constituição prescreve a plenitude de defesa como postulado fundamental do Tribunal do Júri, nos termos de seu art. 5º, inciso XXXVIII, alínea a. E não há dúvida de que o direito à prova é instrumento para o exercício adequado daquele princípio. Todavia, o direito à produção de provas não é absoluto. Ao magistrado é conferida discricionariedade para indeferir, em decisão fundamentada, as provas que reputar protelatórias, irrelevantes ou impertinentes. A discricionariedade judicial é balizada pela avaliação dos critérios da objetividade e da pertinência da prova. No caso em análise, nada obstante a prova pretendida ter sido, inicialmente, deferida pelo magistrado de primeiro grau, a renovação da perícia no celular da vítima por meio do software da Cellebrite não denota pertinência e objetividade para o deferimento. A perícia foi devidamente realizada no telefone do acusado. Não parece lógico, portanto, o pedido de exame no celular da vítima para apuração de comunicação com o paciente. Isso porque, necessariamente, qualquer interlocução entre acusado e vítima, mesmo apagada, estaria registrada nos dois aparelhos. Ademais, não há fundamento constitucional ou legal para que se promova investigação inespecífica no celular da vítima, uma vez que não é papel do Estado procurar provas que se supõe que possam existir sem qualquer delimitação, especialmente, envolvendo cooperação com outros Estados da Federação. A prova deve se destinar a um objetivo certo e delimitado, sob pena, inclusive, de violação da garantia constitucional da inviolabilidade da intimidade e da vida privada (art. 5º, X, Constituição da República). Logo, não se pode deferir investigação de conversas da vítima com terceiros com base em mera suposição da existência de informações relevantes. Tal provimento constituiria, por certo, providência especulativa, visto que inexistente qualquer outro elemento de prova, ainda que indiciário, que indique sua pertinência. Frise-se que o critério judicial para o deferimento de provas é mecanismo que visa assegurar a tutela dos direitos e garantias individuais daqueles que são submetidos à jurisdição. Assim, o magistrado deve atenção aos limites constitucionais na produção da prova, de modo que tem o dever de evitar provas impertinentes e que se mostrem meramente especulativas.
Da dicção dos arts. 19 e 21 da Lei Complementar n. 109/2001, extrai-se que todas as contribuições destinadas à constituição de reservas, sejam elas classificadas como contribuição normal ou extraordinária, têm como objetivo final o pagamento dos benefícios de caráter previdenciário. Assim, é inviável concluir que os valores vertidos pelo participante, em razão da constatação de que as reservas financeiras do fundo estão deficitárias e devem ser recompostas, possam ter função outra se não a garantia de que o benefício acordado será devidamente adimplido. Nesse sentido, os arts. 8º, II, e, da Lei n. 9.250/1995 e 11 da Lei n. 9.532/1999, explicitam regras para dedução das contribuições feitas aos planos de previdência privada da base de cálculo do imposto de renda, as quais são consideradas despesas dedutíveis até o limite de 12% do total dos rendimentos computados da base de incidência do referido tributo. De fato, esses dispositivos não trazem qualquer diferenciação entre as espécies de contribuições pagas pelos participantes ao plano de previdência privada - normais ou extraordinárias. A única exigência legal é de que essas sejam "destinadas a custear benefícios complementares assemelhados aos da Previdência Social", redação bastante similar àquela adotada no caput do art. 19 da Lei Complementar n. 109/2001. Não é demais reiterar que as contribuições pagas pelo participante para custear déficit do plano de previdência privada também servem para garantir o cumprimento do objetivo principal almejado por quem adere ao plano, ou seja, de manter o recebimento dos benefícios acordados, na forma como estipulado à época da inscrição. Assim, as contribuições extraordinárias pagas para equacionar o resultado deficitário nos planos de previdência privada podem ser deduzidas da base de cálculo do imposto de renda, observado o limite de 12% do total dos rendimentos computados na determinação da base de cálculo do imposto devido na declaração de rendimentos.
O crime continuado é benefício penal, modalidade de concurso de crimes, que, por ficção legal, consagra unidade incindível entre os crimes que o formam, para fins específicos de aplicação da pena. Para a sua aplicação, o art. 71, caput, do CP, exige, concomitantemente, três requisitos objetivos: pluralidade de condutas, pluralidade de crime da mesma espécie e condições semelhantes de tempo lugar, maneira de execução e outras semelhantes. Quanto à continuidade delitiva específica, descrita no art. 71, parágrafo único, do Código Penal, são acrescidos os seguintes requisitos: sejam dolosos, realizados contra vítimas diferentes e cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa. No caso, a instância a quo não aplicou a regra continuidade delitiva específica porque não empregada violência real contra as vítimas. De fato, "A violência de que trata a continuidade delitiva especial (art. 71, parágrafo único, do Código Penal) é real, sendo inviável aplicar limites mais gravosos do benefício penal da continuidade delitiva com base, exclusivamente, na ficção jurídica de violência do legislador utilizada para criar o tipo penal de estupro de vulnerável, se efetivamente a conjunção carnal ou ato libidinoso executado contra vulnerável foi desprovido de qualquer violência real." (PET no REsp 1.659.662/CE, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 14/5/2021). Nesse sentido, "A jurisprudência desta Corte Superior decidiu que, nas hipóteses de crimes de estupro ou de atentado violento ao pudor praticados com violência presumida, não incide a regra do concurso material nem da continuidade delitiva específica. (REsp 1.602.771/MG, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 27/10/2017).