Tutela inibitória e responsabilidade civil por excesso de peso de veículos em rodovias
Trata-se de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal, visando à condenação de uma empresa ao pagamento de danos materiais e morais coletivos em razão do tráfego de veículos de carga com excesso de peso nas rodovias. A sentença julgou o pedido improcedente, argumentando que a conduta já é punida pelo Código de Trânsito Brasileiro, não sendo competência do Judiciário substituir o legislador para agravar a penalidade ou estabelecer nova sanção. O julgado foi mantido pelo Tribunal recorrido. A fim de preservar a integridade das vias terrestres, bens públicos de uso comum do povo, assim como a segurança no trânsito, dispõe o art. 231, V, do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) que o tráfego de veículo com excesso de peso constitui infração administrativa de natureza média, sujeita à aplicação de multa. No entanto, a punição da conduta na esfera administrativa não esgota, necessariamente, a resposta punitiva estatal frente ao ilícito, notadamente quando há desproporcionalidade entre a penalidade administrativa aplicada e o benefício usufruído pelo infrator com a reiteração do comportamento proibido. Portanto, à luz dos princípios da inafastabilidade da jurisdição e da independência das instâncias punitivas, não se exclui da apreciação do Poder Judiciário a postura recalcitrante à legislação de trânsito. É fato notório o nexo causal existente entre o transporte com excesso de peso e a deterioração da via pública decorrente de tal prática. A circulação de veículos com sobrepeso danifica a estrutura da malha viária, abreviando o seu tempo de vida útil e ocasionando o dispêndio de recursos públicos. Além dos graves danos materiais gerados ao patrimônio público, há ofensa in re ipsa a direitos coletivos e difusos, de caráter extrapatrimonial, como a ordem econômica, o meio ambiente equilibrado e a segurança dos usuários das rodovias. Assim, como a previsão de infração administrativa não afasta o reconhecimento da responsabilidade civil do agente reincidente no transporte com excesso de peso, a aplicação da multa administrativa não exclui a imposição da tutela inibitória prevista pela Lei da Ação Civil Pública (art. 11, da Lei n. 7.347/1985). Tem-se em vista que a multa administrativa, de caráter abstrato e sancionadora de ilícitos pretéritos, em nada se confunde com a multa civil (astreintes), fixada para dissuadir a conduta contumaz do infrator recalcitrante, bem como assegurar o cumprimento das obrigações judicialmente estabelecidas. Inexiste, portanto, indevido bis in idem nas múltiplas respostas estatais dirigidas a uma mesma conduta contrária ao Ordenamento. O entendimento consolidado do Tribunal da Cidadania é no sentido de que a sanção administrativa prevista pelo Código de Trânsito Brasileiro não afasta as demais formas de resposta estatal previstas pelo Ordenamento para prevenir, reparar e reprimir o tráfego de veículo de carga com excesso de peso nas rodovias. As principais premissas que embasaram tais precedentes foram didaticamente sintetizadas nos seguintes termos: i) há um direito coletivo ao trânsito seguro; ii) não há direito ao livre trânsito com excesso de carga, ainda que mediante pagamento de pedágio; iii) a previsão administrativa de vedação ao sobrepeso visa à proteção do patrimônio público e à segurança viária; iv) o dano decorrente do transporte de cargas em excesso é notório e direto, dispensando a produção de prova específica; v) comprovado o transporte com sobrepeso, configura-se o dano, assim como o nexo causal proveniente da conduta; vi) os danos causados são de ordem material e moral e ostentam natureza difusa; viii) a conduta ilícita decorre do investimento empresarial na atividade antijurídica, lucrativa em face da desproporcionalidade entre a multa administrativa e o benefício econômico usufruído pelo transportador; ix) inexiste indevido bis in idem na hipótese de aplicação da sanção administrativa e do reconhecimento da responsabilidade civil pelo mesmo fato; x) o acolhimento jurisdicional de medidas garantidoras do direito não configura usurpação de competência legislativa ou administrativa; xi) são cabíveis astreintes para a inibição da conduta; e xii) a reiteração comprovada ou inequívoca da infração autoriza esta Corte a reconhecer a respectiva responsabilidade civil, cabendo à instância ordinária a fixação dos patamares indenizatórios (AgInt no REsp 1.783.304/DF, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 15/3/2021).
Porte de arma e tráfico: nexo finalístico, consunção com majorante ou concurso material
O princípio da consunção resolve o conflito aparente de normas penais quando um delito se revela meio necessário ou normal na fase de preparação ou execução de outro crime. Nessas situações, o agente apenas será responsabilizado pelo último crime. Para tanto, porém, é imprescindível a constatação do nexo de dependência entre as condutas, a fim de que uma seja absorvida pela outra. A jurisprudência do STJ tem entendido que não constitui obstáculo para a aplicação do princípio da consunção a proteção de bens jurídicos diversos, ou mesmo a absorção de infração mais grave por crime de menor gravidade. Valendo-se dessa compreensão, a Terceira Seção do STJ estabeleceu tese, no Tema Repetitivo n. 933, segundo a qual "Quando o falso se exaure no descaminho, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido, como crime-fim, condição que não se altera por ser menor a pena a este cominada" (REsp n. 1.378.053/PR, relator Ministro Nefi Cordeiro, Terceira Seção, julgado em 10/8/2016, DJe 15/8/2016). Na mesma linha, o enunciado n. 17 da Súmula do STJ prevê que "Quando o falso se exaure no descaminho, sem mais potencialidade ofensiva, é por este absorvido". No caso, o ponto chave consiste em estabelecer se estando configurado o tráfico de drogas majorado pelo art. 40, inciso IV, da Lei n. 11.343/2006 há ou não independência de condutas com relação ao delito de porte ou posse ilegal de arma de fogo, previsto no Estatuto do Desarmamento. Ao decidir sobre essa questão, o STJ, por meio das turmas que compõem a Terceira Seção, firmou o entendimento de que, quando o uso da arma está diretamente ligado ao sucesso dos crimes previstos nos artigos 33 a 37 da Lei de Drogas, ocorre a absorção do crime de porte ou posse de arma de fogo. Assim, sempre que houver um nexo finalístico entre a conduta relacionada ao tráfico e a posse ou porte de arma de fogo, não se aplicará o concurso material. Esse entendimento parte da premissa de que a posse ou porte de arma de fogo, nesses casos, é apenas um meio instrumental para viabilizar ou facilitar a prática do crime de tráfico de drogas. A arma de fogo, nesse contexto, não é considerada um delito autônomo, mas uma ferramenta essencial para a execução do crime principal, ou seja, o tráfico. Dessa forma, a conduta referente à arma de fogo é absorvida pela prática do outro delito, evitando, assim, a duplicidade de punição. Essa interpretação busca garantir uma aplicação mais coerente das penas, de modo a evitar a sobrecarga penal injustificada quando os crimes estão intrinsecamente conectados. Além disso, a decisão reflete uma visão pragmática sobre o uso de armas no tráfico de drogas, reconhecendo que o porte ou posse é comumente associado à proteção das atividades ilícitas, à intimidação de terceiros ou à própria execução de delitos relacionados. Assim, ao estabelecer o nexo finalístico, o Tribunal entende que a intenção do agente é voltada primordialmente para o tráfico, e a arma serve apenas como um instrumento que favorece esse crime, o que justifica a aplicação de um único tipo penal, conforme a sistemática da absorção. Assim, fixa-se a seguinte tese: "A majorante do art. 40, inciso IV, da Lei n. 11.343/2006 aplica-se quando há nexo finalístico entre o uso da arma e o tráfico de drogas, sendo a arma usada para garantir o sucesso da atividade criminosa, hipótese em que o crime de porte ou posse ilegal de arma é absorvido pelo tráfico. Do contrário, o delito previsto no Estatuto do Desarmamento é considerado crime autônomo, em concurso material com o tráfico de drogas".
Progressão e promoção de servidores do INSS com periodicidade anual e efeitos financeiros retroativos
Conforme dispõe o art. 9º da Lei n. 10.855/2004, que regulou a reestruturação da Carreira Previdenciária, com redação dada pela Lei n. 11.501/2007, enquanto não editado regulamento a respeito das promoções e progressões funcionais, devem ser observadas as regras constantes do Plano de Classificação de Cargos, disciplinado pela Lei n. 5.645/1970. Nessa linha, deve-se respeitar o interstício mínimo de 12 (doze) meses, conforme o art. 7º do Decreto n. 84.669/1980. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento pela possibilidade de fixação do termo inicial da contagem dos efeitos financeiros da promoção e da progressão funcionais ser fixado em data distinta da entrada em exercício do servidor. No caso dos servidores da carreira da seguridade social, deve-se observar que o Decreto n. 84.669/1980 prevê que: a) os termos iniciais da contagem do interstício para a progressão e promoção funcionais são os meses de janeiro e julho (art. 10, § 1º) ou o primeiro dia do mês de julho após a entrada em exercício (art. 10, § 2º); e b) para início dos efeitos financeiros dos atos de progressão até então publicados, os meses de setembro e março (art. 19). É possível exigir diferenças remuneratórias retroativas aos reenquadramentos funcionais, considerando que, até a vigência da Lei n. 13.324/2016, os servidores já tinham o direito às progressões funcionais conforme as regras estabelecidas na Lei n. 5.645/1970 e no Decreto n. 84.669/1980, de forma que já tinham direito ao cômputo do interstício de 12 (doze) meses. Com efeito, não se trata de aplicação retroativa do art. 39 da Lei n. 13.324/2016, mas de reconhecimento da incidência das normas anteriores a 2017 (que já previam o interstício de 12 meses). Assim, fixam-se as seguintes teses jurídicas: i) O interstício a ser observado na progressão funcional e na promoção de servidores da carreira do Seguro Social é de 12 (doze) meses, nos termos das Leis n. 10.355/2001, 10.855/2004, 11.501/2007 e 13.324/2016; ii) É legal a progressão funcional com efeitos financeiros em data distinta à de entrada do servidor na carreira (início do exercício funcional); iii) São exigíveis diferenças remuneratórias retroativas decorrentes do reenquadramento dos servidores quanto ao período de exercício da função até 1º/1/2017, nos termos do art. 39 da Lei n. 13.324/2016.
Juros moratórios desde a citação válida em danos morais por serviço público de esgoto
Tradicionalmente, o Superior Tribunal de Justiça define os efeitos da mora, dentre eles, especialmente, o termo inicial dos juros moratórios, a partir da categorização doutrinária clássica da responsabilidade civil quanto à origem da relação jurídica travada entre os litigantes, distinguindo a responsabilidade contratual da extracontratual. Esse entendimento está cristalizado no verbete n. 54 da Súmula do STJ, segundo o qual "Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual". A despeito de oferecer solução para fixar o termo inicial dos juros moratórios, referido enunciado sumular não aponta os critérios distintivos das espécies de responsabilidade contratual e extracontratual. Revisitando os precedentes que deram origem ao aludido verbete, nota-se que o discrímen utilizado se valia da classificação do ilícito: se absoluto, responsabilidade extracontratual; ou, se relativo, contratual. Entretanto, a evolução dos estudos em Direito Civil aponta para a superação da teoria dualista, a partir do foco na reparação integral dos danos, aplicável tanto para os casos de responsabilidade contratual como extracontratual. Importante frisar que o próprio Código de Defesa do Consumidor - CDC não adotou essa classificação dual, valendo-se de conceitos mais modernos da responsabilidade (em regra objetiva e solidária) pelo fato ou por vício do produto ou do serviço (artigos 12 a 25 do CDC), circunscrevendo a responsabilidade subjetiva apenas aos casos de profissionais liberais, que será apurada mediante a verificação de culpa (artigo 14, § 4º, CDC), conquanto no diploma consumerista não haja nenhuma disposição específica referente à constituição em mora. Nesse rumo, com a possibilidade de violação positiva do contrato e de seus deveres anexos, inspirados sob os princípios da boa-fé objetiva e da probidade, os quais devem permear todo o vínculo contratual, inclusive na fase de execução (sobretudo nos contratos de prestação continuada), também estará caracterizada a mora (inadimplemento parcial) nos casos de cumprimento imperfeito, inexato ou defeituoso da prestação. Desse modo: (i) na responsabilidade contratual, é possível a caracterização da mora anteriormente à citação válida: (a) na obrigação positiva, líquida e com termo certo; (b) em caso de anterior notificação do responsável pela reparação dos danos; (c) quando verificado inadimplemento absoluto devidamente comprovado nos contratos de prestação continuada; (ii) na responsabilidade extracontratual, a regra é a constituição da mora a partir do evento danoso, mas também se mostra possível a sua configuração a partir da citação válida, quando ela não restar efetivamente comprovada em momento anterior; e (iii) na dúvida, deve ser considerada a citação válida como termo inicial da mora. Assim, havendo dúvida relevante quanto ao momento em que caracterizada a mora, deve ser aplicada a regra geral de que, não comprovada em momento anterior, deve ser considerada a data da citação, nos termos dos artigos 240 do Código de Processo Civil - CPC e 405 do Código Civil - CC. Em vista do exposto, fixa-se a seguinte tese: "No caso de demanda em que se pleiteia reparação moral decorrente de mau cheiro oriundo da prestação de serviço público de tratamento de esgoto, os juros moratórios devem ser contados desde a data da citação válida, salvo se a mora da prestadora do serviço tiver sido comprovada em momento anterior".
Incabível fixação de honorários sucumbenciais no cumprimento de sentença de mandado de segurança individual
Nos termos do art. 5º, LXIX, da Constituição Federal, conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas-corpus ou habeas-data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. Já no plano normativo ordinário, dito remédio constitucional é disciplinado pela Lei n. 12.016/2019, que encerra um rito especial marcado pela celeridade, dentre outras particularidades. Uma delas, vem a ser o não cabimento da condenação em verba honorária em relação ao litigante sucumbente, nos termos do art. 25 da aludida lei regulamentadora. De outro giro, a teor do art. 133 da Constituição Federal, "[o] advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei", sendo certo que, nos termos do art. 22 do Estatuto da Advocacia (Lei n. 8.906/1994), "[a] prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência". No tocante aos honorários de sucumbência, os artigos 85, § 1º, e 523, § 1º, do CPC, disciplinam a matéria. Ocorre que a jurisprudência consolidada do STJ e do STF, incluindo as Súmulas n. 105/STJ e 512/STF, reforça o entendimento de que não cabe a fixação de honorários advocatícios em mandado de segurança. Primeiro porque trata-se de uma ação constitucional, uma garantia inserida no rol dos direitos fundamentais, a qual tem a finalidade de permitir o controle judicial dos atos administrativos, possuindo um rito especialíssimo, que não se coaduna com a condenação de honorários. Segundo porque há expressa vedação legal na lei de regência do mandamus. É dizer, o legislador, dentro do âmbito de suas competências institucionais, quando resolveu atualizar o diploma legislativo que regula esse remédio constitucional (substituindo a Lei n. 1.533/1951 pela Lei n. 12.016/2009), escolheu positivar a orientação jurisprudencial pacífica, tal como emanada do Supremo Tribunal Federal (Súmula n. 512) e do Superior Tribunal de Justiça (Súmula n. 105), ou seja, pelo descabimento da condenação em honorários no âmbito do writ. Para além disso, é certo que o vigente CPC, ao adotar a figura do processo sincrético, acabou com a ideia de que haveria processos distintos de conhecimento e execução, mas apenas fases do mesmo processo. Assim, não há falar que a natureza do cumprimento de sentença é distinta daquela do mandamus que lhe deu origem. Ademais, o Supremo Tribunal Federal, em ação direta de constitucionalidade julgada já sob a égide do CPC/2015, teve a oportunidade de reafirmar sua jurisprudência pelo não cabimento da condenação em honorários na via mandamental, bem como a constitucionalidade do art. 25 da Lei n. 12.016/2019 (ADI 4.296, Rel. Ministro Marco Aurélio, Rel. para acórdão Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 9/6/2021, DJe 11/10/2021). Portanto, a natureza constitucional e especialíssima do mandado de segurança justifica a ausência de condenação em honorários, visando a não desestimular o uso desse remédio constitucional. Assim, fixa-se a seguinte tese: "Nos termos do art. 25 da Lei n. 12.016/2009, não se revela cabível a fixação de honorários de sucumbência em cumprimento de sentença proferida em mandado de segurança individual, ainda que dela resultem efeitos patrimoniais a serem saldados dentro dos mesmos autos".