Interrupção do prazo prescricional pela instauração da arbitragem no direito brasileiro
A controvérsia resume-se a saber se a anterior instauração de procedimento arbitral constitui causa de interrupção do prazo prescricional, mesmo antes do advento da Lei n. 13.129/2015. Nos exatos termos do art. 31 da Lei n. 9.307/1996, a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário. A instauração do procedimento arbitral, entre outros efeitos, implica a interrupção do prazo prescricional. A inequívoca iniciativa da parte em buscar a tutela dos seus direitos por um dos meios que lhes são disponibilizados, ainda que sem a intervenção estatal, é suficiente para derruir o estado de inércia sem o qual não é possível falar na perda do direito de ação pelo seu não exercício em prazo razoável. A modificação perpetrada pela Lei n. 13.129/2015 veio somente consolidar a orientação que já era adotada pela doutrina majoritária. Uma vez interrompido o prazo prescricional pela instituição da arbitragem, volta ele a fluir a partir da data do ato que o interrompeu, ou do último ato do processo para o interromper, nos termos do parágrafo único do art. 202 do Código Civil.
STF valida execução imediata da pena após condenação pelo Tribunal do Júri
No caso, após o julgamento pelo Tribunal do Júri, houve a determinação do pronto recolhimento do réu à prisão, nos termos do art. 492, I, e, do Código de Processo Penal (CPP). Na Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, foi firmada a compreensão de ser inadmissível a execução provisória da condenação, mesmo após as inovações advindas da Lei n. 13.964/2019, e com a nova redação da alínea e do inciso I daquele artigo. O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, em diversas oportunidades (por exemplo, nas Reclamações n. 57.257, 59.594, 66.226), já havia proclamado a nulidade das decisões da Sexta Turma que afastam a aplicação daquela norma adjetiva, a qual estabelece a imediata prisão de condenado pelo Tribunal do Júri a uma pena igual ou superior a 15 anos de reclusão. Na Rcl n. 71.236, o Ministro Alexandre de Moraes cassou a decisão anteriormente proferida e determinou que outra seja proferida em seu lugar. Para a Suprema Corte, o Superior Tribunal de Justiça tem exercido o controle difuso de constitucionalidade sem observância do art. 97 da Constituição Federal e, assim, violado o enunciado da Súmula Vinculante 10, por desrespeito à cláusula de reserva de Plenário. E, considerando que o tema já era objeto de análise no STF, não haveria sequer razão para que tal apreciação fosse feita também pelo STJ, por meio da Corte Especial, até porque a providência importaria, ainda que incidentalmente, possível sobreposição de manifestações dos Tribunais sobre o mesmo tema. Sucede que, no dia 12/9/2024, sobreveio o fim do julgamento do RE n. 1.235.340/SC (Tema 1.068 da Repercussão Geral), da relatoria do Ministro Roberto Barroso. O Pleno, por maioria de votos, deu interpretação conforme à Constituição, com redução de texto, ao art. 492 do CPP, com a redação da Lei n. 13.964/2019, excluindo do inciso I da alínea e do referido artigo o limite mínimo de 15 anos para a execução da condenação imposta pelo corpo de jurados. Por arrastamento, excluiu dos §§ 4º e 5º, inciso II, do mesmo art. 492 do CPP, a referência ao limite de 15 anos. Nessa assentada, firmou-se a seguinte tese: a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução da condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada. Tal o contexto, assim como já vem decidindo a Quinta Turma, a partir do julgamento do REsp n. 1.973.397/MG, Ministro Ribeiro Dantas, DJe 25/10/2023; e até mesmo a Sexta Turma, como indicado no AgRg no HC n. 874.145/PE, Ministro Teodoro Silva Santos, DJe 7/3/2024, deverá ser adotado - ressalvadas as posições pessoais acerca do tema - o entendimento de que o mencionado dispositivo processual penal é aplicável imediatamente, inclusive para condenações a penas inferiores a 15 anos de reclusão.
Dispensa indevida de licitação no art. 11, V, da Lei de Improbidade Administrativa
Cinge-se a controvérsia acerca da aplicação do princípio da continuidade típico-normativa à conduta que frustra a licitude de concurso e/ou a dispensa indevidamente, tendo em vista a atual redação do artigo 17, § 10-C da Lei n. 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa - LIA), o qual dispõe sobre a precisão da tipificação e veda a modificação do fato principal e da capitulação legal. Inicialmente, o Supremo Tribunal Federal, por meio do Tema n. 1.199, conferiu interpretação restritiva às hipóteses de aplicação da nova redação da LIA, adstrita aos atos ímprobos culposos, não transitados em julgados. Em momento posterior, ampliou a aplicação da tese para os casos de responsabilização por violação genérica dos princípios discriminados no caput do art. 11 da referida lei, ou nos revogados incisos I e II do aludido dispositivo, desde que não haja condenação com trânsito em julgado. Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça adotou o entendimento de que é possível a aplicação do princípio da continuidade típico-normativa, de modo a afastar a abolição da tipicidade da conduta do réu, quando for possível o enquadramento típico nos incisos da nova redação trazida pela Lei n. 14.230/2021, preservando a reprovação da conduta. Isso porque, a nova legislação, no caput do art. 11, tipifica de forma taxativa os atos ímprobos por ofensa aos princípios da administração pública, não mais se admitindo a condenação genérica por mera ofensa aos aludidos princípios. A conduta de frustrar o procedimento licitatório, por sua vez, continuou sendo vedada tanto na esfera criminal e cível. O Capítulo II-B do Título XI foi inserido no Código Penal, tratando justamente das mesmas condutas ilícitas. Já no âmbito cível, a referida conduta tem seu similar no art. 10, VIII, da LIA. A legislação civil, contudo, passou a exigir a efetiva perda patrimonial para que esteja configurado o ato de improbidade, não bastando a presunção de dano ou dano in re ipsa. Se não houver a efetiva perda patrimonial, a conduta poderá ser enquadrada como ato que atenta contra os princípios da administração pública na forma do art. 11, V, da referida Lei. Até a edição da Lei n. 14.230/2021, a jurisprudência do STJ estava sedimentada no sentido que, na ação de improbidade, o réu defende-se dos fatos imputados, e não da capitulação legal da conduta. Antes, não existia a incidência do princípio da tipicidade cerrada, nem tampouco maior preocupação formal com a subsunção da conduta aos incisos dos artigos 9º, 10 e 11 da LIA. No caso, o julgamento pelas instâncias ordinárias ocorreu antes da alteração legislativa, de modo que estavam em consonância com a não aplicação do princípio da tipicidade cerrada. Da mesma forma, não tratou de dano presumido, já que as instâncias ordinárias assentaram a existência de dano ao erário com o pagamento ao agente ímprobo e a ausência de prestação de serviço. Destaca-se que a jurisprudência atual do STJ é no sentido de que o art. 17, § 10-C da Lei n. 14.230/2021, não pode ser aplicado aos processos já sentenciados. Logo, na presente hipótese, inexiste óbice legal para a alteração do enquadramento jurídico da conduta ilícita objeto de sentença em data anterior à vigência da referida Lei. Por essa razão, admite-se a incidência da continuidade típico-normativa. Ainda, o contexto fático delineado pelo Tribunal de origem assentou que no Município existiam outros concorrentes que poderiam se habilitar para disputar o certame, que foi dispensado indevidamente, já que o valor contratado excedeu a própria previsão legal, não sendo cabível a contratação direta. Por isso, as condutas praticadas violaram os princípios que regem a administração pública, sendo constatada a presença do dolo ao ignorar a regra concernente à prévia realização de procedimento licitatório.
Aceitação na substituição vulgar afasta substituto e transmite bens aos sucessores
A substituição vulgar, ou ordinária, ocorre quando o testador nomeia um herdeiro ou legatário e prevê, no mesmo ato, um substituto para o caso de premoriência ou, estando vivo, não quiser ou não puder receber o que lhe foi deixado, em conformidade com o art. 1.947 do CC/2002 (correspondente ao art. 1.729 do CC/1916). Tem-se a efetivação da substituição vulgar do legatário, portanto, nas hipóteses em que: (i) o legatário não quiser receber o legado, renunciando ao direito; (ii) o legatário não puder receber o legado por algum impedimento legal; e (iii) o legatário tiver falecido antes do testador. Ocorre que a substituição vulgar caduca se o substituto vier a falecer antes do testador ou antes do herdeiro ou legatário instituído, ou ainda na hipótese em que o herdeiro ou legatário instituído aceitar a herança ou o legado. Em ambas as situações, o legado será transmitido aos herdeiros do herdeiro ou legatário instituído em primeiro lugar pelo testador. Isso significa que, em caso de aceitação do legado, desaparece a figura do substituto e, mesmo em caso de falecimento do legatário após a aceitação do legado, o substituto não terá direito ao legado, que caberá aos sucessores do legatário.
Honorários no cumprimento de sentença com precatório após impugnação rejeitada e exclusão da parcela incontroversa
De início, é necessário registrar que o Superior Tribunal de Justiça, sob a sistemática dos Recurso Especiais Repetitivos (Tema 1190/STJ), fixou a seguinte tese: "Na ausência de impugnação à pretensão executória, não são devidos honorários advocatícios sucumbenciais em cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública, ainda que o crédito esteja submetido a pagamento por meio de Requisição de Pequeno Valor - RPV". Nesse sentido, a análise dos recursos afetados ao rito dos repetitivos no Tema 1190 mostra que a única tese definida se restringe ao cabimento de honorários sucumbenciais em cumprimento de sentença relativamente aos créditos submetidos ao regime de pagamento de obrigações definidas em lei como de pequeno valor. Todavia, o cerne da questão debatida tem a ver com a incidência de honorários advocatícios no caso de cumprimento de sentença impugnado pela Fazenda Pública relativamente ao pagamento de créditos submetidos ao regime de precatório, sendo necessário a realização do distinguishing. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 1.134.186/RS, sob a sistemática de recurso repetitivo, consolidou orientação de que (a) "são cabíveis honorários advocatícios em fase de cumprimento de sentença, haja ou não impugnação, depois de escoado o prazo para pagamento voluntário a que alude o art. 475-J do Código de Processo Civil (CPC/1973), que somente se inicia após a intimação do advogado, com a baixa dos autos e a aposição do 'cumpra-se' " (Tema 407); e (b) "não são cabíveis honorários advocatícios pela rejeição da impugnação ao cumprimento de sentença" (Tema 408). A consolidação da jurisprudência no julgamento repetitivo culminou na edição da Súmula 517 ("São devidos honorários advocatícios no cumprimento de sentença, haja ou não impugnação, depois de escoado o prazo para pagamento voluntário, que se inicia após a intimação do advogado da parte executada") e da Súmula 519 ("na hipótese de rejeição da impugnação ao cumprimento de sentença, não são cabíveis honorários advocatícios"). O precedente qualificado foi proferido ainda na vigência do Código de Processo Civil de 1973, a fim de se definir sobre o cabimento de honorários advocatícios em fase de cumprimento de sentença a partir da edição da Lei n. 11.232/2005, a qual modificou o procedimento de execução de título judicial, que deixou de prever a existência de um processo autônomo para estabelecer uma fase complementar do processo de conhecimento. Embora o leading case tenha sido julgado ainda na vigência do digesto processual revogado, a orientação ali adotada não foi superada pela entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, uma vez que o art. 85 desse diploma legal prevê, em seu § 1º, o cabimento de honorários na fase de cumprimento de sentença, dispositivo que não diverge da norma prevista no at. 475-J da Lei n. 11.232/2005, que estabelece que os honorários advocatícios são arbitrados no momento inicial do cumprimento de sentença caso o devedor não efetue o pagamento do montante devido no prazo de quinze dias. Todavia, há uma peculiaridade a ser levada em consideração, relativa ao fato de que a controvérsia submetida a julgamento pelo rito repetitivo girou em torno do cumprimento de sentença condenatória de obrigação pecuniária do devedor comum, que, após o trânsito em julgado, tem a opção de pagar voluntariamente o montante devido, de modo que, deixando de cumprir essa obrigação e iniciada a fase de cumprimento de sentença, cabe ao magistrado arbitrar a verba sucumbencial desde o início, consoante preconiza o art. 475-J do CPC/1973 com redação incluída pela Lei n. 11.232/2005. Tratamento diverso é adotado quando se trata de dívida oriunda de condenação judicial contra a Fazenda Pública diante da submissão à regra do art. 100 da Constituição Federal, que determina, peremptoriamente, que os pagamentos devidos pela Fazenda Pública em virtude de sentença judicial devem ser efetivados exclusivamente de acordo com a ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, excluindo apenas os casos de pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor, objeto do § 3º do dispositivo constitucional. Iniciada a fase de cumprimento de sentença, o ente público é intimado nos termos do art. 535 do CPC não para efetuar o pagamento, e sim para impugnar a execução no prazo de 30 dias. Nessa hipótese, não se verifica a resistência injustificada do ente público em cumprir a decisão judicial que lhe foi desfavorável, e sim o seu dever de cumprir procedimento específico para quitação da dívida que se enquadra na previsão constitucional de pagamento por meio de expedição de precatório. Essa peculiaridade se torna ainda mais relevante pelo fato de o novo CPC, em seu art. 85, § 7º, trazer regra específica que excepciona a fixação de honorários advocatícios na fase de cumprimento de sentença quando o valor devido pela Fazenda Pública der ensejo à expedição de precatório, salvo se impugnado. A contrario sensu, uma vez impugnada a execução da sentença, serão devidos os honorários advocatícios em decorrência do decaimento da Fazenda Pública nesse incidente, notadamente porque, diferentemente do que ocorre no cumprimento de sentença em desfavor do particular, não é aplicada contra o ente público a regra do § 1º do art., 85 que prevê a fixação da verba honorária no primeiro momento em que o magistrado se pronuncia nessa fase processual. Portanto, é cabível a fixação de honorários advocatícios no cumprimento de sentença que enseje a expedição de precatório, pela rejeição da impugnação ofertada pela Fazenda Pública, à luz do art. 85, § 7º, do CPC, excetuada da base de cálculo apenas eventual parcela incontroversa do crédito.