Impenhorabilidade de quantia inferior a 40 salários mínimos exige arguição do executado, não de ofício
Cinge-se a controvérsia, nos termos da afetação do recurso ao rito dos repetitivos, em "definir se a impenhorabilidade de quantia inferior a 40 salários mínimos é matéria de ordem pública, podendo ser reconhecida de ofício pelo juiz" (Tema 1235/STJ). Na égide do Código de Processo Civil (CPC/1973), a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, nos EAREsp 223.196/RS, pacificou a divergência sobre a interpretação do art. 649, fixando que a impenhorabilidade nele prevista deve ser arguida pelo executado, sob pena de preclusão, afastando o entendimento de que seria uma regra de ordem pública cognoscível de ofício pelo juiz, sob o argumento de que o dispositivo previa bens "absolutamente impenhoráveis", cuja inobservância seria uma nulidade absoluta. O CPC/2015 não apenas trata a impenhorabilidade como relativa, ao suprimir a palavra "absolutamente" no caput do art. 833, como também regulamenta a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, prevendo que, após a determinação de indisponibilidade, incumbe ao executado, no prazo de 5 dias, comprovar que as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis, cuja consequência para a ausência de manifestação é a conversão da indisponibilidade em penhora (art. 854, § 3º, I, e § 5º), restando, para o executado, apenas o manejo de impugnação ao cumprimento de sentença ou de embargos à execução (arts. 525, IV, e 917, II). Quando o legislador objetivou autorizar a atuação de ofício pelo juiz, o fez de forma expressa, como no § 1º do art. 854 do CPC, admitindo que o juiz determine, de ofício, o cancelamento de indisponibilidade que ultrapasse o valor executado, não havendo previsão similar quanto ao reconhecimento de impenhorabilidade. A impenhorabilidade prevista no art. 833, X, do CPC consiste em regra de direito disponível do executado, sem natureza de ordem pública, pois pode o devedor livremente dispor dos valores poupados em suas contas bancárias, inclusive para pagar a dívida objeto da execução, renunciando à impenhorabilidade. Assim, o Código de Processo Civil não autoriza que o juiz reconheça a impenhorabilidade prevista no art. 833, X, de ofício, pelo contrário, atribui expressamente ao executado o ônus de alegar tempestivamente a impenhorabilidade do bem constrito, regra que não tem natureza de ordem pública, conforme interpretação sistemática dos arts. 833, 854, §§ 1º, 3º, I, e § 5º, 525, IV, e 917, II, do CPC.
Execução de obrigação de fazer por terceiro exige anuência do exequente e do terceiro
A controvérsia versa sobre o cumprimento de sentença de ação civil pública, em que a Fazenda Municipal respondeu em litisconsórcio com particular, sendo que ambos foram condenados em obrigações de fazer distintas, tendo aquela cumprido a sua parte da condenação, enquanto o particular, não. No caso em questão, a parte exequente pugnou que o ente municipal cumprisse, na condição de terceiro, a obrigação de fazer imposta ao particular, embasando seu pedido no art. 817, caput, do Código de Processo Civil (CPC), o qual rege que "se a obrigação puder ser satisfeita por terceiro, é lícito ao juiz autorizar, a requerimento do exequente, que aquele a satisfaça à custa do executado". Todavia, a referida regra (atendimento da obrigação de fazer pelo terceiro) pressupõe a anuência não só do exequente, como também do terceiro, tanto é que o texto legal usa a expressão "puder" (em vez de dever) e "autorizar" (em vez de "determinar" ou "requisitar"). O dispositivo em foco não prevê sanção para o caso de o terceiro deixar de "cumprir" a tal "obrigação de fazer", a se evidenciar que a aquiescência daquele (o terceiro) é indispensável, pois, do contrário, estar-se-ia diante de norma jurídica sem imperatividade. Portanto, não pode ser determinado ao Município, na condição de terceiro, que realize a obrigação de fazer imposta ao particular, pois o comando normativo em discussão não permite obrigar o terceiro a cumprir obrigação pela qual não é responsável, mas sim faculta essa opção.
Dever de cooperação judicial para obtenção de informações após diligência e ineficácia da parte
O dever de colaboração está expresso no art. 6º do Código de Processo Civil - CPC, o qual dispõe que "todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva". Além disso, está implicitamente em outros dispositivos processuais, entre os quais se destaca o art. 319, § 1º, do CPC, o qual prevê que, na petição inicial, poderá o autor, caso não disponha, requerer ao juiz diligências necessárias à obtenção de informações acerca de nomes, prenomes, estado civil, existência de união estável, profissão, número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, endereço eletrônico, domicílio e residência do réu. O dever de colaboração processual redesenha, em certa medida, o papel do juiz, o qual, mantendo-se imparcial em relação às partes e ao desfecho do processo, deve com elas colaborar para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. De fato, não pode o Juízo - de modo algum - substituir as partes, as quais devem empreender esforços para diligenciar e desempenhar adequadamente as suas atribuições. Por outro lado, quando comprovado o empenho da parte e o insucesso das medidas adotadas, o juiz tem o dever de auxiliá-la a fim de que encontre as informações que, à disposição do Juízo, condicionem o eficaz desempenho de suas atribuições. Acrescente-se que a decisão do juiz deve observar o exame acerca da proporcionalidade das diligências pretendidas pelo requerente, verificando-se a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito das medidas quando confrontados direitos fundamentais.
Inaplicabilidade da recuperação judicial às fundações privadas no ordenamento jurídico brasileiro
A questão controvertida resume-se a definir se as fundações de direito privado têm legitimidade para ajuizar pedido de recuperação judicial. A recuperação judicial é um incentivo ao empreendedor que decide utilizar seu patrimônio para a geração de riquezas, garantindo-se que eventual crise financeira possa ser superada com a cooperação das partes interessadas. Em contrapartida aos benefícios trazidos pela atividade empresarial, entendeu-se ser possível a exigência de determinados sacrifícios à sociedade como um todo e, particularmente, aos empregados e fornecedores da sociedade empresária em crise. Ademais, a manutenção das atividades garante, a princípio, a permanência de empregos e a geração de riquezas. Em relação às associações e fundações, essa lógica não pode ser aplicada. As entidades sem fins lucrativos são criadas com o objetivo de promover uma causa ou prestar um serviço. Qualquer excedente das receitas em relação às despesas deve ser reinvestido com o intuito de alcance de seus objetivos sociais. A finalidade social não impede que as entidades cobrem pela prestação dos serviços oferecidos, como nos casos em que são cobradas mensalidades dos alunos. Como, em regra, os objetivos se situam no campo social e educacional, prestando serviços de utilidade pública, a sociedade é chamada a dar contrapartida a essas ações mediante a concessão de benefícios fiscais pelo Estado. Assim, a concessão de recuperação judicial a entidades sem fins lucrativos que já usufruem de imunidade tributária equivaleria a exigir uma nova contraprestação da sociedade brasileira, sem estudos acerca do impacto concorrencial e econômico que a medida poderia gerar, além de impactar na alocação de riscos dos agentes do mercado, em desatendimento à segurança jurídica. Por fim, o art. 1º da Lei n. 11.101/2005 afirma que a recuperação judicial é do empresário e da sociedade empresária, não incluindo as fundações de direito privado entre os legitimados para o pedido de recuperação judicial, dispositivo legal que não foi alterado com as recentes modificações trazidas pela Lei n. 14.112/2020.
Vedação à analogia in malam partem para negar suspensão condicional do processo
O instituto da suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/1995) se aplica nas hipóteses em que "a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano", "desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal)". Contudo, no caso, o sursis processual foi negado com fundamento no art. 28-A, § 2º, inciso IV, do Código de Processo Penal, o qual dispõe que o acordo de não persecução penal não se aplica "nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor." Relevante salientar que, embora a suspensão condicional do processo não se trate de mero direito subjetivo do réu, não pode ser obstado sem fundamentação idônea, em atenção à disciplina legalmente prevista. Não constitui direito subjetivo do réu nem mera faculdade do Ministério Público. Trata-se de um poder-dever do Parquet. Oportuno anotar que, ao contrário do que também afirma o Ministério Público para negar a benesse, a hipótese não atrai igualmente a vedação constante do art. 41 da Lei n. 11.340/2006, uma vez que o acusado não foi denunciado como incurso na Lei Maria da Penha. Como é de conhecimento, nem todo crime contra a mulher é praticado em violência doméstica e familiar, não tendo referida circunstância sido narrada na denúncia. Ademais, quando se examinou o Tema Repetitivo 1121, a Terceira Seção, fez constar expressamente na ementa do acórdão o cabimento da suspensão condicional do processo para o delito previsto no artigo 215-A do Código Penal Brasileiro. Eis o item 12 da referida Ementa: 12. Não é só. Desclassificar a prática de ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos para o delito do art. 215-A do CP, crime de médio potencial ofensivo que admite a suspensão condicional do processo, desrespeitaria ao mandamento constitucional de criminalização do art. 227, §4º, da CRFB, que determina a punição severa do abuso ou exploração sexual de crianças e adolescentes. Haveria também descumprimento a tratados internacionais. (REsp 1.954.997, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Terceira Seção, DJe 1/7/2022). Nessa linha de intelecção, a fundamentação declinada pelo Ministério Público para impedir o benefício, por meio da transposição de óbice previsto para instituto distinto, denota verdadeira analogia in malam partem, o que não se admite no direito penal.